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Preservação X Desenvolvimento

Por que manter a floresta nativa de pé é um bom negócio

Foto: Bigstock (Foto: )

No momento em que os olhos do mundo inteiro estão voltados para a Amazônia, a comunidade científica e o setor empresarial discutem formas de desenvolvimento que usem as riquezas naturais de forma sustentável, ou seja sem destruí-las.

O movimento passa pela bioeconomia, que se baseia no uso responsável dos recursos naturais, e dos “green jobs”, os empregos verdes que contribuem para a preservação e a restauração do meio ambiente. Isso mostra que, além do incalculável benefício ambiental, florestas nativas podem sim dar lucro.

“Como faz para conservar a Amazônia? Não é parando a utilização dessas áreas intocadas. Pelo contrário, é fortalecendo as cadeias produtivas”, diz Roberto Palmieri, diretor-executivo adjunto do Instituto de Manejo Florestal e Agrícola (Imaflora).

O melhor exemplo, segundo ele, é o da castanha-do-Pará. “Toda a castanha-do-Pará vem de área protegida, como parques e reservas extrativistas. Não tem plantio em área privada”, explica. Reconhecer o valor desses produtos e investir neles, vai ajudar na conservação ambiental. “Porque na medida que você está utilizando [os produtos], gerando renda, se forma toda uma economia local que gera bem-estar para todos”, afirma Palmieri.

Segundo o executivo, a experiência tem potencial para ser ampliada a outros frutos e produtos amazônicos como copaíba, cumaru, andiroba, que tem um valor enorme na indústria de fármacos e cosméticos.

Green jobs

A ONU estima que, atualmente, 1,2 bilhão de empregos dependem diretamente de uma gestão sustentável do meio ambiente em vários setores: agricultura, pesca, manejo florestal, construções, energias renováveis, turismo, indústria farmacêutica e cosmética, entre outras.

O mercado dos chamados “green jobs” só aumenta e oportunidades não vão faltar nos próximos anos. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (IOT), órgão das Nações Unidas, a transição para a economia verde causará a perda de seis milhões de vagas, sobretudo no setor dos combustíveis fosseis, mas criará 24 milhões de novos empregos no mundo até 2030.

O Ministério da Agricultura calcula que a economia florestal movimenta U$ 18 bilhões por ano no Brasil, sendo U$ 1 bilhão em empregos diretos e indiretos. Segundo a Iufro (União Internacional das Organizações da Pesquisa sobre Florestas), o turismo natural equivale a 7% do turismo internacional e movimenta anualmente U$ 77 bilhões no mundo todo.

Segundo Juliet Achieng Owuor, pesquisadora do Instituto Europeu da Floresta (EFI), com base na Alemanha, os principais empregadores no setor dos “green jobs” serão institutos de pesquisa, universidades e organizações não governamentais estarão entre os principais empregadores.

A especialista foi um dos 3 mil participantes do XXV Congresso Mundial da Iufro, organizado nesta semana em Curitiba pela Empresa de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e pelo Serviço Florestal Brasileiro. É a primeira vez que o evento foi sediado num país da América Latina. A entidade reúne 15 mil cientistas, de mais de 110 países, especializados em pesquisa florestal.

Soluções tecnológicas para a floresta

A solução para aliar proteção florestal e desenvolvimento econômico passa, sem dúvidas, pela tecnologia. Ainda mais num país como o Brasil, que tem mais de 500 milhões de hectares, ou seja, 60% de seu território coberto por florestas, e mais de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) dependente do agronegócio.

Uma das grandes questões da atualidade é como gerar valor para as comunidades que preservam a floresta. “A gente observa um movimento que passa por pagamentos de serviços ambientais”, afirma Esthevan Gasparoto, CEO da Treevia, uma agritech que ajuda no monitoramento e no manejo florestal. “A floresta está prestando um serviço à sociedade e a população que vive naquela região, preservando a floresta, também está prestando um serviço à sociedade. E precisa ser remunerada por isso”, explica o executivo.

""Aparelho da Treevia monitora a floresta em tempo real. Foto: Divulgação.

Por enquanto, o software da Treevia é usado por multinacionais e empresas menores para monitorar a taxa de crescimento das árvores em nove estados brasileiros. Um pequeno aparelho, com um cabo elástico, resistente à chuva e a temperaturas extremas, é amarrado aos troncos e transmite em tempo real as condições das árvores, desde a temperatura à umidade do ar. Nos projetos de grande escala, um aparelho é suficiente para monitorar um hectare de floresta.

Basicamente se trata de uma solução que conecta a floresta à internet. “Essa conexão monitora a floresta em tempo real, gerando uma quantidade enorme de informações. O objetivo é gerar insights que vão levar a um melhor manejo da floresta” afirma Gasparoto. Com base nos dados, as empresas madeireiras conseguem tomar algumas decisões importantes, como identificar a melhor época para adubação, desbaste ou corte.

Segundo Gasparoto, o uso do software é aplicável também para o mercado das compensações de carbono. “A floresta quando está crescendo está sequestrando carbono da atmosfera. A solução da Treevia pode ser endereçada para isso: monitorar o quanto a floresta sequestra de carbono e converter isso em créditos de carbono para as populações que moram nessas regiões”, explica.

Aliança agronegócio e floresta

“O desafio do Brasil é prosperar por meio do aumento da produção agropecuária e ao mesmo tempo reduzir o desmatamento”, resume Laura Lamonica, responsável da Coalizão Brasil, entidade que reúne mais de 200 membros do setor agropecuário e financeiro, ongs, instituições e pessoas físicas.

“A nossa agropecuária é altamente dependente dos nossos ativos ambientais”, afirma Lamonica, que lembra como a agropecuária brasileira, por não ser irrigada, depende da chuva que se forma graças à floresta. “Todo o Brasil depende da Amazônia. Porque se a floresta for destruída, as plantações de café do Sudeste também serão destruídas porque não haverá mais água. Todas as áreas com agricultura enfrentarão tempos duros”, disse o economista americano Jeffrey Sachs, em entrevista ao jornal Valor Econômico, nesta sexta-feira (3).

Além disso, práticas ilegais como grilagem de terras públicas, invasões e desmatamento irregular, prejudicam o agronegócio como um todo. “A gente tem o agronegócio do nosso lado porque isso não interessa a ninguém: nem ao mercado, porque a gente vai perder investidores, vai perder poder de mercado; e o agro vai perder suas exportações”, afirma.

Extração sustentável da madeira

Uma maneira para tornar sustentável a extração madeireira é por meio de concessões florestais – em que o governo cede à iniciativa privada áreas para exploração. Entre os requisitos para instalar uma fábrica, o concessionário é obrigado a empregar pessoas da região, fomentando a economia local.

“As concessões têm que atender a série de critérios de gestão florestal: tem que ter plano de manejo florestal, isso implica que eles podem selecionar só algumas espécies madeireiras próprias para o corte”, explica Jime Rodrigues Ribeiro, professora substituta do Instituto Federal do Pará. O corte raso, usado para abrir espaço para a agricultura, não é permitido.

O programa de concessões florestais foi inaugurado pelo governo federal em 2006 e alguns estados já estão partindo para concessões estaduais, como no caso do Pará e Amapá, explica Ribeiro.

Segundo o Serviço Florestal Brasileiro, em 2018 o setor florestal nacional foi responsável por 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB) e por 7,3% das exportações totais do país, gerando cerca de 7 milhões de empregos.

Além disso, estudo da Coalizão Brasil mostra que o país, para cumprir o Acordo de Paris - que prevê a recuperação florestal de 12 milhões de hectares - tem que investir até 2030 entre R$ 31 bilhões e R$ 52 bilhões. Isso vai resultar numa receita de R$ 13 bilhões a R$ 23 bilhões, equivalente a arrecadação de imposto entre R$ 3,9 bilhões e R$ 6,5 bilhões. A geração de empregos vai oscilar entre 138 mil e 215 mil vagas.

Alternativas à madeira

A coleta e a comercialização de produtos não madeireiros, como frutas e sementes, são vistas por especialistas como alternativas à extração da madeira para famílias e comunidades com baixo poder de investimento. O custo para o manejo do açaí ou da castanha do Pará, por exemplo, é extremamente baixo.

“Uma família com quatro pessoas consegue manejar anualmente três hectares de açaí. É um esforço mínimo por um capital inicial baixo”, diz Simone Rabello, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (IcmBio), que estuda o setor na reserva extrativista Terra Grande Pracuúba, na Ilha do Marajó, no Pará. Um açaizal chega a ter mil pés por hectare.

Apesar de ser um negócio muito rentável, a extração madeireira exige capital alto de investimento, know how e figuras profissionais especializadas. Pelo contrário, o açaí dá bom retorno financeiro nas comunidades onde é coletado e beneficiado, com um investimento próximo ao zero. Após a coleta, uma lata do fruto, equivalente a 14 quilos, chega a ser vendida a R$ 100.

Segundo Rabello, muitos outros produtos amazônicos como buriti, murumuru (fruto cujo óleo é usado na indústria cosmética), bacuri, cacau tem potencial para uma exploração mais maciça. “Agora que os comunitários estão enxergando aquele produto que é muito comum na sua área de uma forma rentável, mais valorizada. Eles tinham esse produto, mas antes não transformavam em dinheiro”, explica a analista ambiental.

Cadeia rastreável

Rastrear a origem e a cadeia produtiva é essencial para coibir ilegalidades e agregar valor aos produtos amazônico, sobretudo em terras indígenas e unidades de conservação de onde são extraídos frutos e sementes valiosos. Consumidores conscientes e grandes empresas estão percebendo isso.

Roberto Palmieri, diretor-executivo adjunto do Imaflora e representante da Origens Brasil, uma rede que reúne coletores, manejadores, empresas e consumidores, cita o caso da Wickbold. A empresa alimentícia aplicou na embalagem do pão de castanha-do-Pará um QR code que mostra ao cliente de onde vem a semente e quem a coletou.

“Indígenas, quilombolas e ribeirinhos que coletam castanhas com boas práticas, entregam para a WickBold”, explica Palmieri. A prática fomenta o comércio justo e traz transparência para o produtor.

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