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Agricultura

Por que o Brasil é tão dependente da importação de fertilizantes

Movimentação de fertilizantes no porto de Paranaguá (PR): Brasil é o maior importador de NPK (nitrogênio, fósforo e potássio). (Foto: Claudio Neves/AENPR)

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A guerra na Ucrânia escancarou a dependência do Brasil em relação à Rússia e a Belarus na importação de fertilizantes. Em meio à interrupção no fornecimento dos insumos em razão do embargo do Ocidente aos países do Leste europeu, o país busca alternativas para evitar um estrago na produção do agronegócio brasileiro a partir do segundo semestre deste ano.

Na quarta-feira (2), a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, disse que o Brasil tem fertilizantes suficientes para o plantio até outubro. Segundo dados de agentes de mercado reunidos pela Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda), no entanto, o estoque disponível no momento se esgotaria em três meses, ou seja, até o início de junho.

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É basicamente essa a principal razão alegada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para a posição “de equilíbrio” na guerra entre Rússia e Ucrânia. “Para nós, a questão do fertilizante é sagrada”, disse o presidente no fim de fevereiro.

Apesar do clima favorável, o solo brasileiro é carente de nutrientes, o que torna essencial o uso das substâncias para a produção agrícola. O Brasil é hoje o quarto consumidor global de fertilizantes, atrás de China, Índia e Estados Unidos, e o maior importador mundial de NPK (nitrogênio, fósforo e potássio).

A dependência do fornecimento externo vem aumentando, de acordo com indicadores da Anda. Em 2015, cerca de 70% dos insumos consumidos no país vieram do exterior. Em 2020, o porcentual subiu para 83%. Na última atualização, que compreende o período até novembro de 2021, a fatia do produto estrangeiro beirava os 85%. No caso dos insumos potássicos, o índice é ainda maior: 98% do que é utilizado no Brasil é importado.

Na outra ponta, a Rússia é o principal fornecedor global de fertilizantes. De acordo com a última edição do Boletim Logístico da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o país é responsável por cerca de 20% da produção mundial do produto e origem de 28% das importações brasileiras. No caso específico do nitrato de amônio, a Rússia é praticamente o único fornecedor para o Brasil.

Essa dependência faz com que qualquer abalo pese na economia brasileira, fortemente dependente do agronegócio. Os dados da balança comercial do país em fevereiro, divulgados na quinta-feira (3) pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério da Economia, mostram que o preço pago pela tonelada de fertilizante importado subiu, em média, 128,8% em relação ao mesmo mês do ano passado – e isso ainda sem o impacto da invasão das forças russas ao território ucraniano.

Conforme os dados da Anda, a demanda por fertilizantes em 2021 cresceu 14,2% em relação a 2020, quando já havia sido observada alta de 11,9% na comparação com 2019.

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Governo tem plano, mas dependência de importados não será resolvida tão cedo

“A gente tem uma grande dependência do produto importado, mas isso não é algo que se resolve da noite para o dia”, diz Jeferson Souza, analista de mercado de fertilizantes da consultoria Agrinvest. Para ele, ainda é cedo para cravar que a crise no Leste europeu vá levar à falta de insumos para a agricultura brasileira. “Não dá para dizer que vai faltar, mas é um risco que agora tem de ser colocado em jogo”, diz.

O alerta já havia acendido no ano passado, quando os preços dos fertilizantes dispararam em razão da alta global no custo da energia e de sanções que Belarus já sofria de Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia em retaliação a violações do governo de Alexander Lukashenko a direitos humanos de imigrantes. Mais de dois milhões de toneladas de cloreto de potássio que o Brasil importaria já haviam sido comprometidos em razão das restrições.

Na terça-feira (1.º), o embaixador de Belarus no Brasil, Sergey Lukashevich, disse que as vendas de fertilizantes para o Brasil foram interrompidas após a proibição do escoamento das cargas pela Lituânia, que fechou fronteiras após o início da invasão russa à Ucrânia.

Do lado russo, o presidente Vladimir Putin chegou a garantir a Bolsonaro, durante a visita do mandatário brasileiro a Moscou, em fevereiro, que manteria o abastecimento de fertilizantes ao Brasil. Na sexta-feira (4), no entanto, o governo russo recomendou aos fabricantes que suspendam as exportações em razão da desorganização da cadeia logística.

Ao menos por enquanto, o Brasil não teria sido afetado pela suspensão, segundo a ministra Tereza Cristina. Na sexta-feira (4), ela disse ter recebido a informação de um embarque de fertilizantes, ocorrido naquele dia, da empresa russa Acron para o Brasil.

O bloqueio do sistema de transferências internacionais Swift à Rússia e a interrupção do fluxo de navios russos, porém, tende a dificultar ou mesmo impedir o fornecimento na sequência.

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Ainda em janeiro de 2021, o governo instituiu, por meio do Decreto 10.605, um grupo de trabalho interministerial com o objetivo de desenvolver o chamado Plano Nacional de Fertilizantes, num esforço para fortalecer a produção interna dos insumos. A ação, no entanto, ainda não foi lançada e agora está prevista para os próximos dias, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

“Esse plano, que fizemos lá atrás, há um ano, sem prever nada disso, era que o governo pensava que nós deveríamos ter para que o Brasil, que é uma potência agroalimentar, tivesse um plano de pelo menos 50% a 60% de produção própria de seus fertilizantes”, disse a ministra Tereza Cristina em entrevista coletiva na quarta-feira (2).

Para o analista da Agrinvest, no entanto, qualquer medida que seja tomada nesse sentido levará muito tempo para surtir efeito. “Não vai ser em 2022, nem em 2023. Tem que ser um projeto de décadas”, diz. “O Brasil tem algumas reservas, só que com localização complicada, com entraves logísticos e questões ambientais”, explica.

Jazida de cloreto de potássio fica na Amazônia e perto de território indígena

Ele cita, como exemplo, a cidade de Autazes, no Amazonas, onde uma reserva de cloreto de potássio poderia fornecer 2,4 milhões de toneladas do composto por ano. O conglomerado Amaggi, do ex-ministro da Agricultura, Blairo Maggi, anunciou recentemente a intenção de entrar no segmento de fertilizantes com um investimento para construção de uma mina na região. A jazida, no entanto, está localizada no meio da floresta amazônica e próximo a território de população indígena Mura.

Na quarta-feira (2), diante do risco de desabastecimento do mercado de fertilizantes no Brasil em razão da guerra na Ucrânia, Bolsonaro defendeu a mineração em terras indígenas como uma medida para reduzir a dependência do país dos produtos importados.

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Importar sai mais barato que produzir no Brasil. Vale e Petrobras deixaram o negócio

“Existem custos de ordem ambiental e logística, de infraestrutura, que tornam muito mais barato importar as matérias-primas”, diz Souza. “É uma questão geológica. Se olharmos o mapa global, a maior parte da produção está no Hemisfério Norte”, explica o consultor, que cita também a qualidade do mineral disponível como um fator decisivo.

Ele lembra que grandes empresas brasileiras já investiram na produção de fertilizantes em território nacional, mas acabaram deixando o setor diante da inviabilidade do negócio. É o caso da Vale, que vendeu suas minas de fosfato e fábricas de fósforo e ácido sulfúrico para a norte-americana Mosaic em 2018.

A Petrobras se desfez das quatro fábricas de nitrogenados de seu portfólio em seu plano de concentrar seus negócios na exploração e produção de petróleo. Duas delas, em Laranjeiras (SE) e Camaçari (BA), foram arrendadas pelo grupo Unigel. A unidade de Araucária (PR), está desativada desde 2020 depois de amargar um prejuízo de R$ 250 milhões em 2019.

A planta de Três Lagoas (MS), ainda em construção, vinha sendo negociada com o grupo russo Acron, mas com o início da guerra na Ucrânia e o bloqueio do sistema financeiro da Rússia, o desfecho da negociação está em suspenso.

Em outra frente, a estatal federal Indústria Nucleares do Brasil (INB) tem uma parceria com a fabricante de fertilizantes Galvani para um projeto de mineração de urânio e fosfato em Santa Quitéria (CE). Os minerais são encontrados de forma associada no local. No consórcio, a Galvani ficará com o fosfato, para a produção de fertilizantes fosfatados de alto teor, e a INB, com o urânio, que será usado como combustível das usinas nucleares Angra 1, 2 e 3.

Embora importante, a produção do fertilizante nessa mina não dará conta de todas as necessidades do país. Segundo a INB, ela deve aumentar em 10% a produção nacional de fosfatados. Em entrevista ao site Petronotícias, o presidente da INB, Carlos Freire, afirmou que o empreendimento vai atender "com segurança" à demanda das regiões Norte e Nordeste, onde estão as principais fronteiras agrícolas do país. Segundo ele, a expectativa é iniciar a exploração da jazida em meados de 2024.

Enquanto a dependência do fornecimento externo prossegue, o Brasil tenta aumentar a compra de outros fornecedores. Em fevereiro, durante visita da ministra da Agricultura ao Irã, a empresa estatal iraniana National Petrochemical Company (NPC) declarou que poderá triplicar as exportações de ureia para o Brasil, chegando a dois milhões de toneladas por ano. No próximo dia 12, Cristina deve viajar para o Canadá para negociar um reforço nas exportações de potássio para o Brasil.

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