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Com as sucessivas altas na cotação do petróleo e a desvalorização do real frente ao dólar, o preço da gasolina disparou ao longo de 2021 – 49,59% desde janeiro, segundo o IPCA-15. Sem depender do petróleo e com produção totalmente nacional, o etanol poderia se tornar, nesse cenário, uma alternativa para abastecer os mais de 71% de veículos da frota brasileira que utiliza tecnologia flex. Mas o derivado da cana de açúcar acumulou alta ainda maior do que o combustível fóssil. Apesar de uma ligeira queda desde novembro, já são 63,28% de reajuste desde o início do ano.
Entre os 367 subitens que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) monitora para compor o índice inflacionário oficial, o etanol lidera com a maior alta. Segundo dados do levantamento semanal da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o biocombustível era vendido nos postos por um preço médio de R$ 3,204 na primeira semana de janeiro. Em novembro, chegou aos R$ 5,414, recuando a R$ 5,079 na semana encerrada em 25 de dezembro. Em uma revenda em Torres (RS), era encontrado a R$ 7,799. E em Bagé, também no Rio Grande do Sul, a R$ 7,797.
Uma série de fatores ajuda a explicar o quadro. Com a pandemia do novo coronavírus e a queda na demanda, a cotação do combustível verde sofreu uma forte retração. Entre 2020 e 2021, na esteira da valorização do dólar frente ao real, os preços de açúcar se mostraram mais rentáveis às usinas, o que fez com que um maior volume de cana fosse direcionado à produção do produto.
“O resultado disso foi um enxugamento da oferta de etanol, cujos efeitos foram sentidos, principalmente, na entressafra com os baixos estoques do biocombustível”, explica relatório da diretoria de Agronegócio do Itaú BBA. “Essa queda dos estoques do etanol abriu espaço para um forte movimento de alta nas cotações do biocombustível no final da safra 2020/21, que foi influenciada também pelo atraso no início da moagem 2021/22 na região Centro-Sul, com os produtores postergando a colheita para obter uma cana com maior produtividade.”
Na sequência, veio uma queda expressiva na produção de cana-de-açúcar na safra 2021/2022, provocada por fatores como estiagem, geadas e incêndios. “Foi uma das secas mais prolongadas da história na região Centro-Sul, seguidas de geadas intensas. E quando está muito seco, pega fogo fácil. Além de perder matéria-prima, há um custo extra com isso”, diz Josias Messias, CEO da consultoria Procana.
De acordo com a estimativa mais recente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a colheita nesta safra deve ser de 568 milhões de toneladas, uma queda de 15,1%, ou 86 milhões de toneladas a menos, em relação ao ciclo passado. Isso explica por que, depois do etanol, o produto que mais subiu em 2021 foi o açúcar refinado.
“Diminuímos a produção de açúcar e de etanol. O [etanol] hidratado teve que ir para o sacrifício para as usinas fazerem mais anidro para poder misturar na gasolina e não faltar”, conta Marcos Fava Neves, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP).
Além disso, com a alta no preço da gasolina em razão da cotação do petróleo e do câmbio, houve um aumento na demanda pelo biocombustível. “Quer queira, quer não, a utilização é a mesma. É o consumidor que dá a última palavra. Se a gasolina sobe, há espaço para o etanol subir também”, diz Messias. Embora haja diferença, por motor, na eficiência obtida com cada combustível, em média calcula-se que o etanol rende 70% do volume equivalente de gasolina.
Em dezembro, com o encerramento da etapa de colheita da safra, houve uma redução no preço do etanol. “Como já se sabe qual é a maior parte do volume disponível de etanol, que vem do Centro-Sul, agora é uma questão de gerenciamento de estoque, não vai ter produção para mais ou para menos”, explica o consultor.
“Todos os anos esse ajuste é feito dessa forma. Se a produção foi menor e o estoque é baixo, o preço normalmente sobe na entressafra da cana, que é do final do ano até março. Dessa vez houve queda na produção, mas também houve uma redução no consumo do etanol com a correção do mercado.”
Incentivo ao fim do uso de combustíveis fósseis deve impulsionar indústria do etanol
De pioneiro e líder na produção de etanol no mundo, o Brasil aos poucos foi deixando de lado o incentivo ao uso do biocombustível. O estímulo à produção do álcool como combustível surgiu nos anos 1970, com o programa Proálcool, que visava reduzir a dependência do país à importação do petróleo.
“No governo anterior, da presidente Dilma [Rousseff], o setor levou uma pancada imensa com a manutenção da gasolina a preços irreais, subsidiado. Sufocou o etanol e o açúcar também. O setor perdeu muito dinheiro, se descapitalizou, se endividou”, diz Marcos Fava Neves, da FEA-USP.
“Mas acho que vem um novo momento, porque os biocombustíveis estão em moda no mundo com a questão ambiental”, avalia. “Vamos começar um novo ciclo de crescimento dos biocombustíveis. Lembrando também que está aumentando muito o investimento no etanol feito a partir do milho para complementar o etanol de cana. Há espaço para os dois.”
Para Josias Messias, da Procana, diferentemente do que ocorreu no passado, não cabe ao governo subsidiar um ou outro combustível de modo a incentivar seu uso. “Do ponto de vista da mitigação dos gases do efeito estufa, nós temos um mecanismo extremamente moderno e pioneiro no mundo que é o CBIO [Crédito de Descarbonização], que foi criado pelo governo, mas que é executado pelo mercado, comercializado na B3.”
Instituído pela Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) como um dos esforços para viabilizar as obrigações assumidas pelo Brasil na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2015 (COP 21), o CBIO é emitido por produtores e importadores de biocombustíveis certificados pela ANP. Distribuidores de combustíveis fósseis, por sua vez, precisam adquirir CBIOs para atingir suas metas anuais de descarbonização.
“É um mecanismo que já está funcionando. Não chega a agregar valor significativo na receita do produtor de etanol e de biodiesel, mas é um estímulo do próprio mercado, que deve crescer cada vez mais. O mercado ainda não está valorando o CBIO como deveria; esse preço tende a melhorar.”
Para ele, o país ainda tem a oportunidade de voltar a ser protagonista no mundo com uma matriz energética renovável. “O Brasil consegue mitigar os gases do efeito estufa gerando desenvolvimento e renda no interior do país. Isso tudo hoje é mercado, sem um subsídio do governo.”
Para isso, o consultor considera que a necessidade de investir no desenvolvimento de novas tecnologias, alternativas às dos veículos elétricos. Ele cita como exemplo a bioeletrificação, a partir de células de combustível baseadas em etanol. Nesse modelo, não há queima do composto. “Ele transforma a maior parte dos carbonos compostos em energia elétrica. O que sai do escapamento é simplesmente água.”
“Essa conversa de carro elétrico ser sustentável já está caindo por terra, porque agora já temos alguns veículos elétricos com alguns anos, e a gente está tendo problemas com descarte de bateria”, diz. “Quando se compara todo o ciclo do produto, do poço à roda, você vê que países da Europa, por exemplo, vão utilizar energia de fontes não renováveis para ter na ponta um carro elétrico e dizer que é sustentável.”