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Depois de seis anos consecutivos em queda, os investimentos em infraestrutura no Brasil podem finalmente ter um aumento em 2021. Apesar disso, o desembolso continuará muito inferior ao realizado na década passada, e distante do patamar necessário para de fato modernizar a estrutura de transportes, saneamento, telecomunicações e energia do país.
As constatações são de estudo da consultoria Inter.B, especializada em infraestrutura. Segundo cálculos da empresa, o país precisaria mais que dobrar o investimento anual para atingir, em 2044, um nível de efetiva modernização de seu estoque de equipamentos de infraestrutura.
O total de investimentos públicos e privados em infraestrutura – nos setores de energia elétrica, telecomunicações, saneamento e transportes – alcançou em 2014 o equivalente a 2,32% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Na sequência, o índice caiu ano a ano até chegar a 1,58% do PIB em 2020. Para 2021, projeta-se um avanço para 1,62%.
O avanço esperado para este ano se deve principalmente ao crescimento nas despesas do setor público, que vão avançar mais que as do setor privado.
Em valores atualizados, segundo o estudo da Inter.B, o total de investimentos foi de R$ 138 bilhões em 2018, ainda na gestão de Michel Temer (MDB). Nos dois primeiros anos de Jair Bolsonaro (sem partido), o aporte caiu para R$ 133,1 bilhões em 2019 e R$ 125,6 bilhões em 2020. Para 2021, a estimativa é que a cifra chegue a R$ 135,6 bilhões.
De acordo com o estudo, a participação do setor privado deve cair de 70,7% do investimento em infraestrutura 2020 (R$ 88,8 bilhões) para 67,4% do total (R$ 91,4 bilhões) neste ano. Enquanto isso, a fatia do setor público aumentará de 29,3% (R$ 36,8 bilhões) para 32,6% (R$ 44,2 bilhões) do total, pelos cálculos da consultoria.
O investimento privado também cairá em proporção do PIB, de 1,12% em 2020 para 1,09% em 2021, ao passo que o desembolso público crescerá de 0,46% para 0,53% do PIB no mesmo intervalo.
Os indicadores são semelhantes aos de outro relatório, elaborado pela consultoria Pezco Economics para o Infra 2038, movimento voltado ao desenvolvimento do setor de infraestrutura. Nesse documento, estima-se que o investimento total caiu de R$ 122,4 bilhões em 2019 para R$ 115,6 bilhões em 2020, o que corresponderia a uma fatia de R$ 1,55% do PIB brasileiro. Para 2021, a previsão é chegar a R$ 137 bilhões em investimentos, ou 1,69% do PIB.
Oficialmente, o Ministério da Infraestrutura prevê chegar a R$ 100 bilhões em valor contratado em 2021 considerando apenas a área de transportes (rodovias, aeroportos, portos e ferrovias), que estão sob responsabilidade da pasta. A meta é atingir R$ 250 bilhões até o fim da atual gestão – isto é, 2022 – nesse segmento.
Considerando os valores do estudo da Inter.B, o patamar estaria distante. Na área de transportes, o total investido pela iniciativa privada em 2019 e 2020, segundo os números da consultoria, é de R$ 36,3 bilhões. A projeção é que ao fim de 2021 o montante chegue a R$ 55,2 bilhões.
À Gazeta do Povo, o Ministério da Infraestrutura afirma que já assegurou R$ 72,98 bilhões junto à iniciativa privada desde 2019. Segundo a pasta, até agora foram 71 os ativos concedidos, arrendados ou que receberam investimentos ou tiveram contrato renovado – 34 aeroportos (R$ 9,6 bilhões), 26 terminais portuários (R$ 3,1 bilhões), seis ferrovias (R$ 28,8 bilhões) e cinco rodovias (R$ 22,4 bilhões). Além disso, foram 96 as autorizações para terminais de uso privado (R$ 8,9 bilhões).
De uma forma ou de outra, há um gap de investimentos a ser superado. Segundo economista Cláudio Frischtak, diretor da Inter.B, o Brasil tem hoje uma demanda adicional não coberta de R$ 190 bilhões por ano para obras de infraestrutura. As razões para isso são diversas. Para o economista, o fator mais recente é o ambiente político-institucional do país, que nos últimos dois anos teria se tornado um entrave para a atração de investimentos. “A reputação que o país tem globalmente frente aos investidores não é boa”, afirma Frischtak, ex-economista-chefe e consultor do Banco Mundial.
“Fundamentalmente em razão da questão ambiental, muito maltratada pelo ex-ministro [Ricardo Salles] e pelo governo, de forma geral. Também pela posição do ex-ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que foi um desastre completo do ponto de vista de construção de imagem do nosso país”, avalia o consultor.
Esse seria um dos motivos para os números do relatório, apesar do excesso de demanda e dos ativos relevantes de que o país dispõe para o investidor. Além de um mercado de quase 215 milhões de habitantes e de seu extenso território, há um leque robusto de projetos em andamento, como o maior programa global de concessões rodoviárias.
Em 2021, o país deve receber investimentos em infraestrutura equivalentes a 1,62% do PIB. A consultoria calcula que, ainda que esse índice fosse elevado ao patamar de 4%, ainda seriam necessários 23 anos para a modernização do setor – um estoque de capital de infraestrutura equivalente a 60,4% do PIB. Para se ter uma ideia, o investimento da China equivale a cerca de 7% do PIB, enquanto o da Índia é de 5,5%. “Em primeiro lugar, não podemos viver com sobressaltos no país. Essa incerteza gerada pelo próprio governo é muito ruim e afeta o cálculo do investidor. A última coisa que ele quer é incerteza.”
Fora o contexto político, há outros fatores que dificultam a atração de investimentos, na avaliação do economista. Um deles é a insegurança jurídica. Em ranking do Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupa hoje a 120.ª posição, entre 139 países, no indicador “eficiência do aparato legal para a resolução de disputas”.
Decisões judiciais recentes, como a do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de retirar o Aeroporto Internacional de Manaus do leilão de concessões realizado pelo governo federal – posteriormente revertida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – e do rompimento do contrato de gestão da Linha Amarela do metrô do Rio de Janeiro, chamam atenção nesse sentido.
Um terceiro elemento que dificulta a atração de investimentos seria a questão regulatória, em um processo que o economista considera de deterioração. “Sente-se crescentemente uma interferência política, quando as agências [reguladoras] deveriam ter autonomia técnica, decisória e financeira.”
O avanço da legislação sobre o setor de infraestrutura também poderia ajudar a destravar esse cenário. “Talvez a legislação mais relevante que avançou foi o novo marco do saneamento básico. Houve também a aprovação da nova lei do gás, mas ainda há uma legislação relevante que aguarda a vez."
Frischtak cita ainda a dificuldade de financiamento de obras, que hoje ocorre em parte sob a forma de emissão das chamadas debêntures incentivadas. “Particularmente não vejo necessidade de uma nova classe de debêntures que foi aprovada recentemente na Câmara. Mas o grande desafio de é estruturar o financiamento, porque para se investir mais R$ 190 bilhões por ano, é necessário ‘project finance’, ou seja, que os projetos se financiem a partir do seu próprio fluxo de caixa.”
O que diz o Ministério da Infraestrutura
O discurso oficial vai em direção contrária à análise do economista. “Recentemente, o Brasil teve sua imagem arranhada no exterior com escândalos envolvendo empreiteiras, o que certamente abalou o setor de infraestrutura e deixou investidores com um pé atrás, apesar de sua tradição em respeitar contratos”, respondeu, em nota, o Ministério da Infraestrutura quando questionado sobre a dificuldade de se atrair investimento privado.
“Percebemos que era preciso ir além. Em 2019, por orientação do presidente Jair Bolsonaro, o Ministério da Infraestrutura formulou um programa de concessões com uma carteira de projetos atrativos que foi muito bem-visto desde o início pelo mercado”, afirma o ministério.
“Em pouco mais de dois anos, 71 ativos já foram concedidos e 96 autorizações concedidas para terminais de uso privado, o que soma mais de R$ 72 bilhões contratados. Muito desse sucesso diretamente ligado à segurança jurídica e solidez regulatória. E com importantes realizações, mesmo diante de uma situação de pandemia, onde praticamente o mundo todo parou”, prossegue a pasta.
Ainda de acordo com o governo, para este ano estão previstos outros 23 leilões, que devem gerar ao menos mais R$ 42 bilhões. O pacote refere-se a “18 arrendamentos portuários, uma desestatização portuária, da Companhia de Docas do Espírito Santo (Codesa), uma renovação ferroviária, a relicitação do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante (RN), e mais duas concessões rodoviárias: BR-381/262/MG/ES e BR-116/101/SP/RJ (Dutra)”.
Para 2022, o governo espera contratar mais R$ 146 bilhões, com a sétima rodada de concessões de aeroportos, além de desestatizações portuárias – entre elas, do porto de Santos (SP) –, da construção da Ferrogrão e mais de 12 mil quilômetros de rodovias.