Amazon e Netflix são fenômenos. Em pleno 2018, há pouquíssima dúvida sobre a capacidade de crescimento destas duas empresas, mas ambas já foram apostas arriscadas de empreendedores com grandes sonhos (e recursos consideravelmente menores). E quem soube enxergar esse potencial ganhou muito com isso. Na mesma categoria de empresas, e também com altíssimo potencial, encontra-se a latina Mercado Livre. Ao menos esta é a opinião enfática dos gestores da Dynamo, responsável por um fundo que entregou 22.574% de rentabilidade desde o lançamento em 1993: o badalado Dynamo Cougar.
A respeitadíssima gestora, que tem R$ 8 bilhões sob custódia e é reconhecida como uma das melhores e maiores do Brasil, publicou em julho duas extensas cartas dedicadas basicamente a louvar o potencial do Mercado Livre (Meli). Uma delas narra em 8 páginas toda a trajetória do marketplace, desde a ideia de garagem do fundador Marcos Galperin, em 1999, até o título de sétimo maior site de comércio eletrônico do planeta, líder no Brasil, México, Argentina, Chile e Colômbia.
Na segunda carta, ainda mais extensa, a Dynamo explica seus motivos para confiar tanto na empresa, que começou a comprar em 2016 e na qual já possui participação de 1,38%. Resumidamente, a gestora vê “enorme potencial” para um marketplace do tamanho do Meli, que “vende quase tudo”. Mais ainda em “uma região com carências estruturais, encontrando um consumidor com inúmeras demandas não satisfeitas”.
Soma-se a isso a aparentemente bem-sucedida inserção em novos mercados, como soluções de pagamento e logística: “vemos o Meli como um forte candidato a novo entrante no que é provavelmente o principal profit pool corporativo da região, a indústria de produtos financeiros”, analisam os gestores.
A conclusão é realmente animadora: a despeito do elevado crescimento dos últimos anos, o Meli hoje é oportunidade maior do que na época do IPO, em agosto de 2007. Vale lembrar que valuation na data de estreia era de US$ 788,4 milhões e o preço da ação, US$ 18. Atualmente, a ação vale aproximadamente US$ 340, e a empresa, US$ 15 bilhões.
“O Meli é hoje uma plataforma que oferece um portfólio de oportunidades mais extenso do que na época do IPO. Nosso excesso de cautela naquela ocasião tornou-se uma lição aprendida com introspecção e decantada por muito esforço no trabalho de análise desde então”, escreve a carta. “Será que o valor de mercado de US$ 15 bilhões frente ao tamanho da oportunidade e à probabilidade da Companhia em capturá-la é maior ou menor do que na época do IPO?”, questiona, para logo em seguida responder: “nossa compreensão sobre o tamanho da oportunidade evoluiu mais do que nossa dúvida sobre a pertinência do valuation”.
Amazon, Netflix e as empresas do “tipo 2”
Comparar o Mercado Livre à Amazon não é mera questão de modelo de negócio focado em e-commerce – fosse isso, a Netflix não entraria na carta da gestora. A citação à empresa de Jeff Bezos, cujo lucro superou os US$ 2,5 bilhões pela primeira vez no balanço trimestral mais recente, diz respeito a um “tipo” de companhias: aquelas que, embora sejam inovadoras, não nascem com um modelo totalmente digital, por dependerem de ativos do mundo físico, e, justamente por isto, demoram mais para apresentar seu potencial completo.
“Aqui, os exemplos seriam: a Netflix – que iniciou com um modelo de negócio de aluguel de DVDs evoluindo para uma plataforma global de streaming com uma oferta única de conteúdo proprietário; e a Amazon – que na origem era uma varejista online de livros e com o tempo foi expandindo sortimento e funcionalidades até chegar nos dias de hoje, quando já superou inclusive o slogan “the everthing store”, ao passar a oferecer serviços tão variados como cloud computing e assistência virtual comandada por voz (Alexa)”, detalha a gestora.
Diferentemente de Facebook, YouTube e WhatsApp, por exemplo, estas duas empresas não têm a capacidade de expansão que serviços puramente digitais carregam. Com a completa ausência de barreiras do mundo físico, estas três empresas fazem parte do “grupo 1”, que consegue oferecer gratuidade e atingir rapidamente novos usuários em escala global. A gestora chama o resultado disto de “explosão de crescimento”. O Meli não teria como crescer à mesma velocidade que as empresas que já nasceram digitais – mas está em plena expansão justamente agora, de acordo com a gestora.
Para demonstrar que o Meli faz parte do grupo de empresas capazes de crescer – a despeito da velocidade mais modesta –, a Dynamo parte de um paralelo biológico, citando o cientista Geerat Vermeij.
“Quando o orçamento total de energia (neste caso capital financeiro e humano) disponível a qualquer indivíduo é limitado, os tradeoffs (evolucionários) favorecem a especialização. Neste caso, o caminho possível é começar pequeno e focado, utilizando a energia disponível de maneira inteligente para a partir daí iniciar um processo de expansão e conquista”. Fica claro que é este o negócio do Meli, que nasceu como um site de leilão de produtos usados, mas desde sempre ambicionava algo muito maior.
“O relevante aqui é compreender que a cada avanço nas funcionalidades da plataforma seu mercado endereçável – o conjunto potencial de pessoas que apreciarão a experiência de compra – se amplia”, escreve a carta. No Meli, “a introdução do MercadoPago tornou a plataforma utilizável para os consumidores que tinham receio com a segurança do pagamento, o MercadoEnvios solucionou o problema para os consumidores que queriam maior segurança na entrega, as Lojas Oficiais criaram a opção para os consumidores que não se sentiam confortáveis comprando de pequenos e médios vendedores, e soluções atuais como o fullfilment atrelado ao frete expresso estão ampliando a capacidade da plataforma em atender o consumidor que precisa de seus produtos com urgência. Visto desta forma, a história do Meli até então nada mais foi que um crescimento contínuo do mercado endereçável através de melhorias e inovação”.
Uma prova da busca por inovação da empresa é a própria sede – uma “cidade” baseada no Vale do Silício que custou R$ 105 milhões ao cofre da empresa. Com 33 mil metros quadrados, o ambiente descontraído abre espaço para inovação ao apoiar convivência, sustentabilidade e educação – todos os funcionários têm direito a aulas de inglês e espanhol, por exemplo.
Nesta semana, a empresa abriu as inscrições para a iniciativa anual MELI Pitch, que seleciona startups do segmento de e-commerce para vender sua ideia a fundos de investimento. Por um lado, isso “pega bem”, porque estes empreendedores ficam reconhecendo o Meli como um apoiador de inovação. Por outro, a vantagem mais óbvia é conhecer soluções inovadoras neste mercado em primeira mão.
A ação do Mercadolibre ofereceu retorno de 32,31% aos investidores nos últimos 12 meses. Nesta segunda-feira (6), via queda de 0,14% frente alta de 0,09% do Nasdaq, índice do qual faz parte.