Cerca de 25,5 milhões de usuários de planos de saúde começaram 2021 com um aumento atípico nas contas, que, em alguns casos, chegou perto de 50%. A alta é efeito da chamada recomposição, ou seja, a cobrança retroativa de reajustes que foram suspensos em 2020 em razão da pandemia do novo coronavírus.
Os reajustes geralmente são aplicados anualmente, a cada 12 meses a partir da assinatura do contrato. Além disso, quando o beneficiário muda de grupo etário, a mensalidade aumenta no mês de seu aniversário. Entre setembro e dezembro de 2020, no entanto, ambas as variações de preço foram suspensas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) nos planos individuais e coletivos por adesão e empresariais. Mesmo no período anterior, quando estavam autorizadas, muitas operadoras optaram por não fazer o reajuste.
A cobrança da variação reatroativa foi autorizada pela ANS a partir de janeiro de 2021, dividida em 12 parcelas iguais. De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) isso gerou uma diferença entre as mensalidades de dezembro de 2020 e janeiro de 2021 que variou de 12,21% a 49,81%. O caso extremo foi verificado em contratos coletivos de adesão que acumularam o reajuste anual e por faixa etária.
“É importante ressaltar que a simulação do Idec utilizou os valores indicados no Painel de Precificação da ANS de julho de 2020 – e são, portanto, dados oficiais conservadores que não refletem as históricas distorções no mercado de saúde suplementar”, explica o instituto.
Na semana passada, a Defensoria Pública da União (DPU) determinou a recomendação à ANS de suspender tanto as cobranças retroativas referentes a 2020 como o reajuste em 2021. A decisão levaria em consideração que “os reajustes aparentemente não refletem a necessidade de manter a sustentabilidade econômica das operadoras de planos de saúde”.
Em nota enviada à reportagem, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) afirma que o reajuste por faixa etária é uma obrigação contratual, enquanto o reajuste anual é uma recomposição dos custos “que objetiva manter o melhor padrão de atendimento dos serviços de saúde, com base em métricas que mantenham o sistema de saúde hígido e sustentável”.
A entidade argumenta que, sem o equilíbrio econômico do setor de saúde suplementar, haveria uma sobrecarga no Sistema Único de Saúde (SUS), que não teria condições de assumir o atendimento do público atendido pelos convênios. Segundo a ANS, ao fim de 2020 havia 47,6 milhões de beneficiários de planos de assistência médica.
“O setor entendeu a excepcionalidade deste momento de pandemia e, voluntariamente, já havia suspendido o reajuste de 2020, que foi postergado para 2021, em 12 parcelas”, diz o texto da Abramge.
“É um reajuste devido, foi informado e ninguém está cobrando abusivamente. O problema é que lamentavelmente essa cobrança veio agora, junto com IPVA, IPTU e outros gastos que o consumidor geralmente tem no início do ano”, diz Alessandro Acayaba de Toledo, presidente da Associação Nacional das Administradoras de Benefícios (Anab). Essas administradoras atuam na negociação de planos de saúde coletivos junto às operadoras de planos de saúde, como representantes do interesse do consumidor.
Toledo lembra que, embora o ano de 2020 tenha registrado queda no número de consultas, exames e cirurgias eletivas, o que deveria reduzir o sinistro dos planos, o reajuste represado traz o impacto dos custos referentes ao ano de 2019. Ele explica que ainda há uma indefinição quanto ao reajuste referente ao ano de 2021, baseado na sinistralidade de 2020.
“Existe uma regra legal que diz que você não pode ter um reajuste no intervalo de 12 meses depois de aplicado. Qual será a data-base a partir de agora? É a de quem tem o reajuste anual em setembro, ou vai ser a partir de janeiro de 2021?”, diz. “A gente está mirando agora como vai ser a próxima aplicação de reajuste, porque o assunto certamente virá à tona novamente.”
O que o consumidor pode fazer
De acordo com a ANS, o porcentual máximo de reajuste dos planos individuais ou familiares contratados a partir de janeiro de 1999 ou adaptados à Lei 9.656/1998 entre maio de 2020 e abril de 2021 deve ser de 8,14%, juntamente com a recomposição dos reajustes suspensos.
Caso verifique uma cobrança indevida, o consumidor deve cobrar a devolução do valor correspondente diretamente à operadora, orienta o Idec. Se não houver resposta satisfatória, o passo seguinte é procurar a ANS ou registrar uma reclamação na plataforma consumidor.gov.br. Em último caso, a entidade orienta a abertura de uma ação judicial, que pode ser iniciada no Juizado Especial Cível sem necessidade de advogado, caso o valor da causa seja inferior a 20 salários mínimos.
O Idec disponibiliza em seu site uma calculadora para conferir se o reajuste cobrado pelas operadoras está dentro do permitido.
Se o valor ainda estiver alto demais, é possível fazer o chamado downgrade, ou seja, mudar o contrato para um mais simples, com menor cobertura, rede de atendimento mais restrita, inclusão de coparticipação ou modalidade de acomodação inferior, por exemplo.
O Idec ressalta que a inadimplência é uma das hipóteses que autoriza uma operadora de plano de saúde a rescindir o contrato. De acordo com a chamada Lei de Planos de Saúde, no entanto, a suspensão ou rescisão do contrato individual só podem ser feitas se a inadimplência foi superior a 60 dias, consecutivos ou não, nos últimos 12 meses. Além disso, o consumidor deve ser alertado sobre a situação e a possibilidade de cancelamento até o 50º dia.
No caso dos planos de saúde coletivos, é possível tentar negociar o valor da mensalidade diretamente com a operadora ou por meio de uma administradora, que faz a ponte da contratante com a empresa que opera o convênio.
De acordo com a Anab, cerca de R$ 6 bilhões foram economizados nos últimos oito anos em renegociações feitas por intermédio de administradoras – em média de 15% a 20% de desconto nos reajustes pedidos pelas operadoras.
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