Mesmo com um corte linear de 25% na alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), anunciada pelo governo no fim de fevereiro, os preços de bens duráveis como eletrodomésticos e automóveis subiram em março, mostram dados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Entre os equipamentos domésticos a alta chegou a 2,24% no caso do fogão, enquanto o valor de um veículo próprio teve aumento médio de 1,24%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
À época do anúncio da desoneração, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que, embora o objetivo da medida fosse estimular a indústria, o corte poderia conter a alta de preços no curto prazo. “Tem um impacto de curto prazo, sim, no IPCA”, disse. “Tira mesmo um pouco a pressão dos preços industriais, vai dar uma derrubadinha no IPCA, mas o que vai determinar se vai ter inflação é a atuação do Banco Central”, ressalvou.
A redução foi de 25% para todos os setores, com exceção de tabaco e derivados, e de automóveis que transportem até dez pessoas, para os quais o corte foi de 18,5%. Como o setor já conta com regime diferenciado, na prática a desoneração chegou também a 25%. Segundo o governo, a medida beneficiou mais de 300 mil empresas.
Em fevereiro, após o governo anunciar o corte no imposto, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, disse que a medida poderia reduzir os preços dos produtos industrializados, “com benefícios para os consumidores e no controle da inflação”, lembrando que os produtos industriais representam 23,3% do IPCA.
A medida entrou em vigor no dia 25 de fevereiro. Em março, eletrodomésticos e equipamentos para casa, no entanto, tiveram alta de 1,25%, em média, puxadas por aumentos em utensílios como fogão (2,24%), máquina de lavar roupa (1,14%), chuveiro elétrico (1,11%), refrigerador (1,03%), entre outros.
A inflação oficial para o mês foi de 1,62%, o maior índice para março em 28 anos, ou seja, desde o período que antecedeu a implantação do Real. Com isso, o IPCA acumula alta de 3,2% no ano e de 11,3% em 12 meses.
Redução no IPI foi absorvido por alta de custos da indústria
Para o economista Mauro Rochlin, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), fatores externos levaram a redução do IPI a ser totalmente absorvida pela indústria. “Alguns componentes de custo da cadeia produtiva dos bens de consumo duráveis, como carro e eletrodomésticos, foram fortemente impactados. O aço, por exemplo, está em um patamar historicamente muito elevado”, explica. “É o caso também dos semicondutores, que chegou a atrasar toda a oferta na indústria automobilística.”
Rochlin avalia que, sem o corte, as altas poderiam ter sido ainda maiores. “A questão é se essa redução do IPI pode ter se refletido em termos de margem de lucro mais folgada ao longo de toda a cadeia de produção. Eu acredito que não”, afirma.
“Em um momento de recessão, fica difícil para qualquer etapa da cadeia pensar em aumentar margem de lucro”, diz. “O que a gente está vendo é um aumento de preços impactado por custos, como, aliás, está acontecendo em todos os setores no mundo todo, não só no Brasil. É só ver o que acontece nos Estados Unidos, na China e até mesmo na Europa”, explica.
A pressão inflacionária que vem desde o ano passado está relacionada a um choque negativo de oferta, provocado inicialmente pelo fechamento das economias em todo o mundo com o avanço da pandemia de Covid-19. “A gente viu cadeias produtivas literalmente paralisarem, e isso ainda não foi completamente equilibrado”, diz Rochlin.
Ele destaca o caso da indústria de semicondutores, que ainda não consegue atender o mercado. “Você tem uma inflação de custos. Mesmo sem pressão de demanda, os preços sobem.”
Indústria está pessimista em relação à economia
No dia 13, a CNI revisou para baixo suas projeções sobre crescimento do Brasil e da indústria. A entidade avalia agora que o Produto Interno Bruto (PIB) do país vai aumentar 0,9%, ante previsão anterior de 1,2%, e que a indústria deve recuar 0,2% neste ano. Em dezembro de 2021, a previsão era de que a indústria cresceria 0,5%.
A indústria de transformação, por ser a mais afetada pelos problemas de insumos e matérias-primas e diante de uma demanda mais fraca, deve registrar queda no PIB de 2% este ano, após crescer 4,5%, em 2021, segundo o Informe Conjuntural do 1.º trimestre da CNI.
Os dois principais motivos para os cálculos mais pessimistas são a guerra na Ucrânia e a variante Ômicron do novo coronavírus, que têm causado novas interrupções de produção na China, em importantes centros industriais, além de problemas logísticos.
Para a entidade, a redução da renda real da população e a alta nos juros desestimulam a aquisição de bens de consumo duráveis, como automóveis e eletrodomésticos, que já se encontram em patamar baixo de produção.
Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), em março houve queda de 7,8% na produção do setor na comparação com o volume produzido nos mesmo mês do ano passado. Em balanço divulgado na semana passada, a entidade atribuiu o fraco desempenho à crise global de semicondutores.
Desvalorização do dólar pode ajudar a conter alta de preços
Apesar disso, há uma tendência de que os preços desacelerem ou até passem a cair nos próximos meses, a depender do cenário econômico. A forte valorização do real frente ao dólar, observada desde o início do ano, ainda não foi totalmente incorporada pela indústria, que importa componentes, além de concorrer com produtos de fora.
“Eu vejo que o mercado ainda não precificou essa desvalorização do dólar de maneira muito precisa, porque temos pela frente um ano eleitoral, cheio de incertezas, e isso pode ter um impacto no câmbio”, avalia o economista da FGV.
“Para que essa valorização cambial se reflita de fato no mercado, isso começa a acontecer por meio do preço dos importados. Em seguida vem uma maior oferta de importados e, com isso, a gente começa a ver a inflação ser contida”, explica. “Mas isso só vai acontecer se o dólar se mantiver nesse patamar; se houver estabilidade dentro desse novo patamar.”
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