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Programa social

Política e controle do gasto: por que o Renda Brasil é decisivo para futuro de Bolsonaro e Guedes

Bolsonaro e Guedes durante solenidade no Palácio do Planalto: ministro da Economia deve apresentar nesta sexta-feira uma nova proposta de viabilização do Renda Brasil.
Bolsonaro e Guedes durante solenidade no Palácio do Planalto: ministro da Economia deve apresentar nesta sexta-feira uma nova proposta de viabilização do Renda Brasil. (Foto: Carolina Antunes/PR)

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A equipe econômica deve apresentar nesta sexta-feira (28) ao presidente Jair Bolsonaro uma nova proposta para viabilizar a criação do Renda Brasil, o programa social do governo que vai substituir o Bolsa Família. Será a prova de fogo para saber se o que vai prevalecer é a política de austeridade fiscal, defendida pelo ministro Paulo Guedes (Economia), ou a política de expansão dos gastos públicos via flexibilização do teto de gastos, encabeçada pelo ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional). O teto é o mecanismo que limita o crescimento total das despesas do governo à inflação.

O presidente chegou a declarar há duas semanas apoio público à manutenção do teto de gastos, após ter antes admitido discussões internas no governo sobre furar a regra fiscal com objetivo de levantar recursos para obras. Mas, agora, ele volta a colocar em xeque o seu compromisso com a austeridade fiscal ao vetar a proposta inicial da equipe econômica para o Renda Brasil.

Bolsonaro classificou a ideia de extinguir o abono salarial para viabilizar o novo programa social como “tirar dos pobres” para dar para os “paupérrimos”. Ele pediu a Guedes uma solução em que não se mexa nos atuais programais sociais, com exceção do Bolsa Família, que já vai ser substituído. E deu um prazo de três dias, que vence nesta sexta, para a equipe econômica apresentar uma solução.

Assim, o presidente deixou a equipe econômica numa situação de sinuca de bico, conforme mostrou a Gazeta do Povo. A proposta do Ministério da Economia era pôr fim às transferências de renda consideradas ineficientes, principalmente o abono salarial, que custa cerca de R$ 18 bilhões ao ano, e remanejar os recursos desses programas para criar o Renda Brasil. Esse remanejamento é necessário porque o teto de gastos acaba obrigando o governo a cortar despesas permanentes para criar uma despesa permanente nova.

Praticamente não há espaço dentro do teto de gastos para criação de novas despesas sem corte de outros gastos. O espaço no teto vai crescer apenas 2,13% no que vem, devido à inflação baixa registrada de junho de 2019 a junho de 2020. Isso quer dizer que as despesas poderão passar de R$ 1,454 trilhão, que foi o limite orçamentário de despesas deste ano, para R$ 1,485 trilhão, que é o reajuste permitido pelo teto. Com isso, o governo federal só poderá aumentar suas despesas em R$ 31 bilhões em 2021, o menor limite desde a criação da regra, em 2016.

Viabilização do Renda Brasil coloca em xeque teto de gastos

Por isso, ao pedir que a equipe econômica viabilize o Renda Brasil sem permitir que se corte programas ineficientes, o presidente coloca o teto de gastos e o ministro Paulo Guedes em uma situação incômoda. A equipe econômica é totalmente contra furar o teto para acomodar mais gastos públicos, pois considera o mecanismo a principal regra fiscal que dá credibilidade econômica ao país.

Segundo o deputado federal Felipe Rigoni (PSB-ES), que estuda propostas de renda básica, não há muito o que ser feito. “De todos os estudos que eu já fiz, não tem fonte orçamentária dentro do teto para viabilizar um programa de R$ 300 sem cortar outros programas, salários extra-teto e outros penduricalhos”, disse à Gazeta do Povo. O presidente pediu a equipe econômica que o Renda Brasil tenha um benefício médio de R$ 300 por mês.

Sem propor a extinção de programas existentes, Rigoni enxerga apenas dois caminhos para a equipe econômica. O primeiro e mais difícil deles seria abrir espaço no Orçamento propondo o corte de salários extra-teto, remanejando verba não executada de ministérios e de fundos públicos e desindexando todos os contratos e benefícios do governo, incluindo salário mínimo, pensões e aposentadorias. Com todas essas medidas, seria possível abrir um espaço de R$ 30 bilhões por ano.

Porém, o deputado lembra que grande parte dessas propostas teria resistência no Congresso, em especial a desindexação do salário mínimo, que ele também é contra. Uma alternativa ainda dentro desse caminho será desindexar somente a parcela acima do salário mínimo. Mas aí o espaço orçamentário aberto já cairia de R$ 30 bilhões para algo em torno de R$ 22 bilhões.

O segundo caminho, diz o deputado, seria mexer na regra fiscal para permitir que o Renda Brasil não entre na conta do teto de gastos. Essa alternativa, contudo, seria um “desastre” para o país, alertou o parlamentar. “Se ele [Bolsonaro] quiser partir para furar teto, vamos desequilibrar a nossa macroeconomia. Seria uma catástrofe. No momento atual, sem você ter uma situação fiscal que sinalize que a dívida [pública] será paga no futuro, romper o teto é um desastre. O dólar vai a seis reais. Os juros sobem. Não dá”, diz Rigoni.

É possível também que a equipe econômica sugira ao presidente criar o Renda Brasil pagando um benefício menor que R$ 300, mas ainda acima dos R$ 190 em média pagos às famílias beneficiárias do Bolsa Família. Mas o presidente vem dando demonstrações públicas que quer um benefício de R$ 300.

Bolsonaro dá sinais de inclinação ao populismo

Fernando Schüler, mestre em ciências políticas e professor do Insper, lembra em artigo publicado na Gazeta do Povo que o auxílio emergencial de R$ 600 que está sendo pago neste ano criou uma situação inédita no país. O Brasil conseguiu reduzir a pobreza extrema em meio à pandemia e a uma queda histórica da economia.

Não à toa, o presidente aumentou a sua popularidade nas camadas mais pobres da população e entre os eleitores das regiões Norte e Nordeste. E agora ele está de olho em trocar o auxílio emergencial por um programa de renda básica que tenha o mesmo efeito social, político e econômico. Porém, a criação do benefício esbarra no Orçamento e no teto de gastos, e fica a questão sobre o que vai prevalecer.

O líder do Novo, deputado Paulo Ganime (RJ), diz que entende o presidente quando ele fala que o novo programa não pode tirar do “pobre” para dar ao “paupérrimo”. Mas afirma que falta a Bolsonaro uma compreensão da situação fiscal do país.

“Não é uma questão de ideologia. É uma questão matemática. A gente sabe que os recursos do país são limitados. Toda política pública tem que ser muito bem focalizada por causa das restrições orçamentárias. A gente não pode dar brecha para tirar o teto de gastos ou qualquer outro mecanismo que garanta a responsabilidade fiscal”, disse o deputado à reportagem.

Ele diz que o presidente vem dando sinais que vai “abraçar o populismo e tentar ganhar voto pensando na reeleição”. O sinal mais recente, avalia Ganime, foi a declaração de que não vai mexer no abono, um programa que diversos estudos apontam ser mal focalizado, para não prejudicar a renda de 12 milhões de pessoas. “O que vai prevalecer no final? Eu não sei. Mas o que a gente tem visto é uma sinalização de o presidente ir para o caminho do populismo.”

Vice-líder do governo no Senado e aliado do Bolsonaro, o senador Chico Rodrigues (DEM-PE) minimizou a saia justa criada pelo presidente. Ele explicou que, de um lado, está Guedes tentando viabilizar recursos para o programa social sem romper nenhuma regra fiscal e sem ultrapassar o teto de gastos. Do outro, o presidente tentando garantir renda a milhões de brasileiros. E que eles vão chegar a um acordo.

O senador nega que esteja ocorrendo uma “fritura” do ministro para forçá-lo a pedir demissão, assim como aconteceu com o ex-juiz federal Sergio Moro. “Não é uma fritura. O presidente está procurando que se encontre uma equação que beneficie mais 8 milhões de brasileiros, além daqueles que já recebem o Bolsa Família. Vai se chegar a um acordo logo. Nós todos torcemos para que a equipe econômica consiga viabilizar esse benefício em 300 reais”, afirmou Rodrigues.

Mercado apreensivo

O mercado financeiro continua apreensivo. Na última quarta-feira (26), o Ibovespa atingiu forte recuo, chegando a cair abaixo dos 100 mil pontos, e o dólar fechou em R$ 5,60. Já na quinta-feira (27) houve uma leve recuperação, com o Ibovespa fechando em 100.623,64 pontos e o dólar ficando em R$ 5,57. Ainda assim, a crise político-econômica não saiu do radar dos investidores.

Fábio Klein, economista da Tendências Consultorias, disse à Gazeta do Povo que o mercado espera sinais mais concretos do governo de manutenção das regras fiscais, já que está crescendo o embate entre a “cabeça política” e a “cabeça econômica” do governo.

“A elevação da popularidade do Bolsonaro tornou-o mais forte. Ele está se sentindo com uma caneta BIC mais poderosa. A política está ganhando mais força dentro do governo. Está havendo um certo populismo fiscal. E os riscos fiscais estão crescendo a cada dia”, resumiu o especialista.

Há exatamente duas semanas, Bolsonaro disse que Guedes tem 99,9% de poder sobre os temas da sua pasta. Mas lembrou: "Tenho que ter 0,1% de poder de veto”.

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