Celebrados pela indústria como uma revolução histórica em termos de tecnologia e mobilidade, os veículos autônomos parecem ter perdido velocidade. O hábito de tomar um café, ler um livro ou mexer no celular enquanto nos deslocamos de um ponto ao outro em nosso próprio automóvel não deve fazer parte do cotidiano dos motoristas e das metrópoles num curto prazo de tempo. No Brasil, isso parece ainda mais distante.
O assunto voltou a ganhar destaque em razão das mudanças causadas pela pandemia e as orientações para o distanciamento social. Com os transportes públicos superlotados e o aumento do risco de contaminações, o uso de veículos sem motoristas se mostraria uma alternativa para o mundo pós-coronavírus.
Outro fator que evidencia a importância desse tipo de tecnologia aplicada à nossa realidade é o número de mortes no trânsito anualmente causadas por fatores humanos. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 1,35 milhão de pessoas perdem a vida e outras 50 milhões ficam feridas todos os anos nas estradas do planeta, sendo o erro dos condutores responsável por até 95% desses acidentes.
Mas há obstáculos para a adoção em massa da tecnologia. Dentre os problemas enfrentados pela indústria estão os atos reguladores e os entraves causados pela infraestrutura das cidades. Atualmente, dentre os seis níveis de automação classificados pelo mercado, nos encontramos apenas no terceiro. Especialistas apontam que os modelos mais avançados devem ser vistos nas ruas apenas em 2030.
Brasil é um dos países menos preparados para receber veículos autônomos
Estudo divulgado em julho pela KPMG, uma das maiores empresas globais em auditoria independente, aponta o Brasil como o país menos preparado para receber veículos autônomos, dentre 30 regiões analisadas.
O relatório, batizado de “Índice de Prontidão de Veículos Autônomos”, avaliou 28 indicadores, como segurança, privacidade, infraestrutura digital e impacto nos sistemas de transporte público, além de outros fatores baseados em critérios como políticas públicas e legislação, tecnologia e inovação, infraestrutura e índice de interesse do consumidor, para se chegar a uma pontuação final.
No Brasil, as posições foram as seguintes para cada um dos critérios: política e legislação (30º); tecnologia e inovação (30º); infraestrutura (30º); aceitação do consumidor (29º).
De acordo com a pesquisa, a pandemia de Covid-19 e as mudanças nos requisitos ambientais e de usuários para transporte podem acelerar a próxima rodada de desenvolvimento e implantação de veículos autônomos em todo o mundo.
Cingapura lidera o ranking deste ano, seguida por Holanda, Noruega e Estados Unidos. Dentre as ações que colocam esses países no topo da lista estão a abertura de até um decimo de suas vias públicas para testes regulares com veículos autônomos para o transporte público.
Os Estados Unidos se destacam como sede de 420 empresas de veículos autônomos, o que corresponde a 44% de todas as companhias dessa natureza rastreadas no relatório. A Coreia do Sul registrou o maior crescimento em relação ao ano anterior e ocupa agora a sétima posição. O país foi impulsionado pela introdução de uma estratégia nacional para veículos autônomos, publicada em outubro de 2019, que espera reduzir as mortes nas estradas no país em 75%.
“O Brasil realmente não tem atuado proativamente nas várias partes que permitam a utilização do veículo autônomo", diz Mauricio Endo, sócio-líder de Governo da KPMG no Brasil e na América do Sul.
Ele enumera os problemas: "Não temos nenhuma legislação pública que especifique claramente sobre sua utilização, que crie caminhos ou que facilite e incentive o uso. Na questão de tecnologia e inovação, o país tem feito algumas pesquisas, poucos projetos pilotos em algumas universidades, mas não vemos outras iniciativas. Mesmo os fabricantes de veículos no Brasil não têm investido no desenvolvimento dessa tecnologia. Na questão de infraestrutura, temos uma situação bastante precária. Com relação à conectividade, ainda não temos a tecnologia necessária para ter o veículo autônomo, como o 5G”, diz. "Por tudo isso é que continuamos na rabeira dessa classificação."
Implantação em larga escala deve levar ao menos uma década, diz MIT
Outro estudo publicado em julho, de pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT) aponta para a mesma direção. De acordo com a pesquisa “Veículos Autônomos, Mobilidade e Política de Emprego", as políticas públicas poderão facilitar a integração dos sistemas automatizados à mobilidade urbana, incluindo o investimento em infraestrutura local e nacional, além da formação de parcerias público-privadas.
Segundo o pesquisador e professor de Engenharia Mecânica John Leonard, a implantação em grande escala de veículos automatizados de nível 4 deve levar pelo menos uma década. O desafio atual é justamente aplicar essas soluções em grandes áreas.
De maneira geral, esses veículos ainda não estão equipados com recursos adequados de segurança digital, estando muito vulneráveis a fatores externos que podem interferir em uma operação segura.
Quais são os níveis de automação de veículos autônomos
A Sociedade de Engenheiros Automotivos (SAE International), órgão americano responsável pelos estudos em engenharia automobilística e uma das principais fontes de normas e padrões relativas aos setores automotivos, classifica o nível de automação dos veículos em seis diferentes pontos.
Os estudos mais recentes já trabalham com automotores autônomos no nível 4, porém esses veículos estão ainda distantes de serem vistos rodando por pelas ruas e de maneira geral estão restritos a campos de testes e pesquisas. Veja abaixo as etapas completas e cada um dos níveis de automação:
Nível 0 – Sem automação
São aqueles veículos em que o motorista é 100% responsável pelo controle, não tendo nenhum tipo de ferramenta para auxiliá-lo na condução.
Nível 1 – Assistentes de direção
Apesar de o motorista ainda ter o controle total do automóvel, algumas funções específicas ajudam na condução do veículo, com os controles de estabilidade e velocidade e ABS, por exemplo.
Nível 2 - Automação parcial
Neste nível o veículo conta com sistemas avançados de assistência ao motorista, como o controle de aceleração e desaceleração, medição de distância dos veículos à frente, centralização de faixas, etc. Apesar de o automóvel ter certa automação temporária, a figura do motorista ainda é necessária.
Nível 3 – Automação condicional
O avanço entre os níveis 2 e 3 é considerável do ponto de visto tecnológico. Os veículos já podem tomar decisões próprias baseados em condições que impactam diretamente a segurança dos ocupantes, como aceleração, tomada de direção e frenagem. Entretanto, ainda é necessário que o motorista assuma o controle após alertas de condições adversas. É nesse nível que nos encontramos atualmente.
Nível 4 - Direção autônoma alta
No nível 4 o veículo já tem total capacidade de se conduzir de forma autônoma, até mesmo sem a presença humana no seu interior. Modelos desse tipo já estão sendo usados em ambientes controlados, geralmente no interior de fábricas, ligando um ponto ao outro de espaços amplos. Apesar de essa independência parecer perfeita, os veículos ainda encontram dificuldades de se localizar sob condições adversas de clima e ambientes desfavoráveis, como estradas de terra e cascalho, por exemplo.
Nível 5 – Automação total
O último nível de automação ainda está longe de se tornar uma realidade nas estradas ao redor do mundo. Nessa etapa não existe a interferência humana em nenhum momento e o automóvel é capaz de seguir uma rota determinada automaticamente, respeitando a sinalização, bloqueios, pedestres e pisos irregulares. Volantes ou pedais de aceleração ou frenagem são totalmente dispensáveis, sendo seus ocupantes meros passageiros.
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