Amir Moravej, engenheiro de computadores iraniano em Montreal, trabalhava tranquilamente na produção de um software para ajudar as pessoas a navegar o sistema de imigração canadense. Para ele, essa era uma forma de ajudar outros a evitar as mesmas dificuldades pelas quais ele passou alguns anos antes.
Então chegou a eleição para presidente nos Estados Unidos. “Trump acelerou tudo”, afirmou Moravej, de 33 anos, executivo-chefe de uma startup de software chamada Botler AI.
Com a imigração no centro do assunto da política norte-americana e de outros países, a Botler AI começou a investir mais recursos na criação de um chatbot feito sob medida para um dos programas de imigração do Canadá. No dia 10 de maio, a startup anunciou que Yoshua Bengio, pioneiro da pesquisa em inteligência artificial e diretor do Instituto de Algoritmos de Aprendizagem de Montreal, está se unindo à empresa como cofundador e estrategista chefe.
Bengio está utilizando seu poder de fogo intelectual para facilitar o caminho desses talentos de alta tecnologia. O Canadá tem boas chances de se beneficiar com o clima político dos EUA, assim como com as iniciativas do governo Donald Trump – paradas nos tribunais, por enquanto – de restringir drasticamente a entrada nos Estados Unidos de pessoas oriundas de seis países predominantemente muçulmanos. Depois da eleição, o número de pedidos de vistos de estudante e vistos temporários no Canadá aumentou consideravelmente.
“Se pensarmos em 10 anos atrás, eu ficaria surpreso se o efeito Trump não aparecesse nos dados”, afirmou Joshua Gans, professor da Faculdade de Gestão Rotman, na Universidade de Toronto.
A imigração é um dos bastiões da política econômica do Canadá. Vinte por cento da sua população de 36 milhões de habitantes nasceu fora de lá. O país conta com dezenas de programas federais e provinciais, mas a prioridade é dada para trabalhadores com formação elevada e empreendedores, muitas vezes atribuindo pontos para conhecimentos especializados, formação e proficiência linguística.
Vai demorar algum tempo até que as tendências atuais da imigração apareçam de forma conclusiva, mas as primeiras evidências do efeito Trump são mais aparentes em áreas como a inteligência artificial, na qual o Canadá está na linha de frente da inovação e procurando criar um grande setor de IA.
Google e IBM
Agora, não são apenas as startups de inteligência artificial canadenses como a Botler AI que estão voltando sua atenção para a imigração e para a formação de talentos locais, mas também grandes empresas de tecnologia dos EUA, como Google, Microsoft e IBM, que estão criando equipes de pesquisa em IA no Canadá.
O serviço de caronas Uber anunciou no dia 8 de maio que estava abrindo uma filial de seu grupo de tecnologias avançadas em Toronto, a primeira da empresa fora dos EUA. O laboratório, que vai desenvolver tecnologias para veículos autônomos, será liderado por Raquel Urtasun, especialista em visão de computadores na Universidade de Toronto.
O Canadá conta com programas voltados não apenas para atrair especialistas em inteligência artificial para o país, mas também para convencer pesquisadores de IA formados em universidades canadenses a permanecer no Canadá, ao invés de ir para o Vale do Silício, uma prática comum no setor.
Os decisores políticos do país também querem convencer engenheiros e empreendedores expatriados a voltar ao Canadá – e o clima político dos EUA tem atraído muitos deles de volta.
A Ross Intelligence, uma startup de IA fundada em Toronto, se mudou para San Francisco há dois anos em busca de oportunidades de negócios e de financiamento na principal região de alta tecnologia do mundo.
Mas em abril, a Ross, cujos softwares são capazes de ler milhares de documentos legais e ranquear casos relevantes para os advogados, abriu um escritório em Toronto. Cinco membros da equipe, incluindo engenheiros e dois fundadores, estão saindo de San Francisco e indo para o Canadá. O grupo inclui dois canadenses, um brasileiro, um belga e um americano.
A filial em Toronto, de acordo com Jimoh Ovbiagele, um dos fundadores e CTO da Ross, “permite o recrutamento de talentos globais”.
Ovbiagele, um dos canadenses que está retornando a Toronto, afirmou que a Ross recebeu dezenas de pedidos de estudantes internacionais preocupados com o risco de imigração para trabalhadores nos Estados Unidos. Segundo ele, a empresa havia contratado engenheiros que eram estudantes internacionais e graduados em Princeton, na Cooper Union e na Universidade de Toronto.
Outra tecnologista que está saindo do Vale do Silício e indo para o Canadá é Maxime Chevalier-Boisvert, de 31 anos, que voltou a Montreal há algumas semanas, depois de trabalhar para a Apple por 13 meses. Segundo ela, “a eleição de Trump teve um papel importante” em convencê-la de que viver no Canadá era uma ideia melhor.
Por isso, Chevalier-Boisvert não pensou duas vezes quando surgiu a oportunidade de trabalhar no instituto de inteligência artificial ao lado de Bengio. Seu novo salário é de cerca de 30% do que ela ganhava na Apple.
Por outro lado, observou Chevalier-Boisvert, o aluguel do apartamento de dois quartos onde vive em Montreal custa menos de um terço do aluguel mensal do apartamento de um quarto onde vivia em Sunnyvale, na Califórnia. E, segundo ela, Montreal é uma cidade cosmopolita.
“Viver em Montreal é muito bom”, afirmou Chevalier-Boisvert.
De volta à Botler AI, ainda há muito trabalho pela frente – incluindo o financiamento e a criação de um plano de negócios. Mas a chegada de Bengio é um sinal de que a startup precisa ser levada a sério.
Em uma entrevista, Bengio afirmou que estava se juntando à startup em parte porque a tecnologia da Botler AI se encaixa perfeitamente nas pesquisas em andamento em seu instituto de inteligência artificial. Além disso, acrescentou, a empresa trabalha com imigração e isso “pode ajudar muita gente”.
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