“A cada segundo, o mundo é novo diante de nós. Mas qual parcela desta transformação está em nossas mãos?”. A questão apresentada pelo escritor e professor livre-docente da USP, Clóvis de Barros Filho norteou a última apresentação do Fórum de Pessoas, promovido pela Câmara Americana de Comércio (Amcham), em Curitiba, esta semana.
Ele também falou sobre ética. Sobre a importância de se ter um propósito pessoal e refletiu sobre aspectos subjetivos do dia a dia. “As pessoas trabalham torcendo para que a segunda-feira acabe e muitas vezes se esquecem de que a vida é aquela segunda-feira. E a vida não tem que acabar. Ela não precisa dessa torcida”, brincou.
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Clóvis falou sobre mudança. Apontou a inovação como principal propulsor de qualquer reforma, mas destacou que nem sempre uma ação inovadora é capaz de render bons frutos. Inovar vale a pena quando possibilita ao indivíduo atingir o ápice de seu potencial.
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Em entrevista à Gazeta do Povo, Clóvis, falou sobre casos de bullying nas empresas, redes sociais, e a competição gerada pelo desemprego. Confira:
O aumento da divulgação dos casos de corrupção tem feito com que cada vez mais empresas invistam em políticas de transparência. Até que ponto ações nesse sentido podem coibir a falta de ética no trabalho?
Eu quero acreditar que a preocupação com isso é sempre saudável. Então, piorar não vai. Mas eu gostaria de lembrar que a ética não depende só de transparência, de todo mundo vigiar todo mundo. Antes de mais nada, é preciso entender que a ética é a reflexão coletiva sobre aquilo que queremos em termos de convivência e que tipo de conduta não toleramos para proteger essa convivência.
Então, muito mais do que simplesmente uma fiscalização generalizada de todos sobre todos, a ética requer lucidez e inteligência para que possamos identificar o que há de mais relevante naquele coletivo, que é o que poderíamos chamar de valores, e que tipo de conduta pode agredi-los. E aí, sim, talvez a transparência seja alguma coisa relevante. Mas reduzir a ética à transparência é empobrecê-la demais.
O bullying ainda é bastante comum entre as crianças nas escolas.Mas o problema também segue aparecendo muitas vezes no meio corporativo sob a forma de assédio e preconceito . Quando é que essa imaturidade acaba?
Existem situações em que alguém se alegra dando causa à tristeza do outro. Seja no ambiente escolar entre crianças, seja no ambiente profissional entre adultos. Esse tipo de afeto é um afeto de prazer e regozijo ante o flagrante da tristeza causada no outro. Poderíamos pensar que, se isso se generalizasse, chegaríamos a um estágio de guerra de todos contra todos. Imaginando a eficiência de um coletivo costurado por relações desse tipo, talvez possamos rapidamente nos dar conta de que não é isso que queremos para nós.
Ao menos, a grande maioria concordará que a universalização do ódio é fragilizadora de todo mundo. Porque você poderia dizer: ‘bom, eu dou causa à tristeza dos outros e me alegro e por isso está tudo bem’. Até que alguém, em condições de te entristecer e também sentindo alegria com a sua tristeza, resolva se servir do mesmo recurso. E aí, é claro, talvez você ache menos engraçado dar causa à alegria do outro com a tua tristeza.
Talvez não precisássemos esperar. Se tivéssemos uma formação moral adequada, se, de fato, a reflexão sobre valores e princípios fizesse parte da nossa educação talvez não precisássemos experimentar na carne em idade adulta o ódio alheio para, quem sabe, nos convencermos de que é possível interagir de outra maneira.
O desemprego tem tornado o mercado de trabalho mais competitivo. É possível que essa competitividade afete a também a harmonia entre colegas dentro das empresas?
Sim. Na medida em que os postos de trabalho vão rareando, talvez a concorrência se acirre e haja conflito. Mas eu prefiro acreditar que a complementaridade funcional bem executada, isto é, com todo mundo fazendo o que sabe fazer de melhor e, com isso, tendo performances destacadas, a eficiência do coletivo coíba o desemprego. Portanto, eu giro a manivela do outro lado.
As redes sociais têm reduzido os limites entre o público e o privado. Como isso tem transformado o dia a dia de trabalho do indivíduo?
Como sempre, é um cobertor curto. De um lado, é possível dizer que as interações sociais se tornaram menos cínicas por acabarem se tornando menos implícitas. Por outro lado, é possível defender a tese de que a ruptura e o borramento das fronteiras entre o público e o privado geraram um novo tipo de cinismo, que é você ser obrigado a encenar o tempo inteiro, mesmo que supostamente dentro do âmbito da privacidade, haja vista essa coisa de estar o tempo todo parecendo eufórico ou alegre, de bem com a vida, construindo para si uma imagem de celebridade, de estrela o tempo inteiro. Então, é possível também entender isso como sendo uma consequência desse tipo de presença das novas tecnologias nas nossas relações.
Estudos mostram que quanto mais humilde é um gestor, mais produtivo ele é. Por que ainda sobrevive um fascínio pelo gestor implacável, altivo e imponente?
Porque temos em nossa história anos de culto à autoridade e de submissão a posturas totalitárias. Então, definitivamente, estamos engatinhando no âmbito da descentralização de tomadas de decisões. Muitas vezes um líder, sabendo que o que se espera dele é a onipotência e a onipresença, acaba construindo uma identidade que satisfaça essa expectativa.
As gerações que entram agora no mercado têm chegado com um ritmo diferente de fazer e encarar as coisas . O que pode ser feito para evitar conflitos de gerações nas companhias?
A redução do conflito depende muito da tolerância. E a tolerância é a competência de considerar pontos de vista discordantes dos nossos, cogitar sobre sua pertinência e até mesmo mudar em parte ou totalmente nosso ponto de vista em função do exposto pelo outro. Mas a tolerância tem seus limites porque evidentemente a tolerância com a intolerância acaba aniquilando a possibilidade de ser tolerante.
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