Está no livro sagrado: não se pode servir a dois senhores ao mesmo tempo. Ou você serve bem a um ou a outro. Apesar da velha advertência, muitos industriais e comerciantes ainda teimam em seguir a trilha do menor esforço. Tentar vender produtos primários, commodities, a preços de produtos com valor agregado. Como a empreitada é difícil, quase impossível, vem a choradeira: "Estão me perseguindo, o pessoal só quer saber de preço, o concorrente está estragando o mercado, o consumidor não sabe o que quer..." e, por aí vai.
Com a moeda estável as percepções sobre preços ficaram mais fáceis e o consumidor se acostumou a compará-los na hora da compra. Além disso, já faz algum tempo que os meios de comunicação e as próprias empresas vêm transferindo informações sobre produtos e serviços aos consumidores finais. Explicam tudo; o uso correto, as características e os atributos e ainda comparam uns com os outros. Esta enxurrada de comunicação tornou os consumidores mais exigentes e com maior expectativas sobre o que irão comprar. A época do consumidor bobinho e mal informado acabou há muito tempo. Quem quiser vender para ele, que reaprenda.
E para tornar o mercado mais difícil o número de novos concorrentes disputando o mercado aumentou consideravelmente.
Acontece que, muitas empresas acostumadas às vendas fáceis dos outros tempos, ainda não perceberam que o mercado mudou. E em vez de acrescentar novos valores aos seus produtos e serviços e promover a correta comunicação dos mesmos, querem colocar a responsabilidade das vendas - que estão cada vez mais difíceis - nas costas dos seus vendedores. Diretores e gerentes comerciais cantam em uníssono: "Espremam o pessoal de vendas, que o produto sai do estoque. No preço não podemos mexer, no produto nem pensar. Isto dói no bolso, e dá trabalho".
O tão propalado "agregar valor aos produtos e serviços" exige alguns cuidados, que muitos não querem, não sabem ou não podem fazer. Primeiro vem o saber direito sobre o gosto e a vontade do consumidor: o que ele quer, como quer, que cor, que forma, quando e onde quer comprar, quanto quer pagar etc. Depois, as adaptações; mudanças de máquinas, de linhas de produção, modificações de embalagens, as cansativas viagens e visitas técnicas. E por último os investimentos em lançamentos com as suas despesas em comunicação, necessárias para se criar marcas e enaltecer os valores e os diferenciais dos produtos.
Uma boa parte dos consumidores sonha com a melhoria de produtos e serviços e aceita pagar por isso, mas o industrial, não quer, não sabe, ou não pode fazer, muitas vezes porque os parcos rendimentos do extenuante trabalho estão indo parar na mão de outros: na pesada carga tributária brasileira e nos canais de distribuição que se organizaram melhor e cobram caro à possibilidade da presença de produtos nos pontos finais de venda.
O sistema formado pelos distribuidores, atacadistas e mercadistas, nos últimos anos, ganhou tamanho de Golias e força de Sansão, pois foram bem alimentados pelas próprias indústrias, que na pressa em fechar vendas, não perceberam, de início, a armadilha que estavam criando para si próprias. Elas mesmas engordaram as novas feras do varejo por meio das compras de espaço nas gôndolas, direitos de prateleira, taxas de cadastramento, ajuda em enxovais para inaugurações, verbas de fidelidade, participações em folhetagens e promoções e na criação conjunta de produtos "marcas próprias".
Isso tudo está criando um futuro sem marcas, pois este novo varejo não está deixando mais as indústrias desenvolverem novos nomes comerciais. Pois os produtos, sem a disputa criativa da invenção dos valores agregados, sem o uso da mídia e da comunicação, ficam muito iguais commotizados e sem graça.
E, enquanto o jogo de forças: indústria-varejo-consumidor não se ajeitar, o fabricante típico irá dormir sonhando vender produtos no formato de commodities a preços de valores agregados. Valores que ele não agregou e tenta cobrar. Numa tentativa e ingênua de querer vender gato-por-lebre para um consumidor cada vez mais exigente e informado e para um varejista que, em matéria de sadismo comercial fica cada vez mais parecido com o gerente de banco da piada, onde o seu olho de vidro parecia mais humano do que o verdadeiro.
Eloi Zanetti é escritor, palestrante, consultor em Marketing e Comunicação
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