A crise econômica impôs uma cara nova à dança das cadeiras no mercado de trabalho. Se há cinco anos a rotatividade intensa era sinal de um mercado aquecido, em expansão e cheio de novas oportunidades, hoje a tônica é a substituição “cirúrgica” de profissionais nas empresas.
Em 2012, a troca espontânea de emprego bateu recorde no país. Preocupadas com o apagão de talentos, as empresas disputavam profissionais “na unha”, com salários e bônus gordos. No mercado corporativo, aproximadamente 75% das vagas eram de abertura de novas posições, com as empresas expandindo fortemente os seus times, segundo levantamento interno da consultoria de recrutamento Michael Page. Mas a recessão econômica se encarregou de reverter esse cenário: além do desemprego, que também chegou aos cargos executivos, hoje, 90% das vagas são de substituição de profissionais – em períodos normais de mercado, esse índice oscila entre 20% e 30%.
Para sobreviver à crise, o movimento instintivo da maioria das empresas foi olhar para dentro de casa e cortar na própria carne. “Quando a gente olha para o motivo das substituições a gente vê, muito claramente, um enxugamento de níveis nas empresas, com uma busca muito forte por eficiência, redução de custos e da distância entre a base e o topo da hierarquia empresarial para acelerar a tomada de decisões”, afirma Humberto Wahraftig, gerente executivo da Michael Page.
Na prática, o que se viu foi após o corte de posições foi o surgimento de equipes mais enxutas com profissionais, em geral mais experientes, assumindo várias funções e responsabilidades. Um gerente de compras, um de logística e um de produção viraram, muitas vezes, apenas um gerente industrial que agora cuida de tudo, segundo Wahraftig. Além disso, “se antes se contratava profissionais com salário maior do que a qualificação, hoje eu consigo trazer pessoas mais qualificadas com um salário um pouco menor”, afirma.
Conforme Rafael Souto, CEO da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado, depois do enxugamento e reestruturação das equipes em 2014 e 2015, 2016 foi o ano de testar os sobreviventes, como ele define os profissionais que receberam um voto de confiança para permanecer nas empresas e estão tendo que fazer mais com muito menos. Quem não dá conta, tende a ser substituído.
Quem está no radar dos recrutadores em 2017
“As empresas estão buscando profissionais que pensem com a ‘cabeça do dono’, que se interessem pelo conjunto do negócio e sejam proativos, acima de tudo”, detalha Souto.
São pessoas com esse perfil que devem atrair a atenção dos recrutadores neste ano em que a substituição de posições ainda vai predominar no mercado corporativo. No horizonte, contudo, alguns sinais positivos vindos da área econômica já permitem uma pequena dose de otimismo. Wahraftig, da Michael Page, afirma que tem muita empresa falando de um crescimento de 15% a 20% em relação ao ano passado. “Parece um número alto, mas é sobre uma base baixa”, diz.
Um levantamento feito pela Produtive mapeou a abertura de 4.132 oportunidades nos mercados do Sul e Sudeste no segundo semestre de 2016, número 4,87% maior do que o observado em 2015. Embora a variação seja pequena, ela sinaliza uma tendência de melhora do mercado de trabalho em 2017, analisa Souto.
“Mesmo considerando que são posições de substituição, houve uma mudança no perfil de vaga buscada do último trimestre de 2016 para cá que sinaliza outra postura das empresas. Antes, eram posições mais concentradas nas áreas financeiras, orçamento e custo, o pitbull do cofre. Agora, as posições comerciais, de marketing e vendas estão reaparecendo”, afirma o CEO da Produtive.
Na dança das cadeiras do mercado executivo...
Um cenário hostil de crise acaba expondo profissionais menos eficientes e preparados que se escondiam atrás dos bons resultados. Pelo lado da qualificação técnica, tendem a sair os profissionais que não conseguem lidar com um cenário de mercado mais adverso e desafiador, entregando os melhores resultados dentro do possível. O lado comportamental também pesou bastante, segundo os recrutadores. “Às vezes o profissional até tem todas as competências técnicas necessárias para fazer o negócio funcionar, mas não consegue buscar mais forças, lidar com a pressão, pensar fora da caixa. Começa a colocar a culpa no cenário, no mercado. E aí esse profissional que está num momento mais negativo acaba influenciando negativamente a equipe também”, detalha Humberto Wahraftig, gerente executivo da Michael Page.
Ficam os profissionais que conseguem entregar bons resultados apesar do cenário adverso, seja reduzindo despesas ou aumentando receitas. O perfil é o de alguém que além de muito conhecimento técnico sobre o negócio, consegue ler o momento e buscar soluções para a empresa, mesmo dentro de funções muito específicas às vezes. São profissionais que conseguem entregar resultados, mas sem um excesso de autopromoção, trabalham muito bem em equipe e são proativos na busca de respostas que não sejam tão óbvias ou que encontrem maneiras diferentes de entregar um bom resultado.