Proibição por risco de acidente é ilegal
O risco de gerar um passivo trabalhista não deve ser fator determinante na hora de uma empresa decidir pela criação de um programa de mobilidade focado no uso da bicicleta, de acordo com advogados. Apesar de a Justiça entender que um acidente sofrido por um funcionário no trajeto casa-trabalho-casa caracteriza um acidente de trabalho, isso independe do meio de locomoção usado pelo funcionário.
"Na prática, acidentes no trajeto são acidentes de trabalho, não importa se o funcionário está de bicicleta, carro ou ônibus. Entretanto, a empresa só pode ser responsabilizada se agir com culpa", explica o presidente da Associação de Advogados Trabalhistas do Paraná, Marcelo Alessi.
De acordo com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM/DataSUS), do Ministério da Saúde, o número absoluto de mortos por bicicletas é baixo na comparação com o uso de outros modais no Paraná. Do total de 2.539 mortes no trânsito em 2010, 147 foram de ciclistas, o equivalente a 6%; 889, de motoristas de carro (35%); e 772, de motociclistas (30%). As outras vítimas foram pedestres (28%) e usuários de ônibus (1%).
"Independentemente do risco de acidentes, a empresa não tem o poder de restringir o meio de transporte do funcionário. Ele vai e volta do trabalho da forma que achar melhor, mesmo que a empresa ofereça um ônibus próprio ou pague o vale-transporte", ressalta Alessi. "Qualquer restrição nesse sentido atenta contra a liberdade individual e o próprio direito constitucional de ir e vir. Regras nesse sentido, portanto, são abusivas", define.
Para ele, a empresa que demite ou ameaça demitir um funcionário em razão do desrespeito a esse tipo de regra pode ser acionada judicialmente. "A melhor maneira de encaminhar esse tema, é de forma coletiva, através do sindicato ou de comissões internas de funcionário", orienta.
Projeto de estímulo custa R$ 10 mil
Com cerca de R$ 10 mil, uma empresa pode criar um programa eficiente de incentivo ao uso da bicicleta. O cálculo envolve a criação de um paraciclo (estacionamento de bicicletas), adequação de vestiários com chuveiros e armários e consultoria com programas de educação para que os funcionários pedalem em segurança. "Para uma média ou grande empresa não chega a ser um valor muito significativo. Além disso, é preciso considerar os benefícios no médio e longo prazo, que acabam recuperando o investimento em capital humano", afirma Gustavo Carvalho, da Kuritbike, empresa que prestou consultoria para implantação do programa EcoCiclo na Sanepar. Segundo ele, a adesão costuma girar entre 10% e 15% do quadro de funcionários. "Se pensar em espaço físico, com uma vaga de estacionamento de carro, é possível construir um paraciclo para atender até dez bicicletas. Com menos necessidade de espaço para os carros, a empresa pode aumentar a área verde e criar espaços de convivência para seus trabalhadores", indica Carvalho.
Ir e Vir
Leia mais sobre o uso da bicicleta como meio de transporte no blog Ir e Vir de Bike, do jornalista Alexandre Costa Nascimento.
Interatividade
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Com a mesma velocidade que vêm ganhando as ruas como alternativa sustentável de mobilidade urbana, as bicicletas também começam a conquistar espaço no mundo corporativo. Em Curitiba, empresas estão vendo no veículo de duas rodas um eficiente instrumento de gestão de pessoas.
A criação de uma cultura colaborativa, o incentivo a hábitos de vida saudável, o combate ao sedentarismo e a promoção da socialização entre os colaboradores são desafios que consomem tempo e recurso dos setores de RH das empresas. Com programas de incentivo ao uso da bicicleta seja como meio de transporte ou de lazer , algumas companhias estão conseguindo resultados significativos nesse sentido.
A Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) é uma das pioneiras no estado a abraçar a causa das bicicletas. Com o programa EcoCiclo, a estatal estimula o uso desse veículo como meio de transporte e o ciclismo de lazer. "O uso da bicicleta traz vantagens para a as pessoas, para a cidade e para a empresa. Os benefícios podem ser medidos na área da saúde, na economia financeira, na redução de veículos nas ruas e na diminuição de emissão dos gases do efeito estufa", defende o diretor de meio ambiente da Sanepar, Péricles Weber.
Atualmente a empresa está criando uma infraestrutura com bicicletário e vestiários, adquirindo capacetes e confeccionando coletes refletivos que serão distribuídos como Equipamento de Proteção Individual (EPI) aos funcionários que optarem pelo uso da bike.
Além disso, a Sanepar também promove workshops com especialistas, que dão treinamentos sobre segurança no trânsito, oficinas de conserto e reparo da bicicleta.
"Também aderi à causa e toda sexta-feira venho pedalando em um trajeto de 15 quilômetros ida e volta. Faço questão de deixar minha bicicleta estacionada na vaga da diretoria. Isso acaba estimulando e contagiando as pessoas. Dois colegas da área de projetos começaram a vir trabalhar de bicicleta e hoje também são entusiastas", conta Weber.
Ciclovia interna
Outra empresa que aposta na bicicleta é Caterpillar, fabricante de máquinas e equipamentos. A unidade de Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba, inaugurada em novembro, tem uma ciclovia interna de 250 metros que liga o portão de entrada ao bicicletário da unidade, que tem capacidade para até 90 bicicletas.
A adesão às duas rodas na empresa representa quase 25% do quadro de funcionários: dos 290 trabalhadores da unidade, em média 70 vão diariamente trabalhar de bicicleta sem que nenhuma campanha de estímulo tenha sido realizada até agora. Segundo a empresa, o planejamento de 2012 prevê programas focados na bicicleta para promover a qualidade de vida dos seus funcionários.
O Instituto Curitiba de Informática (ICI) também tem um programa institucionalizado de estímulo ao uso do veículo. A empresa instalou um bicicletário e construiu vestiários para facilitar de quem vai trabalhar pedalando.
A Companhia de Informática do Paraná (Celepar) criou o projeto Transporte Livre a partir de uma iniciativa da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa).
O programa foi selecionado para participar em junho do ano passado da Conferência Mundial de Mobilidade, em Portland, nos Estados Unidos. Com o projeto, cerca de 10% dos funcionários da Celepar utilizam a bicicleta para ir ao trabalho ao menos uma vez por semana.
França e Bélgica adotam "bolsa pedal"
Alguns países europeus criaram programas de incentivo para as empresas que estimulam seus funcionários a usar a bicicleta como meio de transporte. Na Bélgica, por exemplo, as companhias pagam 21 centavos de euro (aproximadamente R$ 0,47) por quilômetro pedalado pelos funcionários no percurso diário entre a casa e o trabalho. O sistema é financiado de forma facultativa pelas empresas, que, em contrapartida, podem deduzir esses gastos nos impostos devidos ao governo.
Economia
No fim de janeiro, o ministro dos Transportes da França, Thierry Mariani, anunciou a implantação de um programa semelhante em seu país. A medida custará ao governo cerca de 20 milhões de euros (R$ 45,3 milhões) para financiar os 2 milhões de cidadãos franceses que usam a bicicleta regularmente.
Segundo o ministro, a medida deve gerar uma economia de 5,6 bilhões de euros (R$ 12,6 bilhões), além dos benefícios indiretos, como o combate ao sedentarismo, melhora na saúde e redução da emissão de gases poluentes.
Viabilidade
O modelo de subsídio aos usuários da bicicleta teria viabilidade econômica se implantado no Brasil. Em Curitiba, o sistema seria mais econômico que o subsídio do vale transporte para quem mora a até cinco quilômetros de distância do trabalho (10 quilômetros pedalados por dia no trajeto ida e volta).
O trabalhador curitibano recebe em média R$ 110 de vale transporte por mês, considerando o uso de duas passagens por dia útil. Caso o mesmo modelo europeu fosse adotado por aqui, com o custeio de R$ 0,47 por quilômetro rodado, o gasto mensal com a "bolsa pedal" seria de R$ 103,40 por funcionário.
Para a empresa, a economia em um ano chega a R$ 79,2 por funcionário, além dos eventuais subsídios fiscais da legislação. Já para o trabalhador, o subsídio pode representar um dinheiro a mais no bolso além de todos os benefícios indiretos ligados ao uso desse meio de transporte.