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Retorno complicado

Está mais difícil voltar ao mercado depois de uma demissão. Até para os executivos

Diretor de consultoria de RH que acompanhou grandes crises financeiras no passado diz que a atual é a pior de todas. | /
Diretor de consultoria de RH que acompanhou grandes crises financeiras no passado diz que a atual é a pior de todas. (Foto: /)

O australiano Kevin Gibson, diretor da consultoria de recursos humanos Robert Walters, já viu todo tipo de crise desde que começou a trabalhar na busca de executivos, há 22 anos. Rodando o mundo, passou pelos tigres asiáticos no fim dos anos 1990, viveu o “crash” da Rússia e sentiu os efeitos da crise americana, em 2008. Em 2015, recebeu da Robert Walters a missão de aproveitar o período de baixa para ancorar a operação brasileira. Ele admite, no entanto, que não imaginava o tamanho do desafio. “Essa é a pior crise de todas, pois passa por todos os setores.”

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Diante do desânimo do mercado de trabalho, e da dificuldade para encontrar posições mesmo para executivos que antes podiam escolher onde trabalhar, Gibson resolveu promover, com a ajuda do aplicativo de busca de vagas Indeed, o seminário “Back to the Game” (“De Volta ao Jogo”). O título faz referência à necessidade de perseverança dos que se encontram fora do mercado.

O seminário, realizado em um hotel de São Paulo, teve o objetivo de dar uma injeção de ânimo em gente que estava acostumada a um dia a dia frenético e que, agora, está há mais de um ano em busca de uma nova oportunidade. Entre os cerca de 50 convidados estavam diretores financeiros, advogados que dirigiam departamentos jurídicos de multinacionais e executivos que chegaram a comandar operações internacionais de empreiteiras citadas na Operação Lava Jato.

Para quem atua na área de infraestrutura, a situação é especialmente difícil. O executivo Alphonse Joseph Moujaes, 44 anos, voltou ao Brasil há pouco menos de um ano, depois de uma década atuando em obras de construtoras como Odebrecht e OAS em países como Angola, Moçambique e Líbia. “Comandei a retirada de 7 mil funcionários da Odebrecht, de 27 nacionalidades, da Líbia, quando a guerra civil estourou (em 2011)”, lembra o executivo.

O currículo variado - que também inclui passagens por empreiteiras do Oriente Médio - foi insuficiente para superar o cenário desolador da construção civil. “Em todos esses meses, fui chamado para duas entrevistas”, conta Moujaes. “Antes, conseguia dar uma educação classe A a meus filhos. Agora, estou precisando reduzir o nível para classe B”, diz. O dilema atual do executivo é: reduzir o padrão de vida da família ou voltar a trabalhar no exterior e garantir a condição a que eles haviam sido acostumados?

Paciência

Os palestrantes selecionados pelo seminário “Back to the Game” tinham uma mensagem básica aos executivos que buscam recolocação: é preciso paciência. Como o atual momento da economia é considerado incerto, especialistas em RH afirmam que, não raramente, as empresas listam oportunidades, entrevistam dezenas de candidatos, criam etapas de seleção que se estendem por meses, só para cancelar as vagas ao fim do processo.

A advogada Ana Célia de Toledo Celidonio, de 44 anos, já passou por essa experiência. Com passagens por empresas como Eucatex e Reckitt Benckiser, ela está em busca de uma vaga há 15 meses. “Participei de um processo seletivo durante seis meses, que incluiu uma prova online na qual só eu passei. Na semana anterior à Páscoa, a empresa simplesmente fechou a vaga, sem justificativa.”

Justamente para tentar animar um time que passou por reveses como o de Ana Célia, o seminário recrutou o jogador de rúgbi Jonatas Paulo, o Chabal, para mostrar que, com foco e perseverança, os resultados da seleção brasileira da modalidade melhoraram bastante nos último anos. Para alinhavar os ensinamentos do esporte, Chabal usou frases do rapper Emicida e de Rocky Balboa, personagem de Sylvester Stallone.

Entre dicas sobre como elaborar um currículo e reativar contatos antigos, a diretora de recursos humanos da empresa de benefícios Alelo, Soraya Bahde, compartilhou histórias sobre o que não fazer em uma entrevista de emprego. Ela contou o caso de um candidato que ficou sem trabalhar durante um período de dez meses e, durante um processo seletivo, deu-se conta de que não havia feito nada de relevante no período. “Ele passou o tempo todo jogando vídeo game. Na entrevista, a cara dele caiu no chão.”

Pior do que admitir um erro, segundo Soraya, é mentir ou exagerar experiências ou qualificações. Prova disso é que o aficionado em videogame, apesar do mau uso do tempo livre, acabou sendo contratado para uma vaga de controladoria, não só por tinha o perfil para a vaga, mas também por ganhar pontos pela honestidade.

Altos e Baixos

Com passagens por multinacionais e por grandes grupos nacionais, a advogada Ana Célia de Toledo Celidonio, 44 anos, está trabalhando ativamente na busca de uma vaga há mais de um ano - um processo que é cheio de altos e baixos. No seminário “Back to the Game”, ela se mostrava otimista e preparada para novas entrevistas. Admitiu, no entanto, que conversou com a reportagem em uma “semana boa”. E contou que, no mês passado, após participar de um processo seletivo que havia se estendido por seis meses, a empresa que oferecia a vaga simplesmente decidiu fechar a oportunidade - sem nenhuma explicação.

Mesmo com larga experiência internacional em construção civil, o executivo Alphonse Jospeh Moujaes, 44 anos, só conseguiu duas entrevistas de emprego desde que chegou ao Brasil, há 11 meses. Mais recentemente, ao voltar a ativar seus contatos no exterior, tem conversado com empresas pelo menos duas vezes por semana. Apesar de estar satisfeito com o contato renovado com os filhos pequenos, ele diz que, entre a proximidade e o conforto da família, vai escolher a segunda opção. “Eu não vi meus filhos crescerem, mas quero que eles tenham uma educação bilíngue, como a que meu pai meu proporcionou.”

Com três décadas de experiência na área de tecnologia da informação, o executivo Luciano Vanini, de 48 anos, está fora do mercado de trabalho há um ano e meio. Ele conta que, à época, precisava resolver problemas familiares e aproveitou para fazer um acordo para deixar o emprego. Há seis meses, procurou a Robert Walters para buscar uma recolocação. Apesar de ter encontrado um mercado difícil, Vanini se diz decidido a não aceitar uma remuneração inferior à que tinha em sua última empresa. “Nesse quesito sou um pouco chato, tenho pelo menos que manter. Eu não posso jogar fora uma carreira de 30 anos.”

Aos 51 anos, o advogado José Antônio Negro está há um ano e dois meses fora do mercado de trabalho. Com 26 anos de experiência - especialmente em companhias japonesas -, ele já se viu obrigado a reduzir as despesas da residência, apesar de a esposa continuar empregada. Entre as mudanças implementadas esteve a troca da empregada por uma diarista que vem apenas duas vezes por semana. “Acho que foi positivo as minhas filhas terem aprendido a lavar uma louça e a arrumar a própria cama”, afirmou. Isso não quer dizer, no entanto, que ele não esteja apreensivo com a situação. “Depois de um ano e meio não dá para ficar calmo.”

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