Imagine poder tirar férias quando você quiser. Pois, acredite: é cada vez maior o número de empresas que oferecem essa opção de descanso aos seus funcionários, focando mais no que se produz do que na quantidade de horas que se passa trabalhando.
A tendência tem sido forte nos Estados Unidos e em algumas regiões da Europa, especificamente, no setor de tecnologia, que é a área que primeiro sente as transformações do mercado, conforme aponta a diretora de marketing e recursos humanos do ManpowerGroup, Márcia Almströn.
Ela lembra que essa ideia tem ampla adesão em países em que as leis trabalhistas são mais flexíveis com relação a férias.
A Netflix é uma das organizações a oferecer esta possibilidade. Pioneira na oferta de férias ilimitadas, a empresa só não estendeu o benefício aos trabalhadores dos depósitos e dos call centers, já que eles são remunerados por hora.
Influenciada pela provedora de filmes e séries, a Virgin Management foi a primeira empresa fora da área de tecnologia a investir na proposta. Segundo o dono da companhia, Richard Branson, que resolveu implantar a novidade em 2014, caberia a cada funcionário escolher tirar o tempo que quisesse, desde que estivesse com seus prazos em dia.
Crise e medo
Mas poder tirar férias quando se quer não é, necessariamente, o paraíso. Para críticos à alternativa, ela pode, por exemplo, fazer com que o funcionário trabalhe mais do que trabalharia sob uma carga menos flexível, ao se sentir inibido a se ausentar frente a um alto volume de trabalho. Em um período de crise, o medo de perder o emprego certamente agravaria esse aspecto, de acordo com a especialista da ManpowerGroup, Márcia Almströn.
Pesquisas fundamentam esta preocupação. Segundo um estudo divulgado em 2014 pela empresa de recursos Humanos Randstad, 42% de trabalhadores se sentem obrigados a verificar seus e-mails em seu tempo de folga. Ainda de acordo como levantamento, 45% se mostram impelidos a responder uma mensagem em poucas horas e 47% não demonstram nenhuma culpa em trabalhar doentes.
No ano seguinte, um levantamento da mesma empresa revelou que em torno de 30% dos funcionários precisam cancelar suas férias por atividades importantes do trabalho.
Profissionais “hiperconectados”
Outra crítica comum à proposta está ainda mais relacionada à tecnologia. Com a ascensão dos smartphones e das redes sociais, crescem as possibilidades de trabalho remoto e esse foi, inclusive, um dos motivos pelos quais a Virgin decidiu aderir às férias ilimitadas: para tentar aliar descanso à atuação do funcionário hiperconectado.
O problema é que essa realidade pode impossibilitar que as pessoas realmente descansem. Um relatório do instituto britânico Chartered Management mostrou que o hábito de checar e-mails de trabalho em casa tem aumentado significativamente os níveis de estresse dos trabalhadores.
Para Márcia, o aumento dos “hiperconectados ao trabalho” é um fenômeno inevitável na era digital e só tende a crescer. Segundo a especialista, até mesmo interações à distância de equipes inteiras são hoje possíveis por meio de “hangouts” ou videoconferências.
“Está cada vez mais fácil trabalhar de longe e cada vez mais difícil de se desligar do trabalho por longos períodos”, diz.
Mas, na visão dela, manter a mente descansada passa por uma questão de equilíbrio e escolha. “As pessoas podem optar por desativar as notificações do WhatsApp quando acharem que devem, por exemplo. Posso dominar a tecnologia que tenho ou deixar me levar por ela”, argumenta.
Férias no Brasil
Embora seja uma tendência mundial, a possibilidade de flexibilizar o período de descanso está longe de se tornar comum no Brasil, segundo a professora do curso de Administração da Universidade Positivo (UP), Maria Emília Dionísio. Sobretudo porque, aqui, a legislação trabalhista é rígida nesse aspecto: o trabalhador tem 30 dias de férias.
Conforme explica Márcia, a lei possibilita três formas distintas de tirar férias: 30 dias corridos, 20 dias acrescidos de um valor em dinheiro correspondente a 10 dias ou uma divisão para se tirar 20 dias antes e 10 dias depois.
Mas cabe lembrar que o trabalhador brasileiro não perde muito no quesito descanso em comparação a muitos países do mundo. O Brasil está entre os que possuem o maior número de dias úteis de férias remuneradas garantidas por lei. Segundo um levantamento da consultoria Mercer, nos Estados Unidos, por exemplo, lá as empresas podem conceder até 14 dias, embora este tempo nem sempre seja remunerado.