Por mais que tentemos ser precisos nas previsões de vendas, e afinados nos planejamentos de marketing, o mercado nos traz surpresas. Existem muitas histórias de sucesso comercial sem que um mínimo de planejamento técnico tivesse sido aplicado. Ele aconteceu porque simplesmente aconteceu.
Vejamos alguns exemplos. Hoje, você encontra água de coco em quase todos os cantos do país, mas nem sempre foi assim. Há cerca de uns 15 anos o produto só era encontrado em algumas feiras livres, com frutos já passados de época e água choca.
A história desse sucesso em distribuição de vendas é curiosa, porque foram os motoristas de caminhão os maiores responsáveis pela criação da demanda. É que eles levavam cargas para o Nordeste e como tinham poucos fretes para trazer na volta, passaram a carregar as suas carretas com cocos verdes, que depois revendiam nas praias e nas esquinas das grandes cidades. Com o tempo, o produto começou a ganhar o gosto do povo, criando um enorme mercado consumidor. A exploração e a venda racional do produto aconteceu depois, com as máquinas da Coco Express e a entrada das grandes engarrafadoras.
Até então, o coco, que chegou ao nosso país pelos portugueses ao tempo do Brasil Colônia, tinha pouco aproveitamento comercial, apodrecendo nas praias do Nordeste. Curiosamente, passou a fazer parte do nosso cotidiano sem que ninguém planejasse nada, foi tudo na mais santa espontaneidade.
Outra história interessante é o uso da bombacha gaúcha. Conta-se que durante a Guerra do Paraguai, os ingleses, que forneciam armamentos e roupas para o exército brasileiro, haviam perdido uma venda de milhares de vestimentas árabes, para um país do Oriente Médio - a bombacha tem origem árabe, observe como são as calças do Aladin, estufadas e amarradas na barra.
Como bons comerciantes, não tiveram dúvida, deram um jeito de transferir a encomenda para o nosso exército. Finda a guerra, quando as tropas gaúchas voltaram aos pampas, levaram o costume começando a usar as novas calças nas lides de campo. Eram práticas, folgadas e ótimas para se andar a cavalo. Estava introduzida e consolidada a bombacha como vestimenta do gaúcho.
Os clássicos e levíssimos sapatos americanos Hush Puppies** também sofreram uma reviravolta comercial sem querer. Em 1994, estes modelos quase tinham desaparecido do mercado, as vendas estavam reduzidas a uns 30 mil pares por ano, a maioria em comércio de ponta de estoque do interior do país.
Os fabricantes já estavam pensando em interromper a sua produção, quando alguns garotos no East Village, e no Soho, em Nova Yorque começaram a usar os sapatos pelo simples fato "de que ninguém mais os usava". Um estilista achou os sapatos interessantes, e começou a apresentá-los como complemento de moda e desfile. Logo outro designer também começou a usá-los.
Fotógrafos de moda acharam o sapato bonito para suas composições e estes foram parar nas notas das revistas do setor. Uma galeria de arte em Hollywood achou bonita a marca dos sapatos e a colocou no topo do seu edifício sob a forma de um enorme cão basset inflável. Em poucos dias, esvaziaram-se os estoques de calçados Hush Puppies na Califórnia.
O sucesso foi epidêmico. No ano seguinte, a empresa vendeu 430 mil pares do modelo clássico, no outro ano a produção foi a dois milhões de pares. A empresa nada fez para esse sucesso acontecer. Tudo começou com um grupo de garotos e um boca-a-boca que conquistou o país.
Esta história se repetiu na Europa com as brasileiríssimas sandálias havaianas. Galtier viu um chaveiro brinde com o formato das havaianas, mandou procurar o produto e usou-as nos seus desfiles de verão. Em pouco tempo foram fotografadas e saíram nos editoriais da moda. De uma sandália desconhecida para o público europeu a um provável sucesso em exportação e vendas está sendo um pulo. E o melhor, um par de sandálias que custa no Brasil em média R$ 3,50, na Europa já começa a custar o equivalente a R$ 70,00.
Para citar dois gigantes mundiais vamos falar da Avon e das Calças Levis. O fundador da Avon vendia livros, e para agradar os seus clientes começou a distribuir como brindes, nas compras dos seus livros, frascos de perfume. Logo observou que os compradores se interessavam mais pelos perfumes do que pelos livros. Juntou suas primeiras vendedoras e desde sua fundação até hoje a empresa já vendeu bilhões de unidades em todo mundo.
Com a Levis, a história foi semelhante. O sr. Levi Strauss, aproveitando o intenso comércio gerado pela febre do ouro na Califórnia, levou para a região grande quantidade de lonas para barracas para vendê-las aos garimpeiros através do seu já bem sucedido armazém. Um deles vendo o tecido grosso e forte, solicitou ao sr. Levi's que fizesse uma calça para uso no trabalho pesado das minas. Ele fez, e ainda num momento de inspiração, sorte e a ajuda de um alfaiate da cidade de Reno aplicaram rebites de cobre nos cantos dos bolsos criando os primeiros modelos de calças "waist overalls". O sucesso foi imediato. O sr. Levis atirou no que viu e foi matar o que não viu. Fez fama, fortuna, moda e ainda criou um mito, as calças jeans.
Já vi brilhos labiais, produtos femininos, serem campeões de vendas no inverno, porque os motoqueiros utilizam-nos como proteção dos lábios contra o frio. Já vi produto lançado para depilação feminina ser usado como excelente pós-barba.
Muitas vezes você faz de tudo para vender um produto, e nada acontece, outras você fica surpreso olhando o sucesso acontecer. Por isso, quem trabalha em vendas precisa estar muito atento a todas as informações que chegam aos seus olhos, ouvidos e mãos. É preciso ter faro apurado, intuição e flexibilidade para mudar de rumo de uma hora para outra se for preciso. Saber agir como o surfista que escolhe o melhor momento para se aproveitar a onda. Muitas vezes um pequeno desvio de rota pode ser a melhor coisa que acontece aos seus produtos. Quem consegue entender as sutilezas do mercado? É só ficar atento ao estranho comportamento humano na hora das suas decisões de compra.
· Frase bordão do comediante Chaves da TV Mexicana.
· O caso está bem explicado no livro "O Ponto de Desequilíbrio" de Malcolm Gladwell, da Editora Rocco, 2002.
Eloi Zanetti é consultor de marketing e comunicação, palestrante e escritor. Eloizanetti@terra.com.br