Nos anos 1950, o pesquisador Jonas Salk estava trabalhando incansavelmente na busca de uma cura para a poliomielite. Seu laboratório ficava em uma sala no porão da Universidade de Pittsburgh e, apesar de todos os seus esforços, não conseguia encontrar uma solução.
Cansado do esforço infrutífero, decidiu que precisava de uma pausa e foi para um retiro na Basílica de São Francisco de Assis, na Itália. O ar livre e a arquitetura do século 13 desbloquearam sua mente e ele voltou ao trabalho com a resposta que salvou incontáveis vidas: a primeira vacina contra polio.
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O caso do virologista não é único. Há muito tempo sabe-se da importância de momentos de relaxamento do cérebro e, especialmente, da felicidade para o aumento da produtividade.
Fundado em 2004, o Googleplex – quartel-general da gigante de tecnologia que fica em Mountain View, na Califórnia – entrou de cabeça nessa filosofia, incluindo em sua arquitetura elementos como tobogãs, escorregadores e salas de jogos. A lógica de “parque de diversões” fez sucesso e não tardou a ser adotada por empresas em todo o mundo.
Mas parece que o “parque de diversões” no trabalho acabou. O arquiteto Enrico Benedetti, sócio do escritório Arealis, de São Paulo, garante, porém, que essa febre passou. “Eu, pessoalmente, acho que esse conceito de escritório está superado. Ele abriu um novo caminho, fez uma quebra bastante importante para que o espaço de trabalho pudesse evoluir para um formato melhor”.
Para ele, ainda que as empresas possam incluir espaços que proporcionem um momento de descontração para os funcionários, o objetivo deve ser fazer com que o trabalhador esteja confortável o suficiente para que não precise de um lugar especificamente para se desestressar.
Tem mais gente achando que a “infantilização” dos escritórios chegou ao fim. A editora e colunista de Carreira do jornal “Financial Times” Lucy Kellaway comemorou o fim dessa tendência chamando atenção para as imagens já divulgadas do Apple Park, complexo concebido por Steve Jobs que deve ser inaugurado em 2018 em Cupertino, também na Califórnia. Para ela, o projeto foi feito para adultos, enquanto os atuais “têm sido construídos como se fossem direcionado para crianças em idade escolar”.
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“O Google é líder mundial na infantilização de sua força de trabalho com quadras de grama artificial para jogos e escorregadores. Em seu escritório de Tel Aviv, os funcionários fazem reuniões em casulos voadores com hélices no topo”, escreveu.
Lucy, que também tem seus textos publicados no jornal brasileiro “Valor Econômico”, não economiza adjetivos para descrever a tendência, que chama de “feia, estúpida e discriminatória com os mais velhos”. A moda começou no Vale do Silício, mas a Apple agora resolveu ir em outra direção. “O Apple Park deu as costas para a diversão e optou pela beleza. A beleza é uma coisa séria e adulta; o trabalho também deveria ser”, opina Lucy.
O própria Google parece ter percebido isso. Algumas sedes mais novas da empresa podem até ser divertidas e modernas, mas nada de tobogã no meio da “firma”. “O Google amadureceu muito e a lógica de projeto deles mudou muito”, afirma Antonio Mantovani Neto, diretor da DM/AM Arquitetura, responsável por um projeto desenvolvido para a sede da companhia em São Paulo.
“Aquela coisa do divertidinho não é bem o caminho. Você prefere ficar jogando video game no escritório ou ficar com a sua família?”, pondera. “Você precisa do divertido no escritório para dar um respiro, já que você não consegue trabalhar 8 horas seguidas. Mas você não cria um parque de diversões no escritório”.
O consultor de carreira e recursos humanos Alexandre Weiler destaca que não é simplesmente o bem-estar do funcionário que está no coração dessas mudanças.
A gente não pode esquecer que empresas são sempre focadas em lucro”, aponta. “A ficha dos funcionários e dos acionistas está caindo. As pessoas acabam gastando a energia nesses momentos de lazer ao invés da investi-la na produtividade
A DM/AM esteve envolvida com projetos de várias outras empresas no setor da tecnologia e inovação, como Yahoo, Microsoft, Aol e LinkedIn. Para o diretor, a maior diferença atualmente é que os escritórios são feitos pensando nas pessoas que vão ocupar aqueles espaços. “Antes você projetava um espaço de trabalho e as pessoas se encaixavam nele”, conta. “O LinkedIn, por exemplo, é todo feito para as pessoas. Tem espaços super alternativos, mas tudo gira em torno da ocupação das pessoas. É um projeto maduro”.
Cada empresa é um universo particular
Outro problema está no fato de que as estruturas físicas das empresas, assim como das cidades, são rígidas e possuem um tempo de funcionamento e obsolescência. “A produtividade é mais acelerada do que a depreciação das estruturas físicas e as relações se transformam muito mais rápido do que essas estruturas”, diz o professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Paulo Chiesa.
No final das contas, a fórmula não é apenas reproduzir algo que funcionou para outras empresas, sem pensar na sua realidade. “Cada escritório tem características próprias, cada empresa tem um jeito de trabalhar diferente. Tem vários tipos de perfil [arquitetônico], o importante é achar o ideal para você”, opina o arquiteto Enrico Benedetti.
Por que copiar? A gente precisa repensar as empresas, elas são individuais e cada uma tem um propósito”, concorda Mantovani Neto. “As pessoas precisam ter um olhar particular para cada uma das empresas. Espaços de trabalho são, acima de tudo, espaços de concentração de produção. E você não produz no meio de um parque de diversões
A importância de uma boa convivência
Vale notar, ainda, que pouco adianta um escritório feito sob medida se as relações entre os colegas são negativas. “Chefia ou pares tóxicos geram mais estresse que o próprio ambiente de trabalho”, lembra Weiler, que ainda acrescenta:
Você pode ter a mesa mais confortável do mundo, um jardim oriental dentro do escritório, um bonsai na sua frente: se a sua relação com as pessoas ali dentro for tóxica, não há nada que resolva
“A criatividade está nas pessoas. A arquitetura de interiores entra num micro espaço, de deixar as pessoas confortáveis”, concorda Chiesa. “Não é negativo que as pessoas queiram estar num lugar mais confortável, seguro, moderno. Por um lado, é inegável que as pessoas vão se sentir melhor, vão produzir mais como grupo. Mas, por outro, se você ‘raspar o osso’, o que resta é que a gente precisa trabalhar. E é melhor que a gente trabalhe de forma organizada”.
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