Santos preside a empresa da família, fundada por seu avô. Aprendeu desde pequeno a se dedicar ao trabalho e a pensar na expansão dos negócios familiares. Por isso, voltou sua vida profissional e pessoal para o crescimento da organização. Desde a faculdade que escolheu, aos cursos e viagens que fez, tudo foi direcionado para a empresa. Até mesmo as férias com a mulher e os filhos eram tiradas em locais onde pensava desenvolver estratégias mercadológicas ou onde possuía clientes importantes.
Além do empenho para estudar e trabalhar, Santos herdou do pai e do avô o talento para os negócios, para empreender. No entanto, adquiriu, com o passar dos anos, dureza e frieza para lidar com os outros. Ele se tornou um excelente gestor, capaz de desenvolver projetos ousados e lucrativos, mas impossibilitado de respeitar a individualidade das pessoas, de se compadecer com problemas alheios e de conviver com as diferenças.
Santos tentou, em vão, transmitir para as duas filhas sua postura como empresário, pois ambas são sensíveis e valorizam a convivência saudável com os colaboradores. Certa vez, uma delas foi duramente criticada por ter se ausentado do trabalho por dois dias, em função de uma cirurgia feita em seu marido. Santos não a perdoou por ter deixado os interesses familiares se sobreporem aos da empresa e deixou claro que não toleraria outra ausência por razões pessoais.
Entre os colaboradores a notícia correu rápido, e ninguém se espantou por Santos ter tido tal atitude. Dele esperavam sempre o pior. Em outra ocasião, o gestor pediu ao diretor de Recursos Humanos que despedisse nove empregados logo após o dia de Natal. De nada adiantou o diretor explicar que a empresa não teria custos tão elevados se esperasse até janeiro para afastar o pessoal. "Deixe-os aproveitar as festas de final de ano sem preocupações!", pediu. Mas Santos não acatou a solicitação e exigiu que a equipe fosse desligada na data determinada.
A ação gerou um enorme descontentamento entre todos os profissionais, de todos os níveis hierárquicos. A mensagem de Santos foi clara: ele sacrificaria qualquer pessoa em nome do crescimento da empresa. No entanto, sua determinação de prosperar e dar continuidade ao legado da família o deixou anestesiado, imune aos sentimentos de compaixão e de empatia. Santos fazia de tudo para abafar as qualidades humanas e dar lugar às características das máquinas que mantinha. Essa escolha, de certa forma, o levou ao patamar elevado onde se encontrava, mas o afastou da família e dos amigos.
Santos também não tolerava fraquezas e falhas de ninguém do seu convívio social. Por isso, suas filhas não o admiravam como pai e não o tinham como um amigo. Sentiam por ele respeito e temor e faziam de tudo para passar o menor tempo possível ao seu lado. O clima organizacional, por sua vez, também era muito ruim, e o medo era companheiro constante de todos os colaboradores, que trabalhavam estressados e tinham um humor terrível. A concorrência era acirrada, e cada empregado queria ver o colega pelas costas, pois temia por seu posto de trabalho. A postura disseminada por Santos era a de que não importava nada além da produtividade e da lucratividade, muito menos simpatia, cortesia, gentileza e companheirismo.
Porém, Santos não percebeu que, com o passar dos anos, o comportamento do mercado em relação ao empregado mudou, e a qualidade de vida se tornou um bem valioso. Assim, foi perdendo diversos de seus talentos para concorrentes, que ofereciam condições mais dignas e um clima mais leve de trabalho. Aos poucos, foi ficando estagnado, cercado somente dos colaboradores mais antigos, que não tinham ânimo para disputar novas vagas no mercado. Sua empresa, hoje, continua sólida, mas perdeu muito espaço para organizações mais modernas e humanizadas.
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É preciso buscar produtividade e lucratividade para manter viva uma empresa. Porém, o gestor deve saber que o alicerce para uma organização de sucesso é o capital humano. Sem as pessoas certas, comprometidas e dispostas a trabalhar por resultados, uma empresa não sobrevive. Por isso, mesmo na hora de desligar colaboradores, o gestor deve escolher o momento certo, tanto para a sobrevivência da empresa quanto do funcionário. Vale lembrar ainda que uma demissão injusta pode levar toda a equipe a perder a motivação e, portanto, diminuir a produtividade.
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SAIBA MAIS...
O que é responsabilidade social
"Observamos no dia-a-dia de muitas empresas brasileiras uma percepção limitada a respeito do conceito de responsabilidade social, o que se traduz em ações pontuais e assistencialistas. Acredito que essa situação poderia se reverter se as empresas privadas seguissem alguns conselhos práticos, como buscar uma compreensão mais aprofundada do conceito e, sempre que possível, incorporar profissionais especializados em responsabilidade social ao corpo funcional.
Ou então descobrir aspectos que possam ser melhorados, pesquisar casos de sucesso que sirvam como exemplo e planejar estratégias de ação adequadas a seu contexto. De forma geral, é importante lembrar que a responsabilidade social vai além da simples assistência social ou da entrega de doações em épocas festivas." (Queila Regina Souza, mestre em Administração, professora do curso de Comunicação da PUCPR e diretora da ONG Setor Social.)
Bernt Entschev é presidente do Grupo De Bernt. Empresário com mais de 36 anos de experiência junto a empresas nacionais e internacionais. Fundador e presidente do grupo De Bernt, formado pelas empresas: De Bernt Entschev Human Capital, AIMS International Management Search e RH Center Gestão de Pessoas. Foi presidente da Manasa, empresa paranaense do segmento madeireiro de capital aberto, no período de 1991 a 1992, e executivo da Souza Cruz, no período de 1974 a 1986