Imagine que aquele seu velho amigo do trabalho mude completamente a forma de tratar os colegas depois de virar chefe. Chega sempre de cara fechada, perde o tom amigável e até parece outro. Pois, situações assim são mais comuns do que se pensa e ajudam a endossar a famosa premissa do historiador inglês John Acton de que o poder pode corromper as pessoas.
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Estudos do professor Dacher Keltner, da Universidade da Califórnia, mostram que indivíduos em posições elevadas estão muito mais suscetíveis a adotar posturas rudes, egoístas e antiéticas. As pesquisas, realizadas ao longo de 20 anos, também apontam que, conforme se sentem mais importantes, eles podem perder características boas, como a empatia e o potencial de cooperação e se tornar três vezes mais inclinados a interromper colegas em reuniões, levantar a voz e insultar quem está por perto.
O problema pode comprometer não apenas o bem-estar de um setor, como também o rendimento de uma empresa inteira. A coordenadora do curso de psicologia da UniBrasil, Graciela Sanjuta, explica que um líder sem limites tende a tornar o clima organizacional tenso ao ponto de gerar competições entre os próprios subordinados, demissões voluntárias e até processos por assédio moral. Além disso, em decorrência da pressão gerada por um chefe autoritário, muitos colaboradores chegam a desenvolver sérias doenças mentais, como as síndromes do pânico a de Burnout.
Alguns efeitos da insatisfação frente a líderes presunçosos puderam ser revelados em uma sondagem recente de 800 gerentes e funcionários em 17 indústrias. Metade dos entrevistados que afirmavam receber um tratamento rude confessaram ter diminuído seu esforço ou reduzido deliberadamente a qualidade do seu trabalho em resposta à hostilidade da chefia.
Quando as máscaras caem
Mas por que esse tipo de situação acontece? Será que o poder cria novas pessoas ou apenas revela características ocultas? De acordo com Graciela, se uma pessoa se mostra arrogante ou hostil ao ser alçada a um cargo sênior, é porque já possuía tendência para isso. A diferença é que, estando à frente de uma equipe, ela precisa tomar decisões que impactam a vida dos outros de forma muito mais direta e estas fraquezas se evidenciam.
Além disso, quando uma empresa mantém uma cultura mais focada nos resultados do que na forma como eles são alcançados, esta perspectiva vai influenciar a todos os colaboradores, inclusive, os líderes. Conforme explica a psicóloga, é muito importante que as companhias fomentem um ambiente produtivo, onde a cooperação supere o espírito de competição. “Mesmo alguém cooperativo pode acabar entrando no clima de rivalidade se está em uma organização pautada na disputa”, explica.
Outro papel importante das empresas é o de preparar as lideranças antes de subi-las de cargo. Segundo o presidente da International Coach Federation no Brasil, João Luiz Pasqual, muitas companhias se precipitam quando promovem gente boa do ponto de vista técnico, mas com pouco preparo para lidar com outras pessoas.
Na visão do coach, a insegurança é um dos aspectos que mais impulsionam comportamentos inadequados por parte das chefias, que agem com hostilidade e distanciamento no intuito de se colocarem em um terreno mais seguro na empresa. “Assim, a pessoa é menos cobrada e corre menos risco de ser exposta”, diz.
Psicopatas
Comportamentos agressivos e corruptos entre os líderes nem sempre resultam de inseguranças ou mera formação social. Sabe aquela história de que boa parte dos líderes das grandes companhias são sociopatas? Segundo o médico e diretor técnico da UNIICA, clínica psiquiátrica do Grupo Marista, João Luiz da Fonseca Martins, isso não é puro mito. João explica que é quatro vezes mais fácil encontrar indivíduos com esse perfil nas grandes empresas do que na sociedade em geral. Isso porque quem tem transtorno de personalidade antissocial é fascinado pelo poder e as grandes organizações são um território fértil para poderosos. O problema é que, como estas pessoas não possuem filtro moral , não pensam duas vezes antes de cometerem abusos para se beneficiarem na carreira.
João Luiz explica que o perfil psicopata (ou sociopata) é um dos vários perfis humanos definidos pela psiquiatria . Calcula-se que por volta de 4% dos líderes das empresas se encaixem neste padrão. Conforme elucida o psiquiatra, estes profissionais são frios, sedutores, manipuladores e não veem problema algum em mentir, ofender ou trapacear para chegar aonde querem. “São características que aparecem desde a infância, mas que podem ser tratadas com sessões de psicoterapia”, explica.
Autocrítica
Embora a dificuldade de enxergar os próprios erros seja bem maior entre psicopatas, mesmo líderes sem transtorno mental algum tendem a cometer abusos sem a consciência de que estão passando dos limites. “Eles estão fechados em si mesmos e isso os impede de ouvir o que vem de fora”, explica Pasqual. Para o coach, todo líder deve treinar uma visão externa e buscar entender como os outros o enxergam
Empatia
Rotular e reconhecer os próprios sentimentos é uma das formas mais eficazes de deixar para trás a fama de líder intransigente. Conforme expõe Dacher Keltner, em um artigo para a revista Harvard Business Review, quando a pessoa analisa a fundo seus sentimentos de alegria e confiança, está menos propensa a tomar decisões irracionais impulsionadas por eles. Quando se reconhece sentimentos de frustração, se é menos propenso a responder de maneira adversa ou conflituosa.
A coach Cibele Nardi indica outro caminho para se desenvolver como ser humano empático, sensato e justo: o Feedback 360º. Por meio deste método, o gestor obtém opiniões de seus pares, chefes e subordinados sobre sua forma de trabalhar. Uma vez aberto às opiniões que chegam, o sujeito tem a oportunidade de reparar os pontos em que mais precisa melhorar.
Embora seja amplamente utilizada pelos setores de recursos humanos, a técnica pode ser aplicada pela própria pessoa para sondar o que andam dizendo sobre ela nos corredores, aprimorar seu autoconhecimento e se tornar uma pessoa melhor. “Cabe a cada um decidir se quer ser uma inspiração ou um chefão que todo mundo odeia”.