"Desarmamento: a alegria do crime", "Cuidado na votação de 23 de outubro de 2005", "Faça um favor ao bandido: entregue as armas", "Saiba mais sobre o que querem fazer com você". Esses são títulos de mensagens que têm chegado às caixas de e-mail dos eleitores brasileiros nas últimas semanas, com a aproximação do referendo das armas. São histórias de países que passaram por processos de desarmamento, ou tiveram as leis que permitem o acesso ao armamento restrito, ou, ainda, fazem comparações entre números da violência no Brasil e os de países desenvolvidos como Estados Unidos, Suíça e Japão. Mas é melhor tomar cuidado: nem tudo nelas é verdade.

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Uma das mensagens informa que a Suíça é um dos países que tem o maior número de armas por habitantes, mesmo assim, o índice de criminalidade é quase zero. A cientista social e pesquisadora do projeto de controle de armas do Viva Rio (favorável à proibição), Josefine Borgois, apresenta números que apontam uma outra realidade. "Na Suíça, apenas 27,2% dos lares têm armas de fogo, e lá o serviço militar é obrigatório até os 30 anos para soldados e praças, e até 50 anos para oficiais."

O estudo realizado pela Rede de Pesquisa e Educação de Armas de Fogo, do Canadá, Global Firearms Deaths (Mortes Globais por Armas de Fogo, com tradução livre), comprova a afirmação. Segundo a pesquisa, a Suíça está em segundo lugar, em uma lista de 25 países de alta renda, em números de mortos por armas de fogo anualmente, com 6 mortos a cada 100 mil habitantes. Perde apenas para os Estados Unidos, com 14,24 mortos a cada 100 mil. No Brasil, em 2002, esse número chegou a 21,7.

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O advogado, professor e presidente do movimento Viva Brasil (contrário à proibição), Bene Barbosa, contesta esse resultado. "Isso não é verdade. O pessoal que é a favor do desarmamento manipula os dados para que as pessoas acreditem que o desarmamento é a solução." Josefine rebate: "O pessoal da campanha do não precisa estudar um pouco mais de história antes de falar algo".

Outro exemplo bastante citado é o da Alemanha. Segundo as mensagens, Hitler desarmou a população em 1938 para depois iniciar o massacre a milhões de judeus. Segundo Josefine, são usados exemplos históricos equivocados. "O primeiro controle de armas na Alemanha foi implementado contra milícias nazistas que estavam surgindo em 1928. Não foi usado a favor de Hitler, mas sim contra."

O nazista chegou ao poder pelas urnas em 1933 e, assim que se tornou a autoridade máxima do país, acabou desarmando ao população em benefício próprio. "Infelizmente, Hitler editou novas leis de controle de armas. Leis discriminatórias que reforçavam o poder das milícias dele e tiravam daquelas que eram contra", explica a socióloga.

A gerente de mobilização do Movimento Sou da Paz (favorável à proibição), Mariana Montoro, argumenta que, ao contrário do que Hitler fez, no Brasil está sendo realizado um referendo, que é a formas mais democrática de se editar uma lei. "Nos regimes totalitários, desarmam-se a população e armam-se as milícias para melhor subjugar os cidadãos. Além disso, qual a chance de defesa de um cidadão com um revólver contra os tanques do Exército de qualquer país no mundo?", indaga Mariana.

O professor Bene rebate essa afirmação com o episódio do Levante de Varsóvia, de 1944, quando houve uma rebelião de judeus que durou 63 dias na capital polonesa. Estima-se que 200 mil pessoas morreram lutando nesses dois meses contra os alemães. "Eles tinham algumas armas de fogo e tiveram a oportunidade de se rebelar. É claro que não é possível enfrentar tanques com revólveres, mas imagine se os 6 milhões de judeus mortos tivessem armas? Teria sido muito mais difícil e mais caro para Hitler."

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Japão e Estados Unidos são um caso à parte nessa discussão. O primeiro porque tem um índice de 0,03 morte por 100 mil habitantes ao ano. O menor índice entre os países industrializados. No país asiático, a venda de armas é proibida desde 1945, mas Bene ressalta que há um outro motivo para isso. "A cultura japonesa é muito diferente dos países ocidentais."

Em compensação, os Estados Unidos possuem o maior número de mortes por 100 mil habitantes entre os países industrializados, 14,24. Lá não há uma lei federal única, porque os estados têm autonomia para legislar, o que cria diferentes regras para o país. Contudo há algumas regras que valem para todos os estados (veja quadro ao lado).

O ex-secretário nacional de defesa de segurança pública do governo Lula, Luiz Eduardo Soares, explica que a relação armas-violência é uma evidência, reconhecida por pesquisas em todo o mundo, mas que não significa que não haja outros fatores relevantes.

"A Suíça é uma pequena e pacífica nação, que apresenta condições sociais e culturais privilegiadas. Ali, mesmo as armas são praticamente inócuas, não provocam problemas. Nenhum medida isolada poderia resolver tudo."

Vidas perdidas

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14,24 mortos a cada 100 mil habitantes é a taxa de mortalidade por armas de fogo nos Estados Unidos.