O antropólogo Luiz Eduardo Soares ficou nove meses à frente da Secretaria Nacional de Segurança Pública no governo Lula. A insatisfação com os rumos dados pelo governo na sua área e as disputas políticas no Planalto o afastaram do cargo. Sua visão sobre a eficácia do desarmamento e políticas públicas de combate ao crime, porém, continua inabalada. Em entrevista por e-mail à Gazeta do Povo, o antropólogo defende a proibição do comércio de armas, mas alerta para a necessidade de novas medidas.

CARREGANDO :)

Gazeta do Povo – O senhor acredita que a proibição do comércio de armas de fogo possa trazer resultados significativos de redução dos índices de violência no Brasil?

Luiz Eduardo Soares – Sim, por quatro razões: Primeiro que, pelo menos um terço das armas que hoje estão com criminosos tem origem legal e foram roubadas, furtadas ou negociadas ilegalmente, depois de terem sido compradas, legalmente. Com a proibição, reduziremos o estoque de armas em circulação e, portanto, imporemos uma restrição ao fluxo que alimenta parte significativa do circuito criminoso. Segunda razão: pelo menos 8 mil homicídios dolosos (aproximadamente 20% do total verificado no Brasil por ano) têm causas "fúteis", isto é, não são perpetrados por criminosos de carreira, mas por cidadãos que perdem a cabeça, numa situação passional extrema. Essas explosões emocionais só se convertem em tragédias, com desfechos fatais, porque há uma arma de fogo acessível. Se reduzirmos esta disponibilidade, restringiremos a oportunidade para esse tipo de crime, tão importante, no conjunto. A violência doméstica letal está incluída neste universo. Terceiro motivo: a disponibilidade de arma aumenta, significativamente, o risco de acidentes graves ou mesmo letais. A cada dia, três crianças são hospitalizadas com ferimentos a bala. Quarto aspecto: quem supõe que se protege, possuindo ou portando uma arma, engana-se. Estudos nacionais e internacionais comprovam que, probabilisticamente, quem está armado está mais vulnerável a violência mais intensa.

Publicidade

- O senhor é considerado responsável pela definição das políticas de segurança do governo Lula. Fora do Executivo, como vê a atuação federal no combate à violência no país?

Infelizmente, apesar da qualidade de nosso plano nacional de segurança pública, que previa a desconstitucionalização das polícias (ou seja, a liberdade federativa e republicana para que cada estado decidisse que modelo de polícia desejaria ter, mantendo o status quo se lhe conviesse) e a criação do SUSP (o Sistema Único de Segurança Pública), o governo Lula renunciou a implementá-lo, apesar da indiscutível competência e seriedade do atual secretário nacional (Luiz Fernando Côrrea). Lula desistiu de ser protagonista da segurança para evitar desgastes políticos. Hoje, o plano nacional jaz nas gavetas ministeriais. E os recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública não cessam de ser cortados. Uma lástima. O governo substituiu a implantação de seu plano de segurança pela ação da Polícia Federal, que tem um excelente diretor, mas, infelizmente, combina boas ações com shows midiáticos de desrespeito aos direitos individuais. A PF virou instrumento político do governo, para que não se perceba que Lula renunciou à segurança pública.