Os Estados Unidos chegaram a um acordo com os países que querem reduzir o controle dos americanos sobre a internet - entre eles o Brasil, a China, a Índia e os 25 membros da União Européia (UE). O texto ainda terá de ser aprovado pela Cúpula Mundial sobre a Sociedade de Informação, que começou quarta-feira na Tunísia. Mas ambos os lados já estão cantando vitória - e os dois têm razão.

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A julgar pelas declarações dos negociadores dos EUA, o acordo simplesmente ratifica a posição que eles vêm defendendo há quase três anos. A administração do Sistema de Nomes de Domínios, fundamental para o tráfego na internet, continuará a cargo da Icann - uma empresa sem fins lucrativos, baseada na Califórnia, que responde ao Departamento de Comércio americano.

O documento também prevê a criação de um fórum internacional, para debater cerca de 40 temas relacionados à governança da internet. É verdade que o fórum - cuja primeira reunião será em 2006, na Grécia - não terá mandato para supervisionar a Icann, como reivindicavam alguns países. E que isso levou o chefe da delegação americana, embaixador David Gross, a concluir que "não há nada de novo" no acordo. Mas europeus e brasileiros têm outra leitura.

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Num comunicado, a UE assegurou que a criação do fórum acabará levando a "uma maior internacionalização da governança da internet". No seu discurso, o chefe da delegação brasileira - o ministro da Cultura, Gilberto Gil - disse que o acordo serviu para "incorporar de maneira irreversível, na agenda internacional, o tema da governança na internet".

- É uma ilusão achar que nada mudará. Já mudou. Até este acordo, nem se falava de governança na internet, e quem quisesse questionar algo nem tinha a quem recorrer, além do Departamento de Comércio dos EUA. Agora há um fórum e o tema de quem controla a internet está sobre a mesa - disse Carlos Afonso, um dos membros do Comitê Gestor, que controla a internet no Brasil.

Existem vários temas que fazem parte da governança da internet - que tem mais de 870 milhões de usuários e cujo crescimento e êxito são atribuídos justamente à falta de controle por parte de governos e da burocracia. Um deles é o cibercrime: como evitar que alguém na China use a internet para esvaziar uma conta bancária no Brasil, se não há mecanismos de cooperação entre governos? Outro é a preservação do patrimônio cultural: por que um chinês, um russo ou um árabe têm dificuldades para navegar na internet se usarem apenas seu alfabeto?

Mas o que mais se discutiu foi o papel da Icann para administrar um sistema que traduz nomes, como www.oglobo.com.br, em números IP - a linguagem que os computadores entendem e que utilizam para se comunicarem uns com os outros. Criada em 1988 para organizar o tráfego na internet, a Icann também se encarrega dos protocolos, necessários para transmitir todo tipo de dado - de imagens a textos ou sons.

- O Sistema de Nomes de Domínios é o equivalente a um enorme catálogo telefônico da internet. Se não for atualizado fica difícil encontrar um número e ligar para a pessoa que estamos procurando - explicou Rogelio Santanna, secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento.

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Segundo ele, ao contrário do que dizem os americanos, o trabalho da Icann não é apenas técnico. Muitas decisões - como a criação de um domínio genérico, por exemplo .travel - respondem a critérios financeiros. Para registrar um nome, como www.riodejaneiro.travel, é preciso pagar US$ 50 por ano.

- O que estamos discutindo é o futuro da internet e do comércio eletrônico. Em alguns anos, outras máquinas além do computador terão números IP. Podemos ter geladeiras inteligentes, que enviam mensagens ao celular do proprietário avisando que é preciso comprar leite. A distribuição desses números, que afetam várias indústrias, não pode ser controlada por um único país - disse Santanna.

Por isso, o debate sobre o tema deve continuar, mesmo depois do fim da cúpula de Túnis, sexta-feira.