A possibilidade de mais um aumento nas tarifas de energia elétrica do Brasil ameaça levar a uma nova guerra judicial no setor, com reclamações generalizadas sobre custos elevados da eletricidade após dois anos de seca e intenso uso de termelétricas, que são mais caras que as hidrelétricas.
Depois que a Abrace, associação que representa grandes indústrias como Alcoa, Braskem e Dow, conseguiu uma liminar para reduzir os pagamentos de um encargo cobrado nas contas de luz, outros consumidores começaram a se movimentar.
Isso porque desonerar parcialmente as sócias da Abrace jogará o encargo para os demais usuários do sistema, o que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estima que poderá elevar as contas residenciais em até 9% nos próximos reajustes tarifários.
Segundo estimativas do Banco Central, que ainda não incorporam essa possibilidade, os preços da energia elétrica deverão fechar este ano com alta de 50,9% ante 2014.
A Associação Nacional de Consumidores de Energia (Anace), que representa empresas dos setores produtivo e comercial, como BRF, Souza Cruz e BR Malls, já estuda ir também à Justiça para evitar um novo aumento de custos.
“Obviamente, existe uma grande preocupação, porque você acaba transferindo maior custo para o consumidor. A grande pergunta é até que ponto se consegue manter o nível de produção competitivo com esse aumento. Estamos hoje analisando propostas de alguns escritórios de advocacia para também poder questionar a cobrança de encargos”, disse à Reuters o presidente da Anace, Carlos Faria.
O encargo questionado pelas empresas, chamado Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), custeia o acionamento de termelétricas e diversos subsídios ao setor elétrico, e é o principal responsável pela elevação dos custos da energia neste ano.
No final de fevereiro, a Aneel estimou que a cobrança da CDE nas contas arrecadará R$ 25,2 bilhões em 2015, alta de 40% frente aos R$ 18 bilhões de 2014.
O advogado Rafael Janiques, do escritório Advocacia Waltenberg, acredita que a tendência é de uma nova corrida aos tribunais, com uma crescente discussão sobre quem arcará com os custos caso grupos específicos sejam beneficiados com liminares.
“Está se criando uma nova novela. Não tenho dúvidas de que o setor tende a questionar a CDE. É um efeito dominó. Se uma associação obtém uma liminar, o impacto é muito grande (para os demais consumidores). Eles vão buscar na Justiça esse direito”, disse Janiques.
Ele comparou a situação a uma outra briga judicial em andamento no setor, envolvendo o déficit de geração das hidrelétricas, também causado pela seca. Diversas liminares protegendo usinas de prejuízos paralisaram as liquidações financeiras do mercado de eletricidade enquanto o governo negocia um acordo com as empresas.
Ação
O presidente da Abrace, Paulo Pedrosa, disse que a associação tem dialogado positivamente com o governo, mas questionou o encargo nos tribunais por “questão de sobrevivência” dos associados.
“Para algumas indústrias, é uma situação grave. Para outras, é realmente insuportável. Temos empresas em que só a projeção dos pagamento de CDE nos próximos 12 meses é o dobro do faturamento do ano passado. É uma situação que está custando emprego”, disse Pedrosa.
Para o presidente da entidade, que representa grandes consumidores industriais de energia, a Aneel tenta ganhar tempo enquanto busca derrubar a liminar, uma vez que abriu audiência pública para discutir como aplicar a decisão judicial ao invés de conceder os descontos imediatamente.
“O pior é que isso nos colocou em uma situação em que parece que somos adversários das distribuidoras de energia ou dos pequenos consumidores. Mas o consumidor precisa de emprego, e precisa comprar o produto que é onerado pelo custo da energia para a indústria”, argumentou Pedrosa.
A audiência pública vai até o dia 16 de setembro, o que significa postergar o cumprimento da liminar em pelo menos um mês em relação à data da decisão judicial.
Na reunião que abriu a audiência pública, o diretor-geral da Aneel, Romeu Rufino, admitiu que é necessário “rediscutir o nível de subsídios do setor” para que a questão não leve a novos impasses.
“O conjunto de subsídios custeados pela CDE leva a uma conta de um tamanho que está ficando de fato insuportável. (Mas) Aí não adianta, o usuário do sistema tem que pagar. Se cada um pretende ver refletido numa ação judicial o que acha justo de alocar, certamente ninguém vai achar justo, nem o consumidor residencial e os demais”, disse Rufino.
Residências
Do lado dos clientes residenciais, a Associação Nacional de Defesa do Consumidor (Anadocon) ingressou com uma ação coletiva nesta semana em que tenta reduzir as contas de luz por meio da suspensão da cobrança das bandeiras tarifárias, mecanismo que foi lançado neste ano e eleva o preço do quilowatt-hora em situações de escassez da oferta de energia, como a atual.
“Ao que tudo indica, os aumentos nas contas de energia elétrica dos pobres consumidores aumentarão cada vez mais... ao longo dos anos a União nada fez para resolver os problemas... caracterizando-se uma omissão que vem gerando prejuízos aos cidadãos”, argumenta a entidade na ação, que pede suspensão das bandeiras em caráter liminar.