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Com falta de recursos da caderneta de poupança, a Caixa Econômica Federal se viu obrigada a frear o fechamento de contratos de financiamento de imóveis. Pessoas ligadas ao setor imobiliário e que preferiram não se identificar informaram à Gazeta do Povo que o banco estatal estaria sem lastro de funding, que são as fontes de financiamento destinadas a contratos de aquisição de imóveis.
Procurado, o banco não confirma nem desmente a falta de recursos. Diz apenas que a carteira está crescendo mais que o programado e que "estuda constantemente" medidas para atender a "demanda excedente".
Apesar de ser costumeiro atingir o limite destinado para financiamentos imobiliários entre novembro e dezembro, já que cada banco destina uma determinada cota e ela se exaure ao longo do ano, bater no teto já entre setembro e outubro é menos comum. Além disso, contraria os prognósticos da presidência da Caixa, que garantiam um 2024 com investimento pleno – as previsões de limitação eram para 2025.
Recentemente, a Caixa avisou a agentes imobiliários que vai reduzir o valor financiável da casa própria. As novas regras valerão a partir de 21 de outubro. Em alguns casos, a proporção de financiamento do imóvel cairá de 80% para 70%, com teto de R$ 1,5 milhão para o valor máximo do bem.
De acordo com o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Renato Correia, a escassez de financiamentos se deve à baixa nos recursos das cadernetas de poupança, uma das fontes que compõem os recursos do funding.
Correia explica que a caderneta de poupança, nos últimos três anos, vem sofrendo muito com a alta da Selic, que leva as pessoas a buscarem outro tipo de investimento. Os reflexos são sentidos no sistema de poupança da Caixa e de outros bancos, incluindo os privados.
“Como a Caixa Econômica Federal é muito procurada por clientes e empresas, devido à sua dominância no mercado imobiliário, o que aconteceu? O orçamento de empréstimo para pessoa jurídica encerrou-se em setembro”, explicou.
Embora o banco tenha disponibilizado alternativas para as empresas que buscam financiamento imobiliário, elas acabam sendo mais caras. "Então, sim, fica mais caro, e sim, não é o ideal, mas é o que está posto em função do 'remédio amargo' da alta da taxa Selic”, afirmou o presidente da CBIC.
Iago Porto, vice-presidente da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi) de Uberlândia (MG), diz que até mesmo os créditos ao setor feitos via FGTS podem sofrer algum abalo. A culpa seria do saque-aniversário, que estaria tirando grande volume de recursos do Fundo de Garantia.
Para a Gazeta do Povo, a Caixa Ecnômica Federal afirmou que – tendo em vista o montante destinado pelo Orçamento de 2024 para habitação e a demanda do mercado – a carteira de investimentos para o setor irá superar o programado, que era de aumento de 8% a 12% em relação ao ano passado.
"Assim, informamos que a Caixa estuda constantemente medidas que visam ampliar o atendimento da demanda excedente de financiamentos habitacionais, inclusive participando de discussões junto ao mercado e ao governo, com o objetivo de buscar novas soluções que permitam expansão do crédito imobiliário no país, não somente pela Caixa, mas também pelos demais agentes do mercado", afirmou o banco em nota.
Necessidade de expansão de crédito para imóveis está no radar da Caixa desde o início do ano
Uma possível escassez de recursos diante da necessidade de expansão de crédito para o setor já era aventada pela diretoria do banco desde o início do ano. Em fevereiro, o presidente da Caixa, Carlos Vieira, afirmou que “para 2024 o orçamento está resolvido, mas vamos ter problemas a partir de 2025. "Vamos para cima com essa discussão”, disse.
Um pouco mais adiante, em agosto, a vice-presidente de Habitação da Caixa, Inês Magalhães, disse que não havia “bala de prata” para resolver o problema do funding da habitação e que seria preciso um conjunto de ações nesse sentido.
“Não é que não tem dinheiro, o que queremos é que ele não custe mais do que custa hoje”, disse a vice-presidente da instituição durante uma coletiva para a imprensa sobre os resultados do segundo trimestre.
Na mesma ocasião, Vieira voltou a comentar o tema, afirmando que nenhuma solução seria atingida em 90 dias, mas que até o fim do ano ainda havia tempo para se “encontrar caminhos e construir oportunidades”.
Caixa é o principal banco para financiamento de imóveis
A Caixa informou que até setembro deste ano concedeu R$ 175 bilhões de crédito imobiliário, o que representa um aumento de 28,6% em relação ao mesmo período de 2023. Ao todo, o banco realizou 627 mil financiamentos de imóveis, que beneficiaram cerca de 2,5 milhões de pessoas.
A carteira de crédito habitacional da Caixa ultrapassa R$ 800 bilhões, com mais de 7 milhões de contratos ativos. O banco é o principal financiador da casa própria no país, com 68% do mercado.
O crescimento do setor pode esbarrar, no entanto, no estoque das poupanças, que alimenta o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos (SBPE), cuja finalidade é promover o financiamento imobiliário por meio da captação e do direcionamento desses recursos para bancos públicos e privados.
Até setembro deste ano, a Caixa informou que sua participação no mercado de financiamentos via SBPE foi de 48,3%, correspondendo a R$ 63,5 bilhões das operações realizadas pelo banco no setor imobiliário.
Ocorre que, desde 2021, o saldo entre depósitos e saques na poupança é negativo. Naquele ano, o saldo deficitário foi de R$ 35,5 bilhões, volume que praticamente triplicou em 2022, chegando a R$ 102,3 bilhões. Já em 2023, o saldo negativo chegou a R$ 87,8 bilhões, valor praticamente já igualado entre janeiro e setembro de 2024, com R$ 86,1 bilhões.
Com poupança em baixa, setor imobiliário busca outras fontes
De acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), em 2021 a poupança era responsável por 46% do funding imobiliário. Em 2023 esse percentual havia baixado para 34%, uma redução de 12 pontos percentuais em apenas dois anos.
O movimento contrário ocorreu com os instrumentos de financiamento privado, como certificados de recebíveis imobiliários (CRI), fundos imobiliários (FII), letras de crédito imobiliário (LCI) e letras imobiliárias garantidas (LGI) cuja participação aumentou de 27%, em 2021, para 40%, em 2023.
Ocorre que esses instrumentos, em geral, têm taxas de juros mais elevadas do que aqueles financiados pela poupança. Segundo Renato Correia, a escassez de recursos da poupança fez com que a Caixa passasse a oferecer outras formas de financiamento para as empresas que querem contratar empréstimos imobiliários.
“Alternativamente, a Caixa está oferecendo, para as empresas que querem contratar empréstimo durante esses 90 dias finais [de 2024], recursos de outras fontes dela, que normalmente são mais caros e realmente não é o ideal”, avaliou.
Correia ainda explicou que os impactos para a Caixa são menores, pois seu sistema de empréstimo para pessoas jurídicas permite o "desligamento", ou seja, o repasse do financiamento para a pessoa física que compra o imóvel mesmo antes da conclusão da obra. Essa possibilidade reduz o impacto da escassez de recursos e juros mais altos em relação a outros bancos, que geralmente só desligam o cliente PJ no fim da obra.
Empreendimentos de baixa renda têm financiamento garantido
Embora não tenham sofrido limitações, os financiamentos imobiliários com recursos do FGTS também podem ter dificuldades à frente.
Iago Porto alega que até mesmo esses recursos podem estar em risco. Uma das razões é o saque-aniversário, cujas retiradas, em alguns meses, ultrapassaram os montantes destinados ao financiamento habitacional com recursos do Fundo.
Segundo Porto, os créditos imobiliários via FGTS são direcionados basicamente para o segmento popular, ou seja, para financiar empreendimentos imobiliários de projetos como o Minha Casa, Minha Vida.
Em agosto deste ano, por exemplo, o governo precisou liberar R$ 23 bilhões extraordinários do FGTS para turbinar o programa de habitação, elevando os recursos oriundos do Fundo de Garantia destinados a moradia de R$ 97 bilhões para R$ 120 bilhões.
Porto avalia que não há uma concorrência e uma relação direta entre o saque-aniversário – que o governo até estuda extinguir – e os créditos imobiliários via FGTS. No entanto, como ambos são retirados da mesma fonte, dependendo do volume, pode ser que haja interferências.
A esse respeito, Renato Correia analisa que a escassez de financiamentos é uma possibilidade, pois o mercado está aquecido e as empresas estão lançando novos projetos. “Então pode ocorrer, no final do ano, de faltar alguma coisa para contratar para pessoa jurídica. Não acredito que vá faltar para pessoa física”, mencionou.
Esses recursos estão, inclusive, garantidos no Orçamento da União e, caso não haja contingenciamento pelo governo, não estariam sujeitos a restrições de financiamento. Em alguns desses casos, por exemplo, os recursos vêm via Ministério das Cidades e são administrados pela Caixa Econômica Federal.
Com os investimentos do governo em alta, Renato Correia se mostra otimista com as perspectivas para o próximo ano. “De toda forma, a partir de 1.º de janeiro, entra o orçamento de 2025 e as contratações voltam a fluir normalmente, como estão sendo feitas este ano. Essa é a nossa visão, e é óbvio que preferiríamos que o dinheiro não faltasse, mas o orçamento do FGTS já foi bastante aumentado, e a caderneta de poupança reflete os juros altos”, conclui.