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Aplicações

O que será da “poupança forçada” feita pelas famílias em 2020, e como isso afeta o consumo

Com avanço da Covid, famílias tendem a conter o consumo e demorar mais a gastar a "poupança forçada" que fizeram em 2020.
Com avanço da Covid, famílias tendem a conter o consumo e demorar mais a gastar a "poupança forçada" que fizeram em 2020. (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

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O avanço da pandemia de Covid-19 levou os brasileiros a fazer uma "poupança forçada", guardando pouco mais de R$ 265 bilhões no segundo e terceiro trimestres do ano passado, o equivalente a 12% do consumo do período, segundo estudo feito pelo Centro de Estudos de Mercado de Capitais (Cemec) da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).

Embora já tenha havido resgates em aplicações como a caderneta de poupança neste início de ano, há divergências sobre quanto do dinheiro acumulado ao longo de 2020 será gasto em 2021 e, portanto, sobre qual será a contribuição dele para a retomada econômica.

Economistas têm visões distintas sobre a questão. O governo, enquanto isso, faz uma leitura positiva do cenário e acredita que o dinheiro guardado "fortalecerá a recuperação".

Dois fatores explicam o acúmulo de recursos em 2020, explica Carlos Antônio Rocca, coordenador do estudo: o afastamento social reduziu o consumo de bens e serviços, e o aumento das incertezas na economia, no emprego e nos negócios fizeram com que as famílias retivessem recursos.

Um dos termômetros do comportamento de precaução das famílias pode ser visto na perda de participação do consumo das famílias no PIB em parte do ano passado. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esta proporção caiu de 64,3% no primeiro trimestre do ano passado, índice próximo à média histórica, para 61,2% no segundo e terceiro trimestres de 2020. Apenas no quarto trimestre ela retornou para perto do patamar tradicional, chegando a 63,9%.

O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, aponta que essa “poupança forçada” foi feita principalmente pelas classes média e alta.

Incertezas associadas à nova onda de Covid-19 podem inibir desembolso

Não há certeza sobre quando o consumidor vai desembolsar o dinheiro guardado, nem sobre quanto ele gastará. Da mesma forma que tiveram grande influência sobre a formação de poupança ao longo de 2020, a evolução da pandemia e das medidas de fechamento do comércio e dos serviços – retomadas em boa parte do país neste início de ano – parecem ter um grande peso nessa definição.

Segundo o coordenador do Cemec-Fipe, neste primeiro semestre, as incertezas associadas ao novo ciclo de contágio de pandemia, a adoção de novas ações de afastamento social e o avanço relativamente lento da vacinação devem manter a atuação dos fatores que têm inibindo a demanda de consumo.

“Há uma retomada muito intensa da Covid, o número de internados nas UTIs está em seu maior nível e há a difusão de novas cepas”, explica Rocca.

O comércio já está incorporando esse cenário mais cauteloso às suas expectativas. A intenção de consumo das famílias, estimada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), apresentou, em fevereiro, a primeira queda mensal depois de cinco meses de alta. É o pior desempenho para o mês desde o início da série histórica, em 2010, aponta a entidade.

A maior parcela das famílias (50,8%) demonstrou uma perspectiva profissional negativa em fevereiro. Elas também acreditam que vão consumir menos nos próximos três meses.

A poupança ajudando na retomada

Os analistas do Bradesco são um pouco mais otimistas. Em relatório divulgado nesta quarta, eles apontam que o uso da poupança formada ao longo de 2020 e os novos pagamentos do auxílio emergencial deverão impulsionar a retomada da economia nos próximos meses.

"A poupança das famílias formada ao longo de 2020 foi quase 60% superior à registrada no ano anterior, e tal incremento, caso totalmente gasto, seria capaz de suavizar a retirada dos estímulos relacionados à renda", escrevem as analistas Ariana Zerbinatti e Myriã Bast.

Em nota publicada nesta segunda-feira (15), a Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia afirma que "a taxa de poupança permite que o setor privado tenha recursos adicionais para contribuir com a retomada do consumo e do investimento".

Na avaliação dos técnicos, o aumento da taxa de poupança é um dos três fatores que dão condição a uma recuperação mais consistente da economia. Os outros dois são o aumento robusto no saldo de crédito via bancos privados e o fato de que o "ajuste" no mercado de trabalho se deu mais sobre as ocupações informais, que são mais flexíveis e tendem a se recuperar mais rapidamente.

A taxa de poupança, observa a SPE, fechou 2020 em 15% do PIB, bem acima dos 12,5% de 2019. "Tanto na crise de 2009 como na de 2015-16 a taxa de poupança caiu. Contudo, na crise gerada pela pandemia de Covid-19 em 2020 a taxa de poupança teve incremento significativo, atingindo seu maior valor em cinco anos", diz a nota.

A questão parece ser justamente quando o dinheiro será gasto. Na avaliação dos técnicos do Ministério da Economia, a saída da crise da Covid-19 será mais rápida que em ocasiões anteriores. Porém, a própria nota dá sugestões de política econômica que ainda não se efetivaram: vacinação em massa, consolidação fiscal e reformas pró-mercado.

"Vacinação em massa para garantir o retorno mais rápido do mercado de trabalho via redução das medidas restritivas de combate a pandemia; consolidação fiscal para manter as condições financeiras propícias ao investimento e a inflação e o risco-país sob controle; e reformas pró-mercado para dinamizar o crescimento de longo prazo da economia brasileira", diz o texto.

"Emergências" de início de ano podem ter levado a resgates na caderneta

Fato é que ao menos uma pequena parte da "poupança forçada" feita nos piores momentos da crise no ano passado já foi retirada das aplicações financeiras.

Ao mesmo tempo em que inibem o consumo, as incertezas relacionadas ao avanço da Covid-19 e o fechamento de atividades, associadas ao não pagamento de auxílio emergencial em janeiro e fevereiro, podem ter levado muita gente – em especial das classes mais baixas – a resgatar parte do dinheiro aplicado para dar conta dos compromissos de início de ano.

No primeiro bimestre do ano, os resgates líquidos da caderneta de poupança atingiram R$ 23,9 bilhões. A maior parte desse valor, cerca de R$ 18,1 bilhões, foi sacada em janeiro, segundo dados do Banco Central.

Por outro lado, a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima) aponta que empresas e famílias aplicaram R$ 34,3 bilhões em fundos no primeiro bimestre do ano.

Rearranjo de aplicações

As famílias também aproveitaram a pandemia para fazer um rearranjo em suas aplicações financeiras. O principal motivador foi a queda no juro básico da economia, que caiu de 5% ao ano, no início de 2020, para 2% ao ano, em setembro.

Segundo a Cemec-Fipe, saíram R$ 63,7 bilhões de fundos de investimento e foram R$ 133,9 bilhões para depósitos a prazo, como os CDBs; R$ 120,7 bilhões para a poupança e R$ 56,4 bilhões foram destinados às ações. “As taxas reais negativas [isto é, retorno abaixo da inflação] acabaram contribuindo para mudanças no perfil do investidor brasileiro”, diz Rocca.

O bom momento do mercado acionário foi aproveitado pelas famílias. Entre o piso da cotação do Ibovespa em 2020, registrado em 23 de março, quando o índice atingiu 63.569 pontos, e o final do ano, as ações tiveram uma valorização média de 87,22%. O período coincide com o aumento de IPOs por parte das empresas.

Conteúdo editado por: Fernando Jasper

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