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O montante de precatórios (dívidas decorrentes de sentenças judiciais) a serem pagos pela União aumenta sem tréguas há nove anos. O valor projetado para 2021 para pagar esse tipo de despesa (R$ 55,5 bilhões) equivale a quase quatro vezes o desembolsado no início da década passada, segundo dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siaf) compilados pela Associação Contas Abertas.
Mas o "meteoro" – termo que vem sendo utilizado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes – deve chegar mesmo em 2022, ano eleitoral. Serão quase R$ 90 bilhões em precatórios, o que corresponde a um aumento de mais de 60% em um único ano.
O crescimento pode começar a inviabilizar o Orçamento, uma vez que o avanço dessa despesa, que é obrigatória, ameaça comprometer o teto de gastos e, com isso, diminuir ainda mais a margem para despesas discricionárias – aquelas que são de livre escolha, como os investimentos públicos.
Em 2022, o gasto estimado com as sentenças judiciais será equivalente a quase 70% de todas as despesas discricionárias projetadas pelo governo. É difícil prever o que ocorrerá na sequência, pois tudo depende de decisões da Justiça. Mas, a persistir o aumento quase ininterrupto observado ano a ano, a tendência é de que em algum momento o gasto anual com o pagamento desse tipo de dívida supere todas as despesas "livres" do governo.
A proposta do governo para lidar com essa questão é uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que permita o parcelamento dos precatórios. A ideia é dar mais previsibilidade ao fluxo de pagamentos – uma vez que os valores determinados pela Justiça são mais difíceis de prever – e, principalmente, compatibilizar essas despesas com o teto de gastos, principal âncora fiscal do país, que impede que a soma das despesas públicas cresça mais que a inflação. Porque, além de limitar o espaço para gastos discricionários, o crescimento dos precatórios também tem comprimido a "margem fiscal" que o governo tem sob o teto.
Hoje, a Constituição permite que o governo parcele apenas precatórios de valor muito elevado, que individualmente superem 15% do montante total de precatórios programados para o ano. Mas, na perspectiva do governo, essa regra se tornou inócua e precisa passar por um processo de "modernização".
Parte do dinheiro poupado com o parcelamento deve ser usada para financiar a ampliação do Bolsa Família, rebatizado de Auxílio Brasil, que prevê ao menos oito tipos de benefícios. Entre outras coisas, o novo programa social deve conceder aos beneficiários uma espécie de vale-creche, auxílio para alunos que se destacarem em competições escolares esportivas e competições acadêmicas e científicas.
Confira a seguir as principais perguntas e respostas sobre os precatórios, sua evolução no tempo e o parcelamento planejado pelo governo.
O que são precatórios?
Precatórios são dívidas decorrentes de sentenças judiciais e que não são mais passíveis de recursos, uma vez que já percorreram todas as instâncias da Justiça. No jargão jurídico, essas situações são chamadas de "trânsito em julgado".
Esses débitos podem decorrer tanto de ações judiciais relacionadas a salários, pensões, aposentadorias e indenizações como de questões relacionadas a desapropriações e tributos, por exemplo.
Qual foi crescimento do gasto com precatórios nos últimos anos?
No ano de 2010, a União desembolsou R$ 14,3 bilhões do Orçamento para quitar precatórios. A conta subiu para R$ 18,9 bilhões em 2014 e, desde então, passou a crescer mais rápido.
Em 2021, o governo federal deve pagar R$ 55,5 bilhões em dívidas dessa natureza. Quase todo o valor já foi desembolsado – até 6 de agosto, restavam apenas R$ 451 milhões a pagar no ano.
Em 2022, o governo terá de desembolsar quase R$ 90 bilhões caso não consiga parcelar os precatórios.
Por que o gasto com precatórios vai crescer tanto em 2022?
O forte aumento da despesa em 2022 se deve principalmente a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que tramitaram por cerca de 20 anos e são relacionadas ao Fundef, hoje transformado em Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). A Corte obrigou a União a ressarcir estados e municípios pelo cálculo incorreto do Fundef, e será preciso desembolsar mais de R$ 15 bilhões do Orçamento.
Ao Poder360, o STF informou que apenas oito processos julgados pela Corte em 2021 somam R$ 16,6 bilhões em precatórios. Os processos foram ajuizados em anos distintos desde 2002 e tiveram relatoria de cinco ministros diferentes na fase final (Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e Edson Fachin), segundo o Supremo.
Outros precatórios são de ações relacionados ao pagamento de royalties de estados, subsídios tarifários e fundo de participação.
O governo não sabia que o valor seria alto?
O ministro Paulo Guedes declarou publicamente que o governo foi surpreendido pelo montante de precatórios a serem pagos em 2022. Porém, reportagem do jornal "O Estado de S. Paulo" revelou que a Advocacia-Geral da União (AGU) já vinha emitindo alertas sobre essa questão, mencionando a possibilidade de emissão de determinados precatórios por parte do STF. Houve comunicados em março, maio e junho.
Os valores de precatórios remetidos pelo STF e outros tribunais para o governo federal podem variar muito de um ano para outro, pois naturalmente dependem do que será julgado, das vitórias e derrotas do Executivo e da data de julgamento. Após a decisão final, o Judiciário deve comunicar o Ministério da Economia sobre os novos precatórios até o fim de julho de cada ano, e essas dívidas precisam ser pagas até o fim do ano seguinte. Dívidas resultantes de processos julgados de agosto em diante, portanto, ficam para depois.
Como o prazo final para a entrega da proposta de Lei Orçamentária (LOA) do exercício seguinte ao Congresso Nacional vence sempre em 31 de agosto, o Executivo costuma ter apenas um mês para programar a despesa com precatórios do ano seguinte.
"Uma vez que [os processos] tramitam no Judiciário, isso diminui nossa capacidade de monitoramento e incorporação dessas despesas. O Executivo não consegue influenciar", disse Bruno Funchal, secretário especial do Tesouro e Orçamento, em entrevista coletiva na terça-feira (10). "Temos muito esqueletos passados, e temos que lidar com eles."
Economista e analista de Planejamento e Orçamento do Ministério da Economia, Ariosto Antunes Culau disse em coletiva que o crescimento desses gastos nos últimos dez anos já havia "ligado um sinal de alerta", e que a compressão das despesas discricionárias em razão do aumento dos precatórios "é fator de grande risco para a gestão das políticas públicas e do Orçamento".
Qual a estratégia da União para lidar com as dívidas?
O governo federal preparou uma proposta de emenda constitucional (PEC) para permitir à União parcelar o pagamento de precatórios.
Hoje, a divisão já é permitida pela Constituição da seguinte maneira: podem ser parcelados em até seis vezes os chamados "superprecatórios" – aqueles que, individualmente, ultrapassam em 15% o valor de toda despesa com precatórios. Segundo a equipe econômica, apenas dois precatórios do Orçamento foram parcelados sob essa regra em 2021.
Agora, o governo propõe duas regras para o parcelamento, uma temporária e a outra permanente.
A primeira, de caráter temporário e cuja vigência terminaria em 2029, prevê o parcelamento de dívidas cuja soma total for superior a 2,6% da receita corrente líquida (RCL) dos 12 meses anteriores. Segundo a Economia, atualmente 8.771 dos precatórios se enquadram nessa situação. A PEC prevê o pagamento inicial de 15% do valor e o parcelamento do restante em nove anos.
A segunda regra, de caráter permanente, prevê o parcelamento de todo precatório que for superior a R$ 66 milhões. Da mesma forma que na regra temporária, 15% do valor seria pago à vista e o restante, em nove prestações. De acordo com o governo, 47 precatórios a serem pagos em 2022 se enquadram nessa regra.
Pela proposta, as sentenças consideradas de pequeno valor, de até R$ 66 mil, serão pagas na íntegra, sem parcelamento.
O dinheiro será destinado aos juízes responsáveis pela sentença, que decidem pela liberação imediata do recurso ou não. Não se trata, portanto, de uma compensação automática entre devedor – neste caso, a União – e o credor.
"O Brasil, como ente soberano, tem capacidade de honrar os precatórios. Mas a medida que estamos trazendo busca compatibilizar o crescimento dos precatórios com a regra fiscal mais importante que temos, o teto de gastos", disse Jeferson Bittencourt, diretor de programas na Secretaria Especial de Fazenda do Ministério da Economia.
O governo também propõe um novo indexador para os precatórios, sugerindo que as dívidas sejam corrigidas exclusivamente pela taxa básica de juros (Selic). Atualmente, os débitos também podem ser atualizados pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais 6% ao ano. A equipe econômica afirma que a mudança não representa perda para os credores, muito embora atualmente a aplicação da Selic represente uma perda em relação à inflação.
Quanto o governo pode economizar e quantos precatórios podem ser parcelados?
Segundo informações divulgadas nesta terça pelo Ministério da Economia, o parcelamento dos precatórios pode gerar um espaço de cerca de R$ 33,5 bilhões no Orçamento de 2022. Embora não haja um destino "oficial" para esse dinheiro, a tendência é de que ele seja usado para financiar o programa social Auxílio Brasil, sucessor do Bolsa Família.
Ainda de acordo com a pasta, 3,3% do total de precatórios programados para 2022 – cerca de 8,8 mil precatórios, de um total de quase 264 mil – estariam sob a regra proposta e, portanto, seriam pagos parceladamente a partir do ano que vem.
O que é o fundo que o governo quer criar e para que ele vai servir?
Na mesma PEC, o governo também quer criar um fundo de liquidação de passivos, de propriedade exclusiva da União, para bancar os precatórios parcelados e dívidas ativas fora do teto de gastos.
O fundo, que ao contrário do esperado não deve destinar parte do dinheiro para o Auxílio Brasil, estará sujeito às regras de controle da administração pública. "Queremos incentivar um instrumento que permita trazer ganho de eficiência para a máquina publica", afirma Funchal.
Também deve haver dentro do fundo uma espécie de "mecanismo de encontro de contas", em que será possível quitar ou negociar passivos entre União e estados.
Os recursos que vão compor o fundo, segundo o governo, devem vir da "alienação de imóveis da União, da alienação de participação societária de empresas, dividendos recebidos de empresas estatais deduzidas as despesas de empresas estatais dependentes, da outorga de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessão negocial, da antecipação de valores a serem recebidos a título do excedente em óleo em contratos de partilha de petróleo e da arrecadação decorrente do primeiro ano de redução de benefícios tributários".
O parcelamento dos precatórios pode formar uma "bola de neve"?
O Ministério da Economia afirma que o objetivo da PEC é justamente dar previsibilidade ao fluxo de pagamentos e respeitar o teto, apesar de a própria equipe admitir, quando questionada, que não há como saber qual será o estoque de dívidas pendentes ao fim do regime temporário, em 2029.
Na prática, a previsibilidade defendida pelo governo deve se dar apenas com relação às despesas imediatas, não sendo possível prever o passivo – da ordem de dezenas ou centenas de bilhões de reais – que será acumulado nos próximos anos.
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