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Consumo

Preço alto dos alimentos: não culpe apenas o clima

Tomates de Contenda, região metropolitana de Curitiba. Área de 3 hectares também produz milho, repolho, abóbora e cebola | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
Tomates de Contenda, região metropolitana de Curitiba. Área de 3 hectares também produz milho, repolho, abóbora e cebola (Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo)

O Brasil, uma superpotência agrícola de altos e baixos com terras férteis em abundância, está lutando para fornecer alimentos de forma consistente e a preços acessíveis para sua população. Para entender como, considere o tomate.

Os preços da fruta vermelha dispararam 122% em março ante o ano anterior, colocando-o na capa de duas revistas nacionais, estimulando relatos de tráfico de tomate da Argentina e acendendo indignação nacional sobre como qualquer produto poderia custar mais nos trópicos do que em, digamos, o frígido Alasca.

A produção do Brasil de commodities de exportação como soja, milho, açúcar e café está crescendo mais rápido que em qualquer lugar do mundo, e ninguém está alertando sobre uma iminente escassez de alimentos em um país tão rico em recursos naturais.

Mas a maior economia da América Latina possui duas contrastantes políticas agrícolas. Culturas de exportação são um modelo de capacidade tecnológica e alta rentabilidade, enquanto as fazendas responsáveis pela alimentação de uma classe crescente de consumidores permanecem quase nas mesmas condições há décadas: em sua maioria pequenas e familiares.

Oprimidos por dívidas, vulneráveis a danos do tempo e espremidos para fora de suas terras pelas culturas de commodities, essas fazendas são o primeiro elo de uma longa cadeia de ineficiências que fizeram os preços dos alimentos subirem em um país ainda marcado pela sua longa história de inflação galopante. Como em muitos países em desenvolvimento, a comida responde por uma grande fatia do índice de preços ao consumidor do Brasil, 22%.

"O governo não sabe o que é agricultura, ele só sabe o que é agricultura na balança comercial", disse o agricultor Ciro Cury, que cultiva 10 tipos de tomates em uma fazenda em Salto, no interior de São Paulo. "Não temos nenhuma estratégia de trabalho, nenhum levantamento de dados das regiões... A gente não pode ser chamado de celeiro do mundo, não temos as políticas para isso", acrescentou ele, ao examinar tomates recém-colhidos das dezenas de estufas que administra.

Apesar da mão de obra escassa e do transporte problemático, o governo federal prefere delegar a alta recente dos alimentos a fatores sazonais. "Houve alguns problemas em função da clima, um pouco da seca que aconteceu depois da chuva em algumas regiões. Mas é uma política bem definida para essas culturas através de linhas de crédito, intervenção por preço mínimo", disse o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller.

Áreas e logística limitam produção

Terras para culturas destinadas ao mercado interno também são cada vez mais escassas. Dados IBGE mostram que a área plantada com arroz e feijão – alimentos básicos da dieta nacional – caiu cerca de 30% desde 1990, quando a população era 25% menor.

"Há uma clara divisão na agricultura brasileira", disse o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), João Pedro Stedile. "Há 16 milhões de trabalhadores na agricultura familiar, eles têm apenas 15% da terra, mas plantam 80% do que é consumido no mercado interno."

Ciro Cury e outros agricultores não podem se mover muito longe das cidades em busca de terras mais baratas e trabalhadores também porque os vegetais iriam estragar antes de chegarem aos mercados consumidores. "As restrições de transporte são um problema crônico no Brasil", comenta o professor Geraldo Barros, da Universidade de São Paulo, em Piracicaba.

Atacado

Além da falta de trabalhadores, terra e dificuldade no transporte, há uma outra parte da história da inflação de alimentos no Brasil: a grande diferença entre os preços no atacado e ao consumidor.

"O poder de compra mais forte fez as companhias passarem todos os aumentos de custos para os consumidores, e também inibiu as empresas de baixarem os preços quando os custos começaram a cair no portão da fazenda", disse o economista Mauricio Nakahodo, do Bank of Tokyo-Mitsubishi, em São Paulo.

Os recentes preços altos não se reverterão em lucro para os produtores. Uma caixa de seus tomates padrão no atacado custa R$ 3,50, mas estava sendo vendida por quatro vezes esse valor em um supermercado local, disse Cury.

A pequena margem de lucro limita a capacidade dos agricultores de aumentarem a produção, colaborando para mais um ciclo de preços elevados para a próxima safra. "Se a gente não tiver uma política agrícola de pequenas culturas para garantir alimentação, nós vamos ter sérios problemas em 10 anos."

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Mão de obra

Pleno emprego, mas não no campo

O alto preço dos alimentos é estimulado também pela falta de mão de obra no campo. O setor de serviços têm atraído os trabalhadores não qualificados, com mais benefícios e uma jornada bem mais leve. "Hoje, o tipo mais escasso de trabalhadores no Brasil é o não qualificado", disse o engenheiro agrônomo Mauro Lopes, da FGV, no Rio de Janeiro.

Diferentemente de plantações de soja e açúcar de grande porte que são em sua maioria mecanizadas, bem capitalizadas e de multinacionais, cerca de 60% das fazendas de vegetais do Brasil são familiares e contam com o trabalho manual.

Ciro Cury, o agricultor de tomate, disse que a "crise do tomate" é resultante de fatores como um surto de um fungo mortal, menos sementes plantadas com agricultores tentando emergir de dívidas e a crescente dificuldade em encontrar trabalhadores. Ele diz que gostaria de plantar tomates em mais oito estufas para atender a crescente demanda, mas não conseguiu encontrar novos trabalhadores por um salário de cerca de R$ 1 mil.

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