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O ICMS tem peso significativo na formação de preço dos combustíveis, e a arrecadação dos estados está aumentando conforme o brasileiro gasta mais para encher o tanque. Mas o imposto estadual não foi o principal responsável pela forte alta da gasolina no último ano. A maior fonte de pressão veio da Petrobras.
Nos últimos 12 meses, os preços nas refinarias da estatal subiram mais que a arrecadação do ICMS, tanto em valores absolutos quanto em termos relativos.
Os números destoam de afirmações do presidente Jair Bolsonaro, para quem o imposto estadual é o maior culpado pela escalada dos preços – discurso que foi endossado na terça-feira (14) pelo presidente da estatal, Joaquim Silva e Luna, em audiência na Câmara dos Deputados.
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No início de setembro de 2020, a Petrobras vendia a gasolina A (pura), sem impostos, a um preço médio de R$ 1,78 por litro. Os valores variavam de R$ 1,62 a R$ 1,92, dependendo da refinaria e da modalidade de venda do combustível às distribuidoras.
Desde então, o combustível nas refinarias da estatal ficou R$ 1,01 mais caro, o que corresponde a uma alta de 57%, chegando à média atual de R$ 2,79 por litro. Conforme a unidade produtora e a forma de venda, o preço do litro varia hoje de R$ 2,68 a R$ 2,93.
Nesse mesmo intervalo de 12 meses, o peso do ICMS em cada litro de gasolina aumentou entre R$ 0,34 (caso do Paraná) e R$ 0,58 (em Goiás). Em termos relativos, o incremento da arrecadação do tributo nas 27 unidades da federação variou de 27% (em Mato Grosso do Sul) a 52% (no Amazonas).
Segundo a Petrobras, o preço na refinaria representa hoje 33,8% do valor cobrado nas bombas, na média nacional, enquanto o ICMS corresponde a 27,8%. Os demais componentes do preço ao consumidor final são: custo do etanol anidro que é misturado à gasolina (17,2%); tributos federais (Cide, PIS e Cofins, com 11,4%); e distribuição e revenda (9,8%).
Confira: A variação do preço da gasolina na refinaria e do ICMS em SP, RJ e PR
Preço da gasolina na Petrobras reflete alta do barril de petróleo
Os reajustes promovidos pela Petrobras são resultado do regime de preço de paridade de importação (PPI), no qual a estatal busca acompanhar o comportamento das cotações do petróleo no mercado internacional.
Impulsionado pela recuperação da economia mundial e por decisões da Opep, o cartel dos exportadores, o barril ficou 57% mais caro no período de 12 meses a partir de 1.º de setembro de 2020. Um pequeno alívio veio do dólar, que, após vários altos e baixos, ficou 4% mais barato nesse intervalo.
Defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e por economistas de perfil liberal, a paridade internacional foi adotada no governo de Michel Temer e mantida na gestão de Jair Bolsonaro. Mas não sem turbulências.
Em 2018, Pedro Parente pediu demissão da presidência da estatal em meio ao desgaste causado pela greve dos caminhoneiros, que protestavam contra o preço do diesel. Em abril deste ano, Roberto Castello Branco deixou o comando da empresa por ordem de Bolsonaro, que estava incomodado com os reajustes do diesel e sua repercussão entre os transportadores de carga.
O regime de alinhamento às cotações internacionais contrasta com a política dos governos do PT, quando que a Petrobras absorvia boa parte das flutuações do barril, eventualmente sofrendo prejuízos bilionários, de forma a evitar oscilações mais fortes na bomba e na inflação.
Estados mantiveram alíquotas do ICMS, mas subiram preço de referência
Da parte dos estados, a alíquota do ICMS sobre a gasolina não sofreu qualquer alteração do ano passado para cá. Continua variando de 25% a 34%, conforme a unidade da federação.
O que mudou foi valor de referência usado na cobrança do imposto, o Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final (PMPF), que subiu em todos os estados. As altas variaram de 27% a 52% em 12 meses, refletindo o aumento dos preços nas bombas – na média nacional, a gasolina ficou cerca de 40% mais cara em um ano, segundo medições da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e do IBGE.
Definido pelas secretarias estaduais de Fazenda e publicado no Diário Oficial da União, o PMPF é renovado a cada 15 dias e costuma acompanhar a evolução dos preços nos postos. É sobre ele que incide a alíquota do ICMS.
Essa forma de cobrança, a partir de um preço de referência, é parte do regime de substituição tributária, no qual todos os impostos são recolhidos na origem da cadeia. É usando o PMPF que a Petrobras pode embutir o ICMS no seu preço de venda, uma vez que não há como saber com antecedência qual será o preço final do combustível em cada posto.
Embora sejam comuns queixas de que um ou outro estado "abusa" desse preço de referência, arbitrando valores artificialmente altos para arrecadar mais, os dados oficiais mostram que hoje o PMPF está abaixo dos preços médios ao consumidor em quase todas as unidades da federação.
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A comparação entre o PMPF válido para a primeira quinzena de setembro e os preços médios nos postos na semana passada, verificados em pesquisa da ANP, revela que apenas no Acre o valor de referência para o imposto estadual é superior ao cobrado do consumidor – e, ainda assim, a diferença é de apenas 0,2%.
Nos demais estados, o PMPF está abaixo do preço médio na bomba. A maior diferença está no Paraná, onde o valor de referência para o ICMS da gasolina foi de R$ 5,20 por litro na primeira quinzena de setembro, 10% abaixo do preço médio cobrado pelos postos do estado na semana passada (R$ 5,78).
A variação do preço da gasolina na refinaria e do ICMS em SP, RJ e PR
Os exemplos de três estados – São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná – ajudam a ilustrar a evolução dos preços da gasolina nas refinarias da Petrobras e da arrecadação do imposto estadual no último ano.
São Paulo tem a menor alíquota de ICMS do país (25%) e o Rio de Janeiro, a maior (34%). O Paraná aplica um porcentual intermediário (29%).
Eventuais discrepâncias nas casas decimais se devem a arredondamentos de valores:
São Paulo
- O preço da gasolina A na refinaria de Paulínia no início de setembro de 2020 era de R$ 1,81 por litro. Hoje é de R$ 2,83, com aumento de R$ 1,01 por litro (56%) em um ano.
- No mesmo intervalo, o PMPF (valor de referência para a cobrança do ICMS) no estado passou de R$ 4,01 para R$ 5,52 por litro (aumento de R$ 1,51, ou 38%).
- Aplicando-se uma alíquota de 25% sobre o PMPF, a arrecadação do ICMS em São Paulo subiu de R$ 1,00 por litro de gasolina em setembro de 2020 para R$ 1,38 atualmente (aumento de R$ 0,38 por litro, ou 38%).
Rio de Janeiro
- O preço da gasolina A na refinaria de Duque de Caxias no início de setembro de 2020 era de R$ 1,84 por litro. Hoje é de R$ 2,85, com aumento de R$ 1,01 por litro (55%) em um ano.
- No mesmo intervalo, o PMPF (valor de referência para a cobrança do ICMS) no estado passou de R$ 4,75 para R$ 6,37 por litro (aumento de R$ 1,63, ou 34%).
- Aplicando-se uma alíquota de 34% sobre o PMPF, a arrecadação do ICMS no Rio de Janeiro subiu de R$ 1,61 por litro de gasolina em setembro de 2020 para R$ 2,17 atualmente (aumento de R$ 0,55 por litro, ou 34%).
Paraná
- O preço da gasolina A na refinaria de Araucária no início de setembro de 2020 era de R$ 1,77 por litro. Hoje é de R$ 2,79, com aumento de R$ 1,01 por litro (57%) em um ano.
- No mesmo intervalo, o PMPF (valor de referência para a cobrança do ICMS) no estado passou de R$ 4,03 para R$ 5,20 por litro (aumento de R$ 1,17, ou 29%).
- Aplicando-se uma alíquota de 29% sobre o PMPF, a arrecadação do ICMS no Paraná subiu de R$ 1,17 por litro de gasolina em setembro de 2020 para R$ 1,51 atualmente (aumento de R$ 0,34 por litro, ou 29%).
Tributos federais têm valor fixo. Bolsonaro quer o mesmo para o ICMS
Ainda que o PMPF em geral acompanhe o comportamento do preço na bomba, o governo federal costuma destacar que a tributação federal sobre a gasolina não sofre qualquer alteração há muito tempo.
De fato, a soma de Cide, PIS e Cofins permanece em R$ 0,69 por litro, independente do valor cobrado do consumidor. Isso ocorre porque esses tributos têm valor fixo, em reais por litro, ao passo que o ICMS representa um porcentual do preço – não só nos combustíveis, mas em milhares de outros produtos.
Em fevereiro, Bolsonaro enviou ao Congresso um projeto de lei complementar para que o imposto estadual sobre os combustíveis também tenha valor fixo, e igual em todos os estados, mas a proposta – que enfrenta oposição de governadores – não avançou.
Meses depois, o presidente anunciou a intenção de mudar o texto, permitindo que cada estado defina seu ICMS, mas mantendo a ideia de uma alíquota fixa.