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As cotações do petróleo caíram durante boa parte do ano, num tombo sem precedentes na história recente. Nas últimas semanas, passaram a subir com força, mas ainda estão distantes dos níveis de seis meses atrás.
A Petrobras acompanhou esses movimentos. Primeiro, reduzindo os preços dos derivados: um mês atrás, a queda acumulada no ano era de mais de 50%. Agora, elevando: a estatal promoveu três reajustes neste mês, dos quais o mais recente entrou em vigor nesta quinta (21). Os novos preços, no entanto, ainda estão 34% abaixo dos cobrados no fim de 2019.
Pelo menos até a semana passada, não havia um movimento generalizado de altas nos postos, em reação aos últimos aumentos anunciados pela estatal. Ao contrário: na média nacional, os preços ainda recuavam levemente. Agora, certamente subirão.
Mesmo após semanas seguidas de baixa nos postos, nem toda a queda ocorrida até então nas refinarias chegou ao bolso do consumidor – ao menos em termos relativos, isto é, em porcentagem. Antes do reajuste válido a partir desta quinta, a gasolina acumulava queda de 41% nas refinarias em 2020. Nas distribuidoras e nos postos, as baixas acumuladas até o fim da semana passada eram de 21% e 16%, respectivamente, sempre considerando os preços médios nacionais.
Em valores absolutos, o cenário é diferente. O recuo, nesse caso, foi mais uniforme: o litro da gasolina caiu R$ 0,79 nas refinarias, R$ 0,85 nas distribuidoras e R$ 0,75 nas bombas, em média, conforme o gráfico a seguir, que exibe o cenário de preços até quarta (20) e não inclui o último reajuste da Petrobras (a reportagem continua na sequência).
Um detalhe importante é que o preço nas refinarias informado pela Petrobras é o da gasolina A, pura, sem adição de álcool anidro. E sem impostos.
Hoje a gasolina C, vendida nos postos, leva 27% de etanol. Essa mistura tem um custo: o derivado da cana responde por 12% do preço da gasolina na bomba.
E a tributação faz toda a diferença. Além de elevados, os tributos sobre o produto são calculados de uma forma que impede o repasse integral, ao consumidor, do barateamento do produto na origem. Hoje eles respondem por 50% do preço na bomba, segundo a Petrobras. Metade do que o motorista paga, portanto, vai para os governos.
De acordo com a estatal, a parte das distribuidoras e postos corresponde a 19% do preço final da gasolina. E a parcela da própria Petrobras, a outros 19%.
Embora o consumidor naturalmente queira que uma baixa de 50% no preço do barril do petróleo venha a reduzir pela metade o custo de encher o tanque, na prática isso é impossível. A matéria-prima é apenas um dos componentes do preço final. E os demais – como custos de transporte e pessoal, as margens de lucro da cadeia e principalmente os impostos – não necessariamente caem na mesma magnitude.
"Se o litro da gasolina na refinaria custa, por exemplo, R$ 1,20 [sem impostos] e a Petrobras dá um desconto de 10%, o litro ficará R$ 0,12 mais barato. Mas se ao mesmo tempo eu vendia a gasolina no meu posto por R$ 3,99 o litro, para reduzir em 10% eu teria que baixar o preço na bomba em quase R$ 0,40. Não tem como", diz Paulo Miranda Soares, dono de um posto em Belo Horizonte e presidente da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e Lubrificantes (Fecombustíveis).
Ainda que o motorista brasileiro possa estar frustrado, na comparação internacional os preços da gasolina brasileira passaram a figurar na ponta mais barata – pelo menos quando se considera os valores em dólar.
Em um levantamento com 164 países feito pelo site Global Petrol Prices, o Brasil aparece com o 43º preço mais baixo, de US$ 0,67 por litro, segundo dados atualizados até 18 de maio. Acima da média cobrada nos Estados Unidos (US$ 0,59), mas abaixo dos preços na Argentina (US$ 0,84) e no Paraguai (US$ 0,97), por exemplo.
As variações do petróleo, do dólar e do preço da gasolina em 2020
O preço do barril de petróleo
O petróleo do tipo Brent, principal referência no mercado internacional, terminou 2019 na casa dos US$ 66 por barril. Passou a recuar conforme o coronavírus foi se disseminando pelo mundo – sendo afetado, também, por uma guerra de preços deflagrada pela Arábia Saudita – e chegou a ser vendido por menos de US$ 20 no mês passado.
Com o anúncio de cortes de produção pela Opep, o cartel dos grandes produtores, os preços começaram a reagir nos últimos dias de abril. Na quarta-feira (20) fecharam perto de US$ 36 e continuavam subindo nesta quinta (21), chegando a beirar os US$ 37 pela manhã. Mesmo assim, ainda estão mais de 40% abaixo dos patamares do fim do ano passado.
A cotação do dólar
O dólar foi em sentido oposto. Desde o início do ano, a moeda norte-americana acumula alta de mais de 40% em relação ao real. Com isso, a queda do petróleo, em moeda brasileira, não foi tão forte quanto em dólar.
O preço da gasolina nas refinarias
A Petrobras refina um mix de petróleo importado e nacional para produzir os derivados, que então são vendidos às distribuidoras.
O preço médio cobrado pela estatal pela gasolina A (sem etanol), que em dezembro era de R$ 1,93 por litro, caiu por quatro meses seguidos até atingir R$ 0,92 por litro em 21 de abril, sem contar os impostos. Uma queda acumulada de pouco mais de 50% até então, portanto.
Na sequência, reagindo à alta das cotações do petróleo, a Petrobras anunciou três aumentos neste mês. Com isso, o preço médio nas refinarias passou a R$ 1,27 por litro (sem impostos) a partir desta quinta. Mesmo assim, o novo patamar ainda é 34% inferior ao do fim de 2019. Em valores absolutos, a redução nesse mesmo período foi de R$ 0,66 por litro, já considerando o último reajuste.
O preço da gasolina nas distribuidoras
As distribuidoras compram gasolina A da Petrobras, adicionam o etanol anidro que adquirem das usinas produtoras para convertê-la em gasolina C, fazem o transporte e então revendem o produto aos postos.
Na última semana de 2019, o preço médio da gasolina C vendida pelas distribuidoras – já incluídos os impostos – era de R$ 4,11 por litro, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Na semana passada, o valor médio era de R$ 3,26 por litro, o que corresponde a uma queda acumulada de 21% no ano, ou R$ 0,85.
Pelo menos nas medições já realizadas pela ANP, os dois primeiros reajustes feitos pela Petrobras neste mês ainda não haviam se refletido nos valores cobrados pelas distribuidoras – o preço médio subiu apenas R$ 0,01 por litro entre as semanas encerradas nos dias 9 e 16 de maio. Mas as próximas pesquisas certamente vão apontar valores maiores, ainda mais após o anúncio do terceiro reajuste seguido pela Petrobras.
O preço da gasolina nos postos
Nas bombas, o preço do litro de gasolina caiu de R$ 4,56 no fim do ano passado para R$ 3,81 na última semana, com queda acumulada de R$ 0,75, ou 16%, sempre segundo as médias nacionais apuradas pela ANP.
Embora cada região tenha sua realidade de preços e concorrência, pode-se observar que houve, de dezembro para cá, um aumento gradativo na margem média dos postos – a diferença entre o que eles pagam à distribuidora e o que cobram do consumidor.
Mas esse movimento, por si só, está longe de explicar por que a gasolina não teve uma queda mais substancial. No fim de dezembro, essa margem era de R$ 0,45 por litro, ou 10% do valor na bomba. Na semana passada, chegou a R$ 0,54, ou 14% do preço final.
O peso dos impostos sobre a gasolina
Os tributos estaduais e federais sobre a gasolina têm particularidades que acabam por diluir as variações ocorridas na refinaria.
Os tributos federais – Cide e PIS/Cofins, que hoje respondem por 18% do preço final, segundo a Petrobras – têm valor fixo, expresso em reais. São sempre R$ 0,10 de Cide e R$ 0,79 de PIS/Cofins por litro. Mesmo que a gasolina fique mais barata nas refinarias, a tributação será essa.
E o ICMS, que abocanha em média 32% do preço final, é cobrado sobre valores definidos pelos governos estaduais, que muitas vezes não correspondem ao que é cobrado na bomba.
Os estados usam como referência o Preço Médio Ponderado Fiscal (PMPF), calculado por eles mesmos e definido a cada 15 dias. O ICMS – que varia a cada estado e chega a 34% no Rio de Janeiro – é calculado sobre esse índice, e não sobre o valor efetivamente cobrado na bomba.
"Neste ano Petrobras reduziu várias vezes na refinaria, e os postos ainda estão repassando as baixas, como mostra a última pesquisa da ANP, mas aqui em Minas Gerais governo aqui mantém o mesmo PMPF desde janeiro. Que está R$ 0,44 por litro acima do preço que vendemos na capital. É em cima desse PMPF que o ICMS, aqui com alíquota de 31%, é cobrado", disse Soares, da Fecombustíveis, em entrevista à Gazeta do Povo na última terça (19).
Ao comentar o cenário para as distribuidoras, o Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP) também atribuiu o descompasso entre os preços na refinaria e na bomba à carga tributária e aos custos enfrentados pela cadeia produtiva.
"No Brasil, os preços dos combustíveis são livres em todos os elos da cadeia produtiva. E não há uma transmissão imediata ou equivalente de descontos praticados pela Petrobras em suas refinarias aos valores finais ao consumidor", disse o IBP em nota enviada à Gazeta do Povo.
Segundo o instituto, "isso se deve à pesada carga tributária, até o momento praticamente inalterada; a outros custos relevantes, como os preços dos biocombustíveis, da logística envolvida (como tancagem e transporte, em grande maioria fixos); e ao valor dos estoques contratados previamente, que podem demorar semanas para serem repostos."
O IBP afirmou ainda que a redução brusca das vendas nos postos provocada pela pandemia resultou em pedidos menores e fracionados, o que elevou o custo unitário do produto.
Bolsonaro desafiou governadores a zerar tributos para baixar o preço da gasolina
O presidente Jair Bolsonaro, que em fevereiro desafiou os governadores a zerar os tributos dos combustíveis para que as quedas na refinaria chegassem às bombas, voltou a falar do assunto no mês passado.
Em 23 de abril, quando o valor cobrado pela Petrobras estava no menor nível do ano, ele mencionou no Twitter os preços nas refinarias e observou que os valores nas bombas sofriam o acréscimo de tributos (ICMS, Cide, PIS/Pasep e Cofins) mais os custos de transporte e as margens de distribuidoras e postos.