Se depender só dos preços, a expectativa é de que a safra de grãos 2022/23 seja favorável. Mas, além do clima, há um outro complicador vindo do Leste Europeu: os preços dos fertilizantes em alta, por causa da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Eles estão nos maiores níveis desde 2019. E, alinhado a isso, segundo Douglas Bini, executivo de negócios da consultoria AdopTI, está o aumento dos custos logísticos, consolidando o fato de que o produtor pode pagar mais caro para importar os fertilizantes necessários para a manutenção da safra brasileira.
O acesso ao Mar Negro está bloqueado e armadores e seguradoras se uniram às sanções aplicadas à Rússia pelos governos dos Estados Unidos e de países da União Europeia.
Rússia e seu principal aliado, a Belarus, são responsáveis por 46% das exportações globais de fertilizantes à base de potássio, segundo a Stonex. Quanto aos outros tipos de fertilizantes, a Rússia é um importante player global e fornecedor para o Brasil. Entre os fosfatados, ocupa a liderança com o Marrocos (cada um com 31% das importações). E entre os nitrogenados é o segundo maior fornecedor, atrás do Qatar. "Nestes dois casos, há mais facilidade em encontrar outros fornecedores”, afirma o gerente da consultoria agro do Itaú BBA, Guilherme Bellotti.
A situação da Rússia preocupa, já que só 28% dos fertilizantes necessários para o segundo semestre foram adquiridos. Mas há alternativas, segundo ele: uma delas é o estoque de fertilizantes disponível.
Em dezembro, segundo a Associação Nacional para a Difusão de Adubos (Anda), o estoque de produtos intermediários para fertilizantes e formulações NPK (Nitrogênio, fósforo e potássio) era 17,3% maior do que no mesmo período de 2020.
Outro fator que pode ajudar é o estoque de fertilizantes que está fixado no solo, por causa da menor produtividade na safra 2021/22. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produtividade da safra de soja foi 14,4% menor na última colheita, comparativamente à anterior.
Grãos: estoque baixo de milho e trigo
Uma das maiores preocupações está nos mercados de trigo e de milho. Tanto Ucrânia, quanto Rússia, são importantes players internacionais. Os países em guerra respondem, segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), por 28,3% das exportações globais de trigo e 19,5% das de milho.
"Há uma reviravolta muito grande no mercado de grãos. Não se sabe o que vai ser do milho ucraniano e do trigo russo. Isso em um cenário de incógnita para a safra americana", diz o especialista César de Castro Alves, também do Itaú BBA.
Ele aponta que os mercados de milho e trigo tendem a ficar mais voláteis nos próximos meses. "É uma situação difícil no primeiro semestre. Para o segundo, estamos à espera dos desdobramentos da guerra."
O Ministério de Agricultura da Ucrânia estima que nesta safra pode haver uma redução de 50% na área plantada. Bellotti diz que sem a participação das produções ucraniana e russa, o mercado dos dois cereais tende a ficar mais apertado.
No caso do milho, as projeções do Itaú BBA sinalizam para um estoque mundial final de 275 milhões de toneladas, correspondente a 22% do consumo, o menor nível em seis anos. O contrato futuro em Nova York teve uma variação de 32,3% em dólares nos últimos 12 meses.
Mais custo para criação de aves e suínos
A guerra reacendeu a preocupação com custos de aves e suínos. A margem está negativa em 8,5% para os avicultores e em 30% para os suinocultores. "É uma situação complicada para a proteína animal, incluindo também quem confina boi e os produtores de ovos", diz Castro.
Ele aponta que a China está sinalizando para uma redução na compra de carne suína brasileira. Segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), no primeiro bimestre foram exportadas 50,1 mil toneladas, 30,4% a menos do que no mesmo período do ano passado. Os produtores estão sinalizando para a redução de alojamentos e o descarte de matrizes.
Na avicultura, o cenário é um pouco diferente por ter um perfil exportador mais diversificado. E os casos de gripe aviária nos Estados Unidos podem dar mais espaço para a produção de milho. O especialista do Itaú BBA também lembra que a Ucrânia é um exportador de frangos.
No mercado doméstico, a indústria deverá ter dificuldades para repassar a elevação dos custos para os consumidores. A renda real (já descontada a inflação) do trabalhador caiu 8,76% nos 12 meses encerrados em fevereiro, de acordo com dados do IBGE.
Soja gera boas expectativas
Um alento pode vir com a safrinha de milho, apontam os analistas do Itaú BBA. A expectativa é de que sejam colhidas 89 milhões de toneladas. A do ano passado foi prejudicada pela estiagem no Paraná. "Os preços tendem a reduzir. Eles estão bastante elevados", afirma Bellotti.
A expectativa para a soja é de um crescimento da produção, na safra 22/23, dos principais players: a Argentina, o Brasil e os Estados Unidos. Os dois primeiros sofreram este ano com a falta de chuvas.
"Mesmo que as expectativas se confirmem, o balanço de oferta e demanda não terá folga. Serão pelo menos dois anos-safra com preços elevados", aponta o gerente. A estimativa do Itaú BBA é de que o estoque de soja ao final da safra 2022/23 corresponda a 24% do consumo mundial. É o menor nível em seis anos.
O cenário, entretanto, é de margens menores, mas ainda boas. Segundo Bellotti, o produtor vai sentir uma volatilidade maior nos preços dos insumos e custos financeiros mais elevados. A taxa média para crédito rural passou de 5,47% ao ano, em janeiro do ano passado, para 8,23% em janeiro deste ano, segundo o Banco Central (BC).
Cenário econômico é favorável à exportação de grãos
O cenário mais complexo para os grãos coincide com um momento de valorização intensa do real frente ao dólar. No primeiro trimestre, segundo o BC, ela foi de 17,78%. A alta nas commodities está puxando este movimento, ao favorecer o fluxo de exportações e a entrada da moeda norte-americana na economia brasileira.
Outro movimento que impulsiona a valorização cambial é o diferencial existente entre a taxa de juros doméstica e a externa. O Brasil está com a segunda maior taxa nominal, atrás apenas da Rússia. “E se considerarmos a taxa real, o Brasil está pagando mais do que outros emergentes”, destaca o especialista de macroeconomia e grãos do hEDGE point Global Markets, Alef Dias.
Também influencia o fato de que mercados emergentes que disputam recursos com o Brasil, como a Rússia e a Turquia, estão em uma situação pior. "Está mais caro apostar contra a moeda brasileira. O Brasil está descolado de outros países”, diz Pedro Renault, economista do Itaú.
O banco não projeta um câmbio tão favorável para o final do ano: R$ 5,50. O câmbio pode ficar mais pressionado se o risco global se deteriorar e com a questão eleitoral. Há muitas incertezas políticas. "Vamos ter uma eleição bastante polarizada, com bastante concorrência." A situação fiscal é um flanco exposto da economia brasileira. "Sem mudanças adicionais, o cenário volta a piorar."
A expectativa é de que o Copom encerre o ciclo de alta da Selic em 13,75% ao ano. Atualmente está em 11,75%. Uma alta também é projetada para os Estados Unidos, que enfrenta a maior inflação em 40 anos. O Itaú projeta que o juro por lá encerre 2022 em 2,5% ao ano.
As commodities devem ajudar a dar um impulso para a economia brasileira neste ano. O banco reviu, recentemente, as expectativas de crescimento do PIB de uma queda de 0,5% para uma expansão de 0,2%, com viés de alta. Outro fator que deve ajudar, segundo os economistas do Itaú, é a liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
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