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“Presente” do governo às teles não é de R$ 100 bilhões, nem virá de graça

“Presente bilionário” da União às teles não é de R$ 100 bilhões. Nova lei vai permitir que as empresas de telefonia fiquem com os bens reversíveis desde que invistam montante equivalente em banda larga. | Hugo Harada/Gazeta do Povo
“Presente bilionário” da União às teles não é de R$ 100 bilhões. Nova lei vai permitir que as empresas de telefonia fiquem com os bens reversíveis desde que invistam montante equivalente em banda larga. (Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo)

Depois que o projeto que muda a Lei Geral de Telecomunicações (LGT) passou a tramitar no Congresso, surgiu o boato que o governo estaria dando um presente bilionário às empresas de telefonia.

Senadores de oposição e entidades que representam os consumidores afirmam que as teles iriam ganhar da União todos os bens que utilizam para prestar o serviço de telefonia fixa, como imóveis, centrais telefônicas, cabos e equipamentos. Somados, eles valeriam algo em torno de R$ 100 bilhões.

Apesar de se apoiar em algumas informações verídicas, a tese não se sustenta por dois motivos. Os bens reversíveis, como são chamados os ativos que deveriam ser devolvidos à União, vão sim ficar com as empresas de telefonia caso a nova lei seja aprovada e caso as teles solicitem a mudança para o regime de autorização.

Mas o valor contábil dos bens passa longe dos R$ 100 bilhões. Segundo dados informados pelas empresas de telefonia à Anatel, são 2,7 milhões de ativos em posse das operadoras. Eles tiveram um custo de aquisição de R$ 121,6 bilhões, mas muitos foram depreciados (perderam valor, pois ficaram tecnologicamente obsoletos) ou amortizados (pagos gradualmente) com o decorrer do tempo. Com isso, o valor residual seria de R$ 19,98 bilhões.

A nova lei também coloca uma contrapartida para que as teles não recebam os ativos de graça. As empresas de telefonia vão ter de investir montante equivalente ao valor dos bens em ampliação da rede de banda larga. A ideia do governo é se livrar de equipamentos que, com o desuso da telefonia fixa, devem perder sentido em um futuro próximo ao mesmo tempo em que tenta universalizar o acesso à internet de alta velocidade no país.

Ou seja, os bens que as teles vão herdar com a nova lei têm sim um valor. Mas ele deve ser menor do que os R$ 100 bilhões defendidos pelos opositores do projeto, pois serão calculados com base no seu fluxo de caixa, não no que valiam na época da privatização. E o mesmo montante deverá ser investido para aumentar a oferta de banda larga fixa no país.

Em artigo publicado no jornal Valor Econômico nesta semana, o advogado Rodrigo Azevedo Greco, especializado em telecomunicações, explica que a confusão surgiu por causa de uma metodologia de cálculo equivocada, que leva em conta o valor de aquisição dos bens reversíveis. “Uma coisa é o custo de aquisição de um bem, outra é o seu valor contábil. Outra, ainda, é o benefício econômico que uma empresa consegue extrair de um bem, por meio de sua utilização, até o fim de sua vida útil.”

E a contrapartida exigida pelo governo estaria em consonância com o mercado, avalia o advogado Ericson M. Scorsim, também especializado em telecomunicações. “Investimentos em redes de telefonia fixa não fazem mais tanto sentido, pois o telefone fixo está caindo em desuso. Do outro lado, a demanda por banda larga está aumentando. Então, o legislador resolveu mudar a regra do jogo para atender a uma demanda que está em sintonia com o que o mercado e o consumidor querem. ”

Falha de controle pode comprometer precificação dos bens reversíveis

Em meio à discussão se o projeto que muda a Lei Geral de Telecomunicações é ou não um presente às teles, está um problema muito maior. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), a Anatel perdeu o controle da quantidade de bens reversíveis em posse das operadoras.

“A agência não desempenhou integralmente suas obrigações legais e contratuais nos primeiros anos da concessão de STFC [Serviço Telefônico Fixo Comutado] e até 2005 realizou somente ações pontuais com poucos resultados efetivos para o controle de bens reversíveis, resultando em uma omissão que pode ter consequências futuras, dada a dificuldade de obtenção dessas informações passados dezesseis anos da assinatura dos contratos”, diz relatório do ministro Bruno Dantas, publicado no fim do ano passado.

A omissão na fiscalização pode, segundo o TCU, “levar a Anatel a subestimar ou superestimar os valores dos bens reversíveis da empresa.” Todas as informações que a agência possui são informados pelas próprias empresas.

Além de levantar todos os bens reversíveis e quantificar seu valor de mercado, a agência enfrentará outro desafio se a lei for aprovada: exigir que os investimentos prometidos para banda larga sejam cumpridos pelas operadoras. Em 2015, os investimentos feitos pelas empresas de telefonia caíram 10,5%.

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