Guerra na Ucrânia afeta diretamente a cotação de commodities como o trigo. Neste ano, preço da farinha já aumentou 15,44% para o consumidor brasileiro; o pão francês subiu 9,72% e o macarrão, 15,46%.| Foto: Jonathan Campos/Arquivo/Gazeta do Povo
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A inflação brasileira – que atingiu 12,13% no acumulado de 12 meses até abril – tem boa parte de suas raízes no exterior, segundo analistas ouvidos pela Gazeta do Povo.

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O economista-sênior do banco MUFG Brasil, Maurício Nakahondo, aponta que uma série de fatores está pesando sobre a alta nos preços: a guerra entre Rússia e Ucrânia; o choque nos preços do petróleo, que aumentaram quase 37% em dólares neste ano e a acentuação de casos da Covid-19 na China.

Um dos principais vilões são os preços das commodities. Os preços delas aumentaram 49,1% no comparativo entre os primeiros trimestres de 2021 e 2022. E, segundo os economistas Thiago Angelis e Myriã Bast, do Bradesco, apenas parte do fenômeno pode ser atribuído aos problemas no Leste Europeu. “A guerra veio para piorar o cenário”, sintetiza o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.

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“[O problema] já era visível antes do conflito, com desafios para a recomposição das cadeias globais ainda presentes, quebra de safra de grãos no hemisfério Sul, entre outros problemas de oferta que têm se acumulado nos últimos anos. A forte demanda, impulsionada pela combinação de políticas econômicas de estímulo durante a pandemia, também explica uma parte importante dessa alta de preços”, dizem os economistas do Bradesco.

O peso dos fatores externos na inflação

A guerra tem impacto direto no preço dos alimentos. Entre os mais atingidos são os derivados do trigo. Quase 30% do cereal consumido mundialmente é exportado por Rússia e Ucrânia, aponta o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês). Dados do IBGE mostram que neste ano a farinha de trigo já ficou 15,44% mais cara para o consumidor; o pão francês subiu 9,72% e o macarrão, 15,46%.

Outro produto que está sendo afetado é o óleo de soja, apesar de Ucrânia e Rússia não serem importantes fornecedores. Desde janeiro, houve um aumento de 20,37%.  Não bastassem os problemas de oferta, com a quebra na produção do Sul do Brasil, Argentina e Paraguai, há dificuldades no fornecimento de outros óleos vegetais: o de girassol, da qual a Ucrânia é o maior fornecedor, e o de palma, por parte da Indonésia.

Quem também está causando reflexos na inflação local é a variação no preço do petróleo. No acumulado dos últimos 12 meses, a gasolina aumentou 31,22%; o óleo diesel subiu 53,58% e o gás de botijão, 32,34%.

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Segundo análise da hEDGEpoint Global Markets, os estoques do petróleo estão muito baixos nos Estados Unidos, mesmo com as refinarias funcionando em níveis sazonalmente altos. A Europa, que poderia aliviar essa escassez exportando mais diesel e gasolina para os americanos, também tem estoques pequenos.

“Os preços do petróleo, atualmente, encontram sustentação em um possível embargo energético apoiado pela União Europeia contra a Rússia – no que dependerá da aprovação da Hungria, que é contrária à decisão –, o que limita ainda mais a disponibilidade atual de suprimentos, embora ainda não haja nenhum acordo”, informa a empresa de análise de risco.

Para o futuro, novos impactos nos preços estão a caminho no Brasil. Na segunda-feira, os preços do diesel foram reajustados em 8,86% e, segundo a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), ainda há uma defasagem de 11% no preço.

E, também há outro problema que já esta trazendo impactos à economia brasileira. O aumento de casos de Covid-19 na China, principalmente na região de Xangai, de onde sai um quarto do PIB do país, afeta a economia brasileira de duas formas.

De um lado, diz Nakahondo, há um menor consumo de commodities por parte da segunda maior economia global. De outro, as dificuldades no fornecimento de bens e componentes industriais, podem pressionar os custos nas fábricas, que já aumentaram 18,31% nos últimos 12 meses, segundo o IBGE.

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O peso dos fatores locais na inflação

Mas, também há fatores locais influenciando na alta dos preços, ressalta o economista do MUFG Brasil. É o caso da alta no preço de alimentos produzidos internamente, como os hortifrutigranjeiros, cuja produção foi afetada por problemas climáticos. Hortaliças e verduras tiveram uma alta de 36,62% nos 12 meses encerrados em abril. Frutas, 17,49%.

Há também, segundo o coordenador de preços da Fundação Getúlio Vargas (FGV), André Braz, uma pressão vinda do setor elétrico que pode anular os benefícios obtidos com o fim da bandeira tarifária de escassez hídrica e a volta da bandeira verde. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) anunciou, em abril, reajustes entre 17% e 20% para algumas concessionárias. A medida vale para distribuidoras do Ceará, Bahia, Sergipe e Rio Grande do Norte.

“Por serem estados com participação pequena no IPCA, o impacto não foi muito relevante para a inflação anual [em março]”, apontam analistas da XP Investimentos.

Um projeto, do deputado federal Domingos Neto (PSD-CE), que tramita em regime de urgência, prevê a suspensão dos reajustes na conta da distribuidora cearense, mas já se fala em alterar o texto em plenário para que a medida se estenda aos demais reajustes autorizados pela Aneel.

Todos os aumentos autorizados pela agência reguladora neste ano tendem a ser influenciados pelo uso intenso de termelétricas em boa parte de 2021, o que encareceu os custos das distribuidoras. Eles não foram totalmente cobertos pelas bandeiras mais caras.

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O autor do projeto justifica que os reajustes concedidos revelam “acentuado descompasso” com a situação socioeconômica da população brasileira. O parlamentar considera que “o setor elétrico brasileiro vem sendo impactado por sistemáticas de revisões e reajustes que muito extrapolam os índices oficiais de inflação” e excedem a capacidade de pagamento do consumidor.

A Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee) aponta que os reajustes mais altos observados em 2022 são fruto de questões financeiras não realizadas, que remontam a anos anteriores nos quais os aumentos foram represados, deixando de ir para as contas de luz.

Inflação deve voltar para o patamar de um dígito até agosto, dizem analistas

A expectativa dos analistas ouvidos pela Gazeta do Povo é de que a inflação anualizada volte ao patamar de um dígito até agosto. Mas, segundo o coordenador de preços da Fundação Getulio Vargas (FGV), André Braz, este cenário não é o ideal. “Inflação boa é quando está na meta.”

A mediana das projeções para o IPCA em 2022, divulgada no dia 2, está em 7,89% e está aumentando há 16 semanas, segundo o Banco Central.

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Segundo Nakahondo, o pico da inflação foi o IPCA-15 de abril. Para abril e maio é esperado um refresco, por causa da mudança de bandeira tarifária da energia elétrica, e da recomposição dos reservatórios das hidrelétricas.

E mesmo com o Índice de Preços no Atacado (IPA-M), calculado pela FGV, nos últimos 12 meses, batendo em 16,09%, o economista prevê dificuldades no repasse de preços ao consumidor, por causa da atividade econômica fragilizada.

O economista-chefe da Suno Research, Gustavo Sung, espera uma pressão menor para o preço das commodities e conta com a normalização das cadeias produtivas para o ano que vem. “Com a desaceleração da China e um possível fim da guerra na Ucrânia, as matérias-primas tendem a ficar mais em conta.”