Uma das quatro etapas da reforma tributária do governo, o projeto de lei (PL) 2.337/2021 prevê alterações nas regras do Imposto de Renda (IR) já para 2022. O texto, que tramita em regime de urgência na Câmara e deve ser votado no plenário nos próximos dias, recebeu substitutivo do relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), que, no entanto, praticamente não alterou a proposta do Executivo no que se refere ao Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF).
Com isso, permanecem as sugestões da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, que, em linhas gerais, atualizam a tabela do IRPF, mas, por outro lado, restringem a possibilidade de utilização do chamado desconto simplificado.
Entre as principais mudanças para a pessoa física está o aumento da faixa de isenção do imposto, que sai dos atuais R$ 1.903,99 para R$ 2,5 mil. Segundo o Ministério da Economia, hoje 31 milhões de brasileiros declaram o IRPF, dos quais 10,7 milhões são isentos. Com a atualização da tabela, outros 5,6 milhões deixarão de pagar o imposto, elevando o total de isentos para 16,3 milhões.
Faixa atual | Faixa proposta | Alíquota |
Até R$ 1.903,98 | Até R$ 2,5 mil | 0% |
R$ 1.903,99 a R$ 2.826,65 | R$ 2.500,01 a R$ 3,2 mil | 7,5% |
R$ 2.826,66 a R$ 3.751,05 | R$ 3.200,01 a R$ 4.250 | 15% |
R$ 3.751,06 a R$ 4.664,68 | R$ 4.250,01 a R$ 5,3 mil | 22,5% |
Acima de R$ 4.664,68 | Acima de R$ 5,3 mil | 27,5% |
Por outro lado, o governo propõe uma limitação do desconto simplificado, que é de 20%, apenas para quem recebe até R$ 40 mil por ano. Hoje, qualquer contribuinte que paga o IRPF pode optar, no momento da declaração de ajuste anual, pela opção, que reduz o valor dos rendimentos tributáveis em até R$ 16.754,34.
Caso aprovada a mudança, quem ganha mais que o limite proposto – equivalente a cerca de R$ 3,3 mil por mês – terá necessariamente de fazer a declaração completa, que permite deduzir apenas gastos com dependentes, saúde, educação e previdência. A mudança, no entanto, deve aumentar a carga tributária de muitos contribuintes de classe média, uma vez que a atualização na tabela de alíquotas por faixa salarial não compensará o aumento do IRPF com o fim do desconto de 20%. Estima-se que cerca de 2 milhões de contribuintes estão nessa situação.
O Centro de Liderança Pública (CLP) criou uma calculadora que permite simular como deve ficar a tributação de pessoas físicas caso seja aprovada a reforma.
Dividendos passarão a ser taxados em 20%, mas há exceções
Outra mudança para as pessoas físicas será a taxação de lucros e dividendos distribuídos em 20%. O governo propôs uma faixa de isenção para quem recebe até R$ 20 mil mensais vindos de empresas de micro e pequeno porte (até R$ 4,8 milhões de receita anual) – a tributação, nesses casos, incidiria apenas sobre o valor que exceder R$ 20 mil. No substitutivo, Sabino incluiu uma exceção também para a distribuição, sem limite de valor, para todas as empresas do Simples.
O texto prevê ainda modificação nas alíquotas de tributação dos investimentos em renda fixa, fundos abertos e fechados (multimercados). Fica extinta a tabela regressiva, segundo a qual incidem alíquotas que vão de 22,5% a 15% dependendo do prazo de resgates. A proposta é de uma cobrança fixa de 15%.
As operações em bolsa de valores também passarão a ter alíquota de 15%, com apuração trimestral, para todos os mercados, caso o texto seja aprovado. Hoje, a apuração é mensal, com taxa de 15% em mercados à vista, a termo, de opções e de futuros, e de 20% para operações de day trade e cotas de fundos de investimento imobiliário (FII).
A distribuição de rendimentos de FIIs, que o governo chegou a propor tributar em 15%, continuará isenta. Após ser duramente criticado por investidores e pelo setor imobiliário, o relator decidiu retirar a previsão em seu substitutivo.
Haverá uma mudança ainda no imposto cobrado sobre a atualização de valores patrimoniais de bens imóveis localizados no país. A informação sobre o novo valor poderá ser feita anualmente, com uma alíquota reduzida de 4%.
Atualmente, o valor é mantido enquanto se tem a propriedade do imóvel, e a atualização é feita apenas quando ocorre a venda, com uma incidência de alíquota de 15% a 22,5% sobre o ganho de capital.
Como as mudanças devem afetar as contas do governo
De acordo com o deputado Celso Sabino, a perda de receita para o governo com a atualização da tabela proposta, para 2023, é de R$ 25,15 bilhões. Com a restrição ao desconto simplificado, o impacto seria reduzido em R$ 10,69 bilhões, resultando em uma perda líquida de R$ 14,46 bilhões.
Um estudo do Departamento de Pesquisa Macroeconômica do Itaú, assinado pelos economistas Claudia Bruschi e Pedro Schneider, estima que a atualização da tabela do IRPF pode reduzir a arrecadação do governo em cerca de R$ 23 bilhões, mas, por outro lado, aumentar o consumo em até R$ 20 bilhões, o que aliviaria a perda de arrecadação em R$ 6 bilhões.
“O aumento potencial seria maior nas faixas de renda de 3 a 6 salários-mínimos e tende a beneficiar mais a demanda por serviços e automóveis, que tem maior elasticidade-renda nesses itens”, dizem os autores do relatório.
Eles avaliam que a tributação de dividendos pode ajudar a reduzir o fenômeno da “pejotização”, em que pessoas físicas passam a receber uma parcela relevante da sua remuneração do trabalho via dividendos isentos de imposto, em vez de salários, tributados na fonte. Segundo dados da Receita Federal, de 2007 a 2019, o número de pessoas que declararam ter recebido dividendos saltou de 1 milhão para 3,6 milhões. No mesmo período, os valores declarados saltaram de 3,5% para 6,4% do PIB.
“A medida ajuda a melhorar a progressividade da carga tributária, dado que, para essas pessoas [que recebem lucros e dividendos], a alíquota efetiva de IRPF, isto é, quanto de imposto pagaram como proporção da sua renda total, é consideravelmente menor”, diz o estudo do Itaú.
Em nota técnica, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) considera, no entanto, que a isenção para lucros e dividendos distribuídos por micro e pequenas empresas no valor de até R$ 20 mil mensais mantém mais barata a contratação de trabalhadores como pessoas jurídicas, em detrimento da utilização das leis trabalhistas.
Proposta ainda é passível de mudanças
Prestes a ser votado no plenário Câmara, o PL 2.337/2021 ainda é passível de mudanças por meio de emendas. O texto, se aprovado, ainda tramitará no Senado, onde também pode ser modificado.
Até sexta-feira (6), três emendas apresentadas por parlamentares sugerem alterações na proposta do governo para pessoas físicas. Leo de Brito (PT-AC) propõe ampliar a faixa de isenção do IRPF para renda mensal de até R$ 5,5 mil, enquanto o deputado Subtenente Gonzaga (PDT-MG) propôs a manutenção da opção pelo desconto simplificado para todos os contribuintes.
Marcelo Ramos (PL-AM) propõe que os lucros e dividendos pagos ou creditados por pessoas jurídicas prestadores de serviços que tenham optado pela tributação com base no lucro presumido não fiquem sujeitos a incidência do imposto de renda na fonte e nem integrem a base de cálculo do IRPF.
O aumento da isenção do imposto para ganhos de até R$ 5 mil mensais foi uma promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em 2018. O ministro Paulo Guedes diz, no entanto, que não é possível chegar a esse patamar.
A tabela do IRPF não é reajustada desde 2015. Segundo cálculos do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), a defasagem das faixas de alíquota é de 113,09% desde 1996. De lá para cá, a inflação acumulada teria sido de 346,69%, enquanto as correções somam 109,63%. Conforme esses números, caso tivessem sido feitas as correções de acordo com a alta inflacionária, estariam isentos os contribuintes com salário de até R$ 4.022,89.
O estudo do Departamento de Pesquisa Macroeconômica do Itaú diz que seria possível aumentar a faixa de isenção, desde que houvesse, como contrapartida, a criação de novas faixas para maiores rendas. Com a liberação do imposto para quem ganha até R$ 3,3 mil e uma taxação de 32,5% e de 35% para rendimentos superiores a R$ 7 mil e R$ 9 mil, o impacto fiscal seria neutro, conforme os cálculos da equipe do banco.
“A redução da tributação para as faixas de renda mais baixa, que têm menor taxa de poupança, seria compensada pelo aumento para as faixas de renda maiores, que têm alta taxa de poupança. O aumento da alíquota máxima aproximaria o país do padrão internacional”, explicam os economistas.
Nos países da OCDE, a alíquota máxima de imposto sobre renda incide sobre ganhos 356% acima do salário médio, o que seria equivalente a R$ 8.884 no Brasil. No sistema tributário brasileiro, a maior faixa corresponde a R$ 4.664,68, ou 212% da renda média.
Os analistas sugerem ainda alternativas à limitação da declaração simplificada. Uma das possibilidades mencionadas é manter as condições atuais, sem restrição por renda, e tornar a tributação mais progressiva, “trazendo algum ganho para a atividade econômica sem prejudicar o ajuste fiscal”.
Outra opção seria revisar as regras de dedução da base de cálculo do imposto. Eles lembram que os abatimentos são bastante concentrados e utilizados principalmente pela parcela mais rica da população.
Estudos do Ministério da Economia mostram que, no caso da saúde, cuja dedução é atualmente ilimitada, 82% dos R$ 18 bilhões de renúncia fiscal vão para o 1% mais rico da população, enquanto 79% dos R$ 4 bilhões de renúncia com despesas de educação, cuja dedução hoje é limitada a R$ 3.652, vão para os 20% mais ricos.
“Ou seja, desenhos que focalizem essas deduções na parcela mais pobre poderiam ter seus ganhos utilizados para manter mais abrangente uma modalidade de declaração de imposto menos complexa – algo bem vindo no Brasil, que, segundo estatísticas do Banco Mundial, é o país onde mais se gasta tempo para administrar o pagamento de tributos.”
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