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Prioridade do presidente Jair Bolsonaro, o projeto de lei que muda a cobrança do ICMS (imposto estadual) sobre combustíveis não tem previsão de votação na Câmara dos Deputados. Lideranças partidárias consultadas pela Gazeta do Povo afirmaram que o tema ainda não foi tratado na reunião de líderes, que define as pautas de votação.
O texto, provavelmente, terá de passar pelas comissões em vez de ser levado para votação direto em plenário. Ele deve ser analisado pelas comissões de Constituição e Justiça, de Finanças e Tributação e de Cidadania. Somente após a análise dos colegiados é que deve ser votado em plenário.
As comissões voltaram a funcionar em 4 de março, de maneira semipresencial. Elas foram suspensas no ano passado por causa da pandemia de Covid-19. Com isso, a Câmara adotou um regime de tramitação excepcional, levando diversos textos pra votação direto em plenário, sem passar pelas comissões. Essa prática continua em vigor em 2021 para alguns casos, mas não deve ser aplicada ao projeto sobre os combustíveis.
“Não tem nenhum debate no colégio de líderes para que ele [o projeto] tramite”, afirmou o vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM). O deputado José Medeiros (PODE-MT), vice-líder do governo na Câmara, acrescentou que as prioridades no momento para votação direto em plenário são as propostas relacionadas ao auxílio emergencial e às vacinas.
Medeiros reconhece que o principal impasse para o projeto vem dos governadores, que são contra o texto. Mas o vice-líder acredita ser possível fazer negociações sobre o tema e colocar o projeto para tramitação nas comissões.
“Sou totalmente a favor que as pessoas possam ter essa transparência que o projeto propõe na cobrança dos combustíveis. A gente está pagando imposto sobre imposto nos combustíveis, na energia, sem clareza dos valores. Tem que cobrar o imposto estadual da mesma forma do federal”, afirma, referindo-se a Cide, PIS e Cofins, que são cobrados na forma de valor fixo sobre o litro do combustível, independentemente do preço de venda ao consumidor. O ICMS, por sua vez, representa um porcentual do valor do litro – assim, sempre que o preço na bomba sobe, o imposto sobe junto.
Ramos também é favorável a uma padronização para o ICMS, mas não somente para os combustíveis. “Precisamos de mudanças infraconstitucionais para resolver principalmente o ICMS, que eu considero o maior contencioso tributário. Mas precisamos de padronização nacional para tudo, e não somente para os combustíveis”, afirmou o vice-presidente da Câmara. Ele apresentou uma emenda ao projeto do governo para prever essa ampliação.
A senadora Mailza Gomes (PP-AC) acrescenta que o projeto do governo vai ser favorável, principalmente, para a arrecadação dos estados mais carentes, como o Acre, por isso ela é favorável ao texto. Mas ela também afirma que os estados mais ricos da federação vão pressionar para que o projeto não seja aprovado. A senadora é líder do maior bloco do Senado, com 24 senadores.
Deputado tenta mudar projeto do governo
O deputado Léo Moraes (Pode-RO) apresentou um projeto para determinar a redução automática dos principais tributos federais que incidem sobre os combustíveis (Cide, PIS e Cofins) sempre que houver redução do ICMS.
Ainda segundo o projeto, os coeficientes de redução dos impostos federais passariam a ser apurados a partir da redução média das alíquotas efetivas do ICMS que incidem sobre os combustíveis e determinadas pelos estados.
Segundo Moraes, o seu projeto é um meio termo em relação ao do governo, possibilitando reduzir a carga tributária sem afetar os estados. Ele diz que é difícil aprovar mudanças no ICMS e que o impacto poderia ser muito grande para algumas federações, já que hoje as alíquotas estaduais variam de 17% a 32%.
“Como vai fazer uma mudança de imediato, estabelecendo um único valor de ICMS para todos os estados? Tem estado que vai ter de diminuir muito sua arrecadação, outros menos. A redução da carga tributária dos combustíveis tem que ser proporcional, de forma escalonada”, explicou.
Secretários da Fazenda defendem discussão na reforma tributária
O Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda (Comsefaz) defende que a reforma tributária é o ambiente mais adequado para discutir mudanças o ICMS.
"Somente uma reforma tributária nos moldes que os estados têm defendido desde 2019 junto à Comissão Mista da Reforma Tributária no Congresso Nacional poderá reorganizar essa e outras receitas dos entes federados e decidir sobre novas formas de incidência reequilibrando o seu alcance nos setores estratégicos", diz em nota.
O presidente do comitê, Rafael Fonteles, secretário de Fazenda do Piauí, tem reafirmado que os aumentos nos preços dos combustíveis acontecem por causa da política de preços da Petrobras, que atrela os reajustes à variação do barril de petróleo no mercado internacional e à variação do dólar.
“Os expressivos aumentos nos preços dos combustíveis ocorridos a partir de 2017 não apresentam qualquer relação com a tributação estadual”, diz o Comsefaz em nota. “O problema sempre foi o grau de volatilidade internacional do segmento que atualmente é comunicado sem gerenciamento ao setor produtivo”, completa o comitê.
Bolsonaro culpa publicamente a Petrobras e os estados pelo aumento dos combustíveis. Por isso, ele pediu a troca do presidente da estatal, pedindo mais “previsibilidade” aos reajustes, e encaminhou o projeto que muda a cobrança do ICMS. Além disso, zerou os tributos federais sobre o diesel (por dois meses) e o gás de cozinha (de forma permanente).
O que diz o projeto do governo
O Projeto de Lei Complementar (PLP) 16/21, que altera a cobrança do ICMS do combustível, foi enviado por Bolsonaro à Câmara em 12 fevereiro. Ele estabelece que o imposto estadual sobre combustíveis terá uma alíquota fixa e única para todo o país.
Essa alíquota será definida pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), formado por secretários estaduais de Fazenda e parte dos integrantes do Ministério da Economia. A alíquota poderá variar conforme o combustível. Atualmente, cada estado tem total autonomia para definição das alíquotas.
Pela proposta do governo, a nova alíquota única para todo o país terá de ser em valor fixo estabelecido em reais. Pela regra atual, a alíquota de ICMS de cada estado é um percentual do preço de venda do produto. Isso faz com que os estados arrecadem mais sempre que o combustível fique mais caro – o que não ocorre com os tributos federais, que têm valor fixo que não depende do preço na bomba.
Ainda segundo o projeto, a alíquota será cobrada nas refinarias, o que ajudará na fiscalização e combate à sonegação, um dos principais problemas do setor. O valor a ser recebido caberá ao estado de destino onde ocorrer o consumo. Atualmente, o imposto é recolhido no estado de origem.
Sempre que houver aumento na alíquota fixa do tributo, o novo valor entrará em vigor somente após 90 dias. O objetivo é dar mais previsibilidade ao setor e aos consumidores. As regras se aplicariam a todos os tipos de combustíveis, como gasolina, diesel, biodiesel, etanol e gás natural e de cozinha, além de outros derivados de petróleo.
O objetivo do projeto, segundo o Planalto, é estabelecer, em todo o país, “uma alíquota uniforme e específica, segundo a unidade de medida adotada na operação (litro). Com isso, o ICMS não irá variar mais em razão do preço do combustível ou das mudanças do câmbio”.