"Quem aqui ainda escreve carta?". A sentença, proferida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para justificar a intenção do governo de privatizar os Correios está, de fato, no centro da discussão sobre a venda da estatal e o fim do monopólio de entrega de cartas, que é o mais antigo do país e já soma mais de 350 anos.
De um lado, as empresas privadas - e possíveis interessadas na aquisição dos Correios - fazem coro com o ministro ao alertar sobre a extinção dos envios postais e denunciam a concorrência “desleal” em relação ao serviço prestado pela estatal na entrega de produtos - onde está o futuro do setor, na opinião delas. De outro, o sindicato da categoria alerta sobre o papel social prestado pela companhia e o possível desatendimento de localidades remotas caso os Correios sejam privatizados, além do grande volume de desempregados que a venda da estatal deverá gerar.
“Os Correios estão presentes em todos os municípios brasileiros e são a empresa pública que mais emprega no país. São quase 300 mil [postos de trabalho] indiretos, fora os 100 mil trabalhadores concursados. O país tem [13 milhões] de desempregados, aumentar este número ainda mais seria contraditório”, opina Douglas Melo, diretor de comunicação da Federação Interestadual dos Sindicatos dos Trabalhadores dos Correios (Findect). Ele destaca, ainda, que dos 5.570 municípios em que os Correios estão presentes, apenas 324 geram lucro para a instituição. “Mesmo assim, o Correio mantém o serviço postal em todo o país. As empresas privadas não irão querer atuar nestes locais que não geram lucro, pois este é o propósito delas”, alerta.
As empresas, por sua vez, refutam este argumento e afirmam ter não apenas interesse, mas infraestrutura capaz de atender a demanda pelo serviço postal, como destaca Tayguara Helou, presidente do Sindicato das Empresas de Transportes de Carga de São Paulo e Região (Setcesp).
“No processo de logística, a encomenda postal tem mais ou menos as mesmas características da entrega de produtos. O mundo das correspondências está acabando, sendo superado pelo meio digital. E, hoje, boa parte das entregas postais são referentes à entrega de cartões, de talões de cheque, ou seja, de cartas que, dentro, carregam um produto”, pontua.
Ganho de eficiência está entre os benefícios da venda da estatal
O ganho de eficiência e a melhoria da experiência no uso do serviço são listados pelas partes favoráveis à privatização entre os benefícios que ela pode trazer para os clientes. Isso porque, na avaliação do presidente do Setcesp, os Correios teriam “acostumado mal” os clientes com a oferta de um preço final mais atrativo, mas tirando dele a possibilidade de experimentar um serviço baseado na eficiência da entrega. “Os Correios não têm compromisso com resultados. Eles ainda geram prejuízos à sociedade com atrasos e extravios de entregas e com a isenção de tributos federais, estaduais e municipais”, acrescenta Helou.
Tal ineficiência, especialmente no que diz respeito à entrega de mercadorias, também é vista pelo professor Marcelo Portugal, da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) como um dos principais pontos que embasam a intenção do governo de privatizar os Correios. “O Correio brasileiro tem dois serviços distintos: um monopolista, o de entrega de cartas, e o de entrega de pacotes, no qual ele precisa [mas não consegue] ser ágil o suficiente para competir com [as grandes empresas do ramo]. O monopólio da carta, que fazia a diferença para a existência do Correio, é um serviço que não existe mais. A opção, hoje, é deixá-lo público e ele falir ou privatizá-lo enquanto ainda tem uma estrutura de entrega de pacotes competitiva em valor de mercado”, sentencia.
Privatizar, uma tarefa difícil
Destoantes em relação à intenção de venda da estatal pelo governo, ambos os lados concordam, por motivos distintos, que a privatização dos Correios não será algo fácil de se concretizar. Melo, diretor de comunicação da Findect, destaca que manter o serviço postal está entre as competências constitucionais da União, e que alterá-la demandaria aprovação pelo Congresso Nacional. De outro lado, também seria difícil para o governo encontrar uma empresa interessada em adquirir a estatal com capacidade para assumir uma companhia com tal porte.
Sendo assim, a concessão da atividade por regiões ou a imposição de limites para a participação no leilão baseada no market share das empresas privadas são algumas sugestões levantadas pelos especialistas favoráveis à venda dos Correios visando um modelo de privatização que priorize o aumento da concorrência, e não a monopolização privada do setor. “A privatização vai aumentar a oferta e a qualidade dos serviços prestados com possibilidade de redução dos custos [para o cliente]”, resume Ricardo Hoerde, sócio-fundador da Diálogo Logística.