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O governo prevê que a privatização da Eletrobras – que depende de uma medida provisória em tramitação no Congresso – pode reduzir em até 7,4% a tarifa de energia dos consumidores brasileiros. A informação foi divulgada em nota informativa publicada na quarta-feira (9) pelo Ministério de Minas e Energia, e tida como uma tentativa de amenizar críticas de que a medida aumentaria a conta de luz no país.
"Estima-se que os cenários de variação do efeito tarifário podem ir desde -5,10%, em um cenário conservador, até -7,365%, em um cenário arrojado", afirma a pasta no documento (a íntegra está disponível ao fim desta reportagem).
A previsão do governo vai na contramão das estimativas de associações e especialistas do setor, que apontam para um aumento da tarifa do consumidor do chamado mercado "cativo" em até 10%, equivalente a R$ 41 bilhões. Desse mercado, fazem parte, obrigatoriamente, todas as residências e parte do comércio e da indústria. Nele, cada um consome energia da distribuidora que é concessionária de sua região, e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) fiscaliza e define os reajustes anuais.
A primeira das condições estabelecidas pela MP que, segundo especialistas, pode resultar em aumento do custo da energia é a saída da Eletrobras do sistema de cotas criado em 2013, no governo de Dilma Rousseff (PT), com o objetivo de diminuir o valor da tarifa de energia.
Nele, a geradora recebe uma tarifa fixa pela operação e manutenção, definido pela Aneel. Muitos especialistas consideram que o regime prejudicou a Eletrobras, que teria sido obrigada a produzir energia por uma remuneração insuficiente. Com a empresa abandonando o regime após a privatização, novos contratos seriam negociados pelo valor de mercado.
Outro fator que poderia incorrer em aumento é a obrigação para que o setor contrate, em leilões a serem realizados nos próximos anos, 6 mil megawatts (MW) de potência de usinas termelétricas movida a gás natural nas regiões Centro-oeste, Norte e Nordeste, além de 2 mil MW oriundos de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs).
A previsão de prorrogação dos contratos do Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) por 20 anos também deve ter impacto negativo, avaliam especialistas. Na prática, isso significa renovar a concessão de energia "velha", vinda de usinas já amortizadas, por custos superiores ao de energias "novas".
Para os consumidores do mercado livre, por outro lado, há possibilidade, segundo o MME, de que haja uma redução de até 0,81% do preço da energia. Desse mercado podem participar apenas grandes consumidores, como estabelecimentos comerciais de grande porte e indústrias. Nele, o consumidor negocia contrato de energia diretamente com o gerador, os quais definem, entre si, o prazo de duração do contrato e os valores da energia.
Os impactos totais na tarifa dos consumidores, segundo o MME, se dariam da seguinte forma no cenário-base, um intermediário entre o arrojado e o conservador, que prevê queda de 6,34% na tarifa:
- A substituição de termelétricas movidas a óleo pelas movidas a gás reduziria a conta em -1,1%;
- A contratação de PCHs, por outro lado, geraria um acréscimo de 0,2%;
- A descotização das usinas, realizada em cinco anos, resultaria em diminuição de -0,3% na conta final;
- A renovação do Proinfa teria impacto de -0,94%; e
- A destinação do superávit da Itaipu para a CDE, após o fim da amortização da dívida previsto para 2023, poderia reduzir a conta do consumidor em -4,2%.
Veja, abaixo, os possíveis cenários e impactos estimados pelo MME:
O texto da medida provisória, com modificações em relação à proposta original, foi aprovado na Câmara em 19 de maio e tem até o dia 22 de junho para ser apreciado pelo Plenário do Senado Federal. Caso isso não ocorra até lá, a MP perde a validade. O senador Marcos Rogério (DEM-RO), relator da proposta, deve protocolar seu texto na próxima semana.
Termelétricas e gasodutos
Com relação ao tópico da MP que propõe a contratação de 6 mil MW de usinas termelétricas, a nota do governo afirma que isso exigirá, no pior cenário de contratação a preço-teto, algo como R$ 8,93 bilhões ao ano dos consumidores cativos. O custo estimado com as térmicas atuais, cujos contratos vencem em 2024, é de R$ 9,22 bilhões ao ano.
Na prática, a medida, segundo o MME, deve prever ao consumidor uma redução de 1,1% da tarifa, já que haveria uma substituição de termelétricas movidas a óleo – que são mais caras – pelas movidas a gás natural.
Mas ainda assim há custos relacionados à implantação de infraestruturas de gasodutos e de linhas de transmissão. Em sua defesa, o Ministério afirma que as formas de contratação de geração no setor elétrico não ocorrem pelo custo de remuneração dos investimentos, mas que são resultantes de leilões em que os projetos competem entre si, vencendo aquele que ofertar o menor preço para o consumidor, "o qual deve ser suficiente para arcar com todos os custos, tanto de implantação quanto de operação".
O relatório da MP aprovado na Câmara também limita o preço dessa nova contratação ao valor máximo equivalente ao preço teto estabelecido para geração a gás natural do Leilão A-6 de 2019 atualizado.
A pasta afirma ainda que, mesmo que o impacto seja de R$ 41 bilhões – como têm apontado as associações –, ele se refere ao custo "total" de investimento, de modo que há uma diferença entre se calcular o impacto tarifário desse investimento em apenas um ano ou ao longo do contrato pelo período de 15 anos.
"Além disso, é necessário considerar que o volume de investimentos será pago por um mercado que cresce. Para se estimar o custo por MWh [megawatt-hora], deve ser incorporado o efeito do crescimento do mercado, ao longo dos 15 anos", acrescenta o Ministério de Minas e Energia. Dessa forma o custo dos R$ 41 bilhões apontado pelas associações representaria, para os consumidores, o acréscimo de R$ 3,95 por MWh em suas tarifas, diz a nota.
O governo admite, por outro lado, que haverá um aumento da tarifa em 0,2% com a previsão de contratação de 2 mil MW de PCHs. No pior cenário, diz o estudo, haveria um impacto tarifário adicional de 0,32% aos consumidores cativos em razão dessa reserva de mercado.
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Descotização, Proinfa e Itaipu
O MME afirma, no relatório, que é possível chegar à redução tarifária em qualquer cenário de descotização verificado pela pasta. Com a privatização, a Eletrobras vai sair do sistema de cotas criado em 2013.
O governo ainda considera que haverá impacto tarifário benéfico às tarifas dos consumidores com a prorrogação do Proinfa. "Vislumbramos impacto tarifário imediato negativo com essa medida, considerando que a extensão dos contratos do Proinfa somente ocorrerá mediante apuração pela Aneel dos benefícios tarifários, em observância ao critério de prorrogação do contrato ao preço teto do Leilão A-6 de 2019", diz o MME.
Quanto aos eventuais benefícios aos consumidores oriundos do superávit da Itaipu, a pasta destaca, inicialmente, que, para a mensuração do efeito desse dispositivo, o consumidor paga, em média, R$ 349 por MWh pela energia oriunda de Itaipu. Com a quitação das dívidas, a tarifa necessária para arcar com os custos da usina seria de R$ 124 por MWh.
"Com a venda da energia de Itaipu, cuja parte brasileira é de aproximadamente 38 mil GWh, a preços de mercado, R$ 167/MWh, estimam-se os seguintes efeitos: redução do preço de R$ 349/MWh para R$ 167/MWh, representando um efeito negativo na tarifa média para o consumidor de 3,6%; e 75% do excedente econômico relativo à diferença entre o custo da usina R$ 124/MWh e o preço de venda R$ 167/ MWh aplicados na CDE, representando uma redução média para o consumidor de 0,6%", diz o ministério na nota.
Dessa forma, o efeito total percebido pelo consumidor relativamente à tarifa de Itaipu seria de uma redução média de 4,2%, afirma o MME. A destinação de 75% do eventual excedente econômico oriundo da revisão do Anexo C ao Tratado de Itaipu à CDE também traz benefícios aos consumidores livres, em torno de R$ 418 milhões por ano.