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STF e PGR podem ser obstáculos no caminho da privatização dos Correios

Projeto de lei já aprovado pela Câmara autoriza a privatização dos Correios e a concessão dos serviços postais ao comprador. Proposta é questionada no STF e, na avaliação da PGR, é inconstitucional. (Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)

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Aprovado pela Câmara dos Deputados em 5 de agosto, o projeto de lei que abre caminho para a privatização dos Correios ainda depende da aprovação do Senado e da sanção do presidente Jair Bolsonaro. Mesmo que supere essas etapas, a proposta poderá enfrentar obstáculos na sequência, mais especificamente no Judiciário.

Uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI), proposta ao Supremo Tribunal Federal (STF) pela Associação dos Profissionais dos Correios (ADCAP), contesta a privatização da estatal. Nessa ação, a Procuradoria-Geral da República (PGR) já se manifestou contrária à desestatização total da companhia. Na avaliação do procurador-geral, Augusto Aras, a transferência do serviço postal e do correio aéreo nacional ao setor privado é inconstitucional. O próprio STF já se manifestou sobre a questão, ainda em 2005, ao definir que os serviços postais devem ser prestados pelo Estado.

De autoria do Executivo, o PL 591/2021 está sendo analisado no Senado. Se aprovado, será a segunda vitória do governo com relação às privatizações – a primeira ocorreu em 21 de junho, quando os parlamentares aprovaram a medida provisória 1.031, que abre caminho para a privatização da Eletrobras. A expectativa do governo federal é vender 100% da estatal, por meio de leilão, no primeiro trimestre de 2022.

A ADCAP e outros representantes dos trabalhadores têm conversado com assessores parlamentares no Senado para tentar reverter a decisão da Câmara. Quanto à expectativa de mobilizações, a associação afirma que o "clima está ruim" e que, para além da possibilidade de privatização, há outras questões que preocupam os funcionários, a exemplo do fundo de pensão da estatal.

Por que o STF pode ser um obstáculo à privatização dos Correios

Impetrada pela ADCAP, a ADI 6.635/DF, que está sob relatoria da ministra Carmen Lúcia, sustenta que o Decreto 10.674/2021 – que incluiu a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) no Programa Nacional de Desestatização (PND) – é inconstitucional. A ADI também questiona dispositivos das leis 9.491/1997 e 13.334/2016.

Em uma decisão proferida em 2005, o STF já havia se posicionado com relação ao tema, afirmando que "os serviços postais são de caráter público e devem ser oferecidos e prestados pelo Estado".

A Constituição determina que compete à União manter o serviço postal e o correio aéreo nacional. "Há toda uma discussão sobre o significado de manter. Se a manutenção, por exemplo, necessariamente se dará pela União de forma direta ou se a União pode conceder referido serviço e a manutenção se daria através da fiscalização por parte da União", explica o especialista em Direito Constitucional Acacio Miranda.

O governo, por sua vez, tomou como fundamento legal para a privatização da estatal uma autorização genérica de desestatização contida no inciso I do art. 2º da Lei 9.491/1997. Segundo o Executivo, trata-se de norma legal que autoriza, em tese, a desestatização dos serviços postais.

O que o PL 591/2021 faz é estabelecer que a manutenção de serviços prevista pela Constituição "dar-se-á pela garantia da prestação do serviço postal universal e pela regulação e organização do Sistema Nacional de Serviços Postais". Pela proposta, esse ponto seria atendido por meio de concessão, e o novo operador da empresa deveria obedecer o comando de um serviço postal universalizado, atendendo a toda a população e assegurando a continuidade do serviço postal universal.

Para a ADCAP, a proposta do governo tem vício de origem. "O inciso X do art. 21 da Constituição Federal não possibilita a prestação indireta dos serviços postais e do correio aéreo nacional", afirma a associação na ADI. Ainda para a associação, o PL "tem falhas gravíssimas de concepção" e pode colocar em risco o serviço postal do país. O grupo também opina que a "tramitação atropelada" que tem sido dada à proposta impede "que essas imperfeições e riscos sejam devidamente analisados e corrigidos".

"Não vejo como a decisão ser diferente na direção de acatar o que estamos falando", diz Marcos Cesar Alves da Silva, vice-presidente da ADCAP. "Mas um assunto como esse não poderia ser tratado a toque de caixa, como estão fazendo. Quem privatizou empresas levou dez anos preparando leis, organizando o setor, estruturando agencia reguladora. E mesmo assim tiveram problemas."

Caminho ideal para privatização dos Correios seria mudar Constituição, diz especialista

Para Acacio Miranda, especialista em Direito Constitucional, o caminho ideal seria propor uma emenda à Constituição para alterar o artigo 21 da CF. "[Ele poderia ser alterado] substituindo-se a palavra 'manter' por 'conceder' ou permitir que um terceiro o explorasse. O verbo manter, com a conotação consagrada na CF, dá margem a interpretação: manutenção direta pela própria União através dos Correios ou a manutenção do serviço inclusive através de um terceiro, que seria o concedente desse serviço", diz ele.

"O ideal é que o Congresso Nacional, seguindo o quórum de uma proposta de emenda constitucional, discuta todas as possibilidades, para que haja segurança jurídica na manutenção do serviço e segurança jurídica para os prestadores e aqueles que sejam tomadores desse serviço", corrobora Miranda.

Marcos Cesar Alves da Silva, vice-presidente da ADCAP, diz que "o movimento do governo já nasce com problemas de origem, que é a constitucionalidade". "Para mexer nos Correios, o governo precisaria fazer uma PEC, já que a Constituição Federal prevê a prestação de serviço postal pela União", afirma.

Questionado sobre qual seria a reação da associação se a proposta fosse endereçada ao Parlamento por meio de PEC, o representante dos funcionários mantém a oposição à iniciativa. "O serviço postal é público por natureza, e na maior parte dos países do mundo é prestado por entidade pública. Em apenas oito países ele é totalmente privado", diz. Para ele, a extensão territorial e as assimetrias regionais só conseguem ser enfrentadas pelo poder público.

PGR não concorda com desestatização total dos serviços postais

A ADI também recebeu uma manifestação positiva do procurador-geral da República, Augusto Aras. Ele se posicionou a favor da inconstitucionalidade parcial do inciso I do art. 2º da Lei 9.491/1997, “a fim de retirar da força normativa do dispositivo legal a autorização de desestatização” da empresa. Aras também se manifestou favorável à declaração de inconstitucionalidade do Decreto 10.674.

"O inciso X do artigo 21 da Constituição Federal não possibilita a prestação indireta dos serviços postais e do correio aéreo nacional. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT – até poderia ser cindida, com a desestatização da parte da empresa que exerce atividade econômica", disse o procurador em parecer.

"É inconstitucional o traspasse à iniciativa privada, mediante autorização, concessão ou permissão, do serviço postal e do correio aéreo nacional", afirmou Aras.

O que está sendo discutido no Congresso

O PL aprovado pelo plenário da Câmara no último dia 5 de agosto autoriza a venda dos Correios em um leilão e cria um marco regulatório para o setor, hoje em regime de monopólio, e define normas gerais para o Sistema Nacional de Serviços Postais (SNSP), além de direitos e deveres dos consumidores e regras genéricas para as empresas privadas que entrarem no mercado postal.

O comprador da estatal terá de assumir a futura concessão para a manutenção dos serviços postais em todas as regiões do país. Embora encerre o monopólio dos Correios sobre esse serviço, abrindo espaço a outras empresas, o texto determina que a companhia, após a privatização, ainda será a única prestadora por "pelo menos cinco anos".

Pelo calendário do BNDES, a proposta tem de ser aprovada até o fim deste mês de agosto para que o certame possa ser realizado em abril de 2022. As regras também precisarão do aval do Tribunal de Contas da União (TCU).

O PL também proíbe funcionários de serem demitidos sem justa causa nos 18 meses após a privatização. Além disso, deverá ser apresentado aos colaboradores um plano de demissão voluntária (PDV) com período de adesão de 180 dias contados da desestatização, além de iniciativas para a requalificação profissional deles.

A proposta altera, ainda, as competências da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que passará a se chamar Agência Nacional de Comunicações (Anacom), regulando também os serviços postais.

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