O governo divulgou nesta semana um relatório com informações detalhadas sobre as políticas de gestão de pessoas concedidas pelas 46 estatais de controle direto da União aos seus trabalhadores (veja ao fim da matéria). Além de mostrar casos em que os salários chegam a R$ 106 mil por mês, o relatório jogou luz a diversos privilégios dos funcionários de estatais que não costumam existir na iniciativa privada.
Há estatais que oferecem estabilidade aos funcionários ou que possuem regras que restringem desligamentos. Por lei, os funcionários das estatais, mesmo que admitidos por concurso, são celetistas, ou seja, atuam no mesmo regime dos trabalhadores da iniciativa privada e poderiam ser demitidos.
Mas algumas estatais colocam cláusulas para dificultar a demissão de seus funcionários. É o caso, por exemplo, da Companhia Docas do Pará, que veda dispensa sem processo administrativo de ampla defesa ou por motivo técnico ou econômico relevante, e da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba, que obriga prévio procedimento para dispensar por justa causa.
Também há estatal que dispensa automaticamente o trabalhador de cumprir aviso prévio em caso de pedido de demissão e que paga um aviso prévio adicional quando o trabalhador é demitido. Numa demissão, a CLT prevê que o funcionário geralmente tem que trabalhar por mais 30 dias – esse prazo varia conforme o tempo de casa. A empresa que demitiu pode liberar o funcionário de cumprir o período, mas tem que pagar o equivalente a um salário para ele (aviso prévio indenizado). Se é o funcionário que pediu demissão e quer sair imediatamente, é ele quem tem que pagar um salário para a empresa como “multa”.
Outro privilégio de funcionários de algumas estatais é o pagamento de adicionais de férias acima da previsão legal de um terço (33,3%). Algumas estatais chegam a garantir 100% do benefício aos trabalhadores. A Eletrobras, por exemplo, prevê uma gratificação de 75% do salário quando o trabalhador sai de férias e a Petrobras, de 100%.
Os valores dos auxílios para custear a educação de dependentes dos empregados também chamam a atenção, em alguns casos. O relatório revela que estatais chegam a pagar R$ 1.262 mensais para funcionários com filhos de até 17 anos e 11 meses ou auxílio-creche de R$ 740 mensais para crianças com menos de sete anos.
Ainda segundo o relatório, há casos de empresas que garantiram redução de jornada de trabalho de 8 para 6 horas diárias aos trabalhadores, sem queda proporcional na remuneração. E estatais que oferecem promoção na carreira de um nível salarial para efeito de recebimento de complementação de aposentadoria.
O que o governo pretende fazer com os privilégios de funcionários de estatais
O secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord, afirmou em entrevista à Gazeta do Povo que o governo tem a intenção de reduzir os privilégios de funcionários de estatais, mas que isso ainda está em avaliação, até porque as empresas têm autonomia para definir suas políticas de salários e benefícios e porque existem contratos coletivos negociados.
Ele explicou que a intenção do governo ao divulgar o relatório foi dar luz a muitas benevolências, que estavam "escondidas". Ele afirma que governos anteriores nunca tinham feito esse diagnóstico. Agora, o governo vai analisar o que pode ser feito, dentro das suas limitações.
"Há sim uma intenção, de maneira mais ampla, para a gente reduzir esses privilégios. Mas as estatais têm sua autonomia e existem acordos coletivos que foram feitos ao longo das últimas décadas. Temos hoje administradores nessas empresas que têm intenção de reduzir esses privilégios, mas isso foi algo construído por décadas. Isso era escondido da população brasileira. O primeiro passo foi trazer luz a esses privilégios”, afirmou.
Ele cita que o governo, na condição de acionista controlador, pode baixar diretrizes para gestão de pessoas nas estatais, mas que, no momento, não está previsto o lançamento de nenhuma nova regra.
“Há algumas diretrizes que o controlador, no caso nós [governo], pode definir. Por exemplo, a resolução CGPAR 23, de 2018. Ela define algumas regras para plano de saúde e muitas empresas até hoje não seguem isso. Esse é um exemplo de diretriz que o controlador coloca para todas as empresas”, explica. “Nesse momento o que buscamos fazer foi um diagnóstico. Com base nessas informações, a gente vai verificar se tem alguma coisa que possa fazer.”
O secretário diz que o governo colocou no comando das estatais profissionais qualificados e focados na eficiência, e que eles já estão negociando a redução desses privilégios.
“Você tem a negociação do administrador com o sindicato, muito na linha de mostrar que, às vezes, a empresa quebrou e não suporta mais pagar essa quantidade de privilégios. Vide os Correios, que negociou com o sindicato que não tem mais condições de ficar pagando plano para pai, mãe. Temos um conjunto de administradores mais comprometidos com a sustentabilidade da empresa, e não com uma pauta política que possa dar a eles um incentivo de fazer benevolência com dinheiro público.”
Questionado se as estatais darão continuidade aos programas de demissão voluntária (PDVs), visto que o presidente Jair Bolsonaro mandou parar o processo no Banco do Brasil, o secretário afirmou que as estatais seguem com autonomia.
“As empresas estatais têm autonomia definida por lei. Na questão política, eu confesso que eu não me meto. Aqui a nossa função é de determinar a governança dessas empresas estatais e melhores práticas. Mas eu acredito que preocupações políticas sempre existiram e para sempre existirão, mas elas não passam de preocupações, porque as empresas estatais têm sim autonomia.”
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