Além do petróleo, carvão (foto) e gás natural são commodities energéticas que estão pressionando o aumento da inflação no mundo.| Foto: Idrees Mohammed/EPA/EFE
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Não bastasse os desafios internos — a crise hídrica, as tensões políticas, os problemas fiscais e o aumento da inflação —, riscos externos começam a aparecer no para-brisa da economia brasileira. Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que três fatores se destacam e podem afetar o país: o início da redução dos estímulos monetários nos Estados Unidos, o desaquecimento da economia chinesa e a forte elevação dos preços das commodities energéticas.

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Isto ocorre em meio a um cenário em que se projeta um menor crescimento da economia mundial em 2022. Neste ano, o PIB global deve crescer 5,7%, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), em função da recuperação das perdas causadas pela pandemia. No ano que vem, a sinalização é de uma alta de 4,7%.

“O cenário favorável, de alta liquidez e de juro baixo, está perdendo força para o aumento da inflação”, diz Fernando Fix, sócio da Hieron Patrimônio Familiar e Investimento. Estados Unidos já planejam iniciar a redução na compra de ativos financeiros em novembro. A China está reorientando sua economia, com perspectivas de crescimento menor nos próximos anos. E problemas com fornecimento de energia também a preocupam, juntamente com a Europa.

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“O Brasil está patinando em gelo fino”, sintetizam economistas da XP Investimentos. Segundo eles, aos problemas já conhecidos no Brasil, há o reforço de componentes externos.

Há ainda, segundo Fix, o problema nas cadeias de fornecimento. Os fretes marítimos continuam caros e há falta de contêineres no Brasil. “Com a pandemia, a demanda caiu drasticamente. Com a rápida retomada, a cadeia produtiva não estava preparada para atender às necessidades dos consumidores”, diz Samuel Cunha, sócio da H3 Invest.

Mesmo com essas questões, a XP Investimentos avalia que o cenário externo ainda está favorável para o Brasil. “Mas os riscos, no mínimo, devem manter os mercados voláteis”, apontam em relatório mensal. Na sexta (15), a cotação média do dólar comercial foi de R$ 5,45, segundo o Banco Central, R$ 0,10 abaixo do patamar de dois dias antes. No fim de junho, a moeda chegou a ser negociada perto de R$ 4,90.

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Fim dos estímulos monetários nos Estados Unidos

Não é só o Brasil que está com problemas inflacionários. Trata-se de um desafio também para as principais economias mundiais. Estimativas do FMI indicam que os preços devem subir 4,8% no mundo em 2021, a maior alta desde 2007.

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Tomás Urani, economista do Santander, aponta que esse cenário inflacionário é um reflexo da recuperação da economia mundial. “Estamos vindo de uma economia mais frágil em 2020 e que enfrenta gargalos produtivos e problemas com a logística.”

Não poderia ser diferente nos Estados Unidos. Os preços ao consumidor subiram mais de 5,4% em 12 meses, impulsionados por alta nos alimentos. Um dos caminhos do Federal Reserve – Fed, o banco central dos EUA – para tentar conter a inflação americana é encerrar gradualmente os estímulos aplicados na maior economia mundial.

Aos poucos, a partir de novembro, o Fed deve reduzir a compra de ativos, como títulos públicos e imobiliários, que têm por objetivo aumentar a liquidez na economia. O valor empregado mensalmente nessa iniciativa é de US$ 120 bilhões. O ritmo de queda previsto é de US$ 15 bilhões ao mês. Seriam oito meses até o encerramento do programa.

O próximo passo seria o aumento na taxa básica de juros dos EUA, que atualmente está na faixa de 0% a 0,25% ao ano. Serão elevações suaves, segundo os analistas ouvidos pela Gazeta do Povo.

O economista do Santander acredita que as altas só iniciem em 2023. O comitê que discute as mudanças deve sofrer alterações. E esse cenário deve deixar o dólar mais forte, criando mais pressões sobre a economia brasileira.

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O desaquecimento da economia chinesa

Outro desafio que vem do exterior é o desaquecimento da economia chinesa. O país está reorientando sua forma de crescimento – dos pesados investimentos em infraestrutura para o consumo interno – e, com isso, as expectativas são de uma expansão menor do PIB. O FMI projeta que a economia chinesa crescerá 8% em 2021 e entre 5% e 5,5% nos próximos cinco anos.

O dado do terceiro trimestre, divulgado no fim de semana, já veio um pouco mais fraco que o esperado. O país cresceu 4,9% na comparação com igual período de 2020, abaixo das estimativas de 5,1%.

Essa reorientação da política econômica chinesa também tem por objetivo distribuir mais, entre a população, a prosperidade alcançada nos últimos anos. E um dos caminhos seria estimular o consumo interno. “Isto tende a se firmar como uma tendência de longo prazo”, aponta Fix, da Hieron. Segundo a The Economist, o consumo das famílias representava 38,1% do PIB chinês em 2019 – no Brasil, esse percentual foi de 64,2% naquele ano.

O analista afirma que esse menor vigor chinês pode reduzir as compras de minério de ferro, um dos principais produtos da pauta brasileira de exportações, invertendo assim a tendência recente. Nos nove primeiros meses do ano, houve um crescimento de 89% nas receitas de exportação dessa commodity, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex).

O preço do minério de ferro despencou nas últimas semanas, reagindo à perspectiva de desaceleração chinesa e os problemas com a megaincorporadora Evergrande, a segunda maior daquele país, cuja dívida equivale a aproximadamente 15% do PIB brasileiro.

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A indústria chinesa da construção está em alerta com o caso da Evergrande. Outras construtoras, como a Sinic, também estariam enfrentando problemas. “O governo chinês quer controlar a alavancagem do setor, que está em limites além dos prudenciais”, diz o sócio da Hieron.

Urani, do Santander, descarta que os problemas imobiliários na China se tornem um problema similar à falência do banco de investimentos americano Lehman Brothers, em 2008, pivô da mais grave crise econômica desde 1929. “Há uma clara tendência de reduzir o crescimento que vem via investimento produtivo.”

Alerta da energia: commodities em alta

Um dos desarranjos mais relevantes causados pela pandemia da Covid-19 foi no mercado de commodities energéticas. Dados compilados pelo Financial Times mostram que, em um ano, o petróleo praticamente dobrou de preço; o gás natural aumentou mais de 85% e o óleo para calefação, quase 120%. Outro combustível que teve forte alta foi o carvão, importante na matriz energética da China e da Índia, duas economias de forte crescimento.

A alta nos preços do petróleo está relacionada a restrições de produção feitas pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) diante da forte queda nos preços da commodity no início da pandemia. Com o gradual relaxamento das restrições mundo afora, a demanda por combustível aumentou muito mais que a oferta, inflacionando os derivados do petróleo.

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O chefe de análise econômica do banco suíço Julius Baer, Norbert Rücker, afirma que o repique nos preços do petróleo dos últimos dias está relacionado a contratempos habituais.

“Enquanto no Ocidente e na China o uso de petróleo retomou os níveis anteriores à crise, a recuperação pendente das viagens aéreas internacionais ou os ganhos incrementais na demanda dos mercados petroleiros emergentes parecem improváveis a inclinar a balança, dado o crescimento na produção de óleo de xisto e nas nações produtoras de petróleo. A redução dos estoques de petróleo nos Estados Unidos tem perdido força ultimamente”, diz.

Ele também descarta o argumento de que o mercado petrolífero padece de investimento insuficiente. “Parece provável que o aumento obrigatório na mineração de carvão na China, o aumento dos fluxos de gás natural russo para a Europa e o crescimento do comércio mundial de carvão aliviarão a crise energética mais cedo do que tarde”, diz Rücker.

A opinião do economista suíço não é corroborada pela Guide Investimentos, que acredita que os preços da energia, particularmente do carvão, continuarão pressionados – pelo menos no curto prazo. A empresa lembra que enchentes na principal região produtora de carvão favoreceram a alta da commodity. A China também está apresentando o maior nível de demanda por energia térmica desde a virada do século. “Uma das alternativas para a China é a importação de carvão da Austrália”, diz Cunha, da H3 Invest.

Por outro lado, a China quer depender menos do carvão na sua matriz energética. O regime de Xi Jinping quer levar o país à neutralidade de carbono até 2060. E quer despoluir as principais cidades chinesas. As Olimpíadas de Inverno de 2022, que serão realizadas em Pequim, são um dos cartões de visita para mostrar as intenções dos chineses.

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Sobre o gás natural, Cunha acredita que os preços continuarão pressionados na Europa, mesmo com as declarações recentes do presidente russo Vladimir Putin de que pode fornecer todo o combustível que o continente precisa. A justificativa é de que a região está próxima do inverno, quando o consumo de energia cresce.