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Em meio aos esforços do governo e do Congresso para segurar a alta nos preços dos combustíveis, sobrou para a Petrobras, responsável pela maior parte do refino de derivados de petróleo no Brasil. As críticas à estatal se acentuaram após a divulgação dos resultados do primeiro trimestre deste ano, que colocaram a empresa como a mais lucrativa entre as grandes petroleiras do setor em todo o mundo.
O lucro nos três primeiros meses do ano foi de R$ 44,561 bilhões, cifra 3.718% acima da observada no mesmo período do ano passado. Os números foram alvo de ataques do presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), que os classificou como um “estupro”, e do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que defendeu aumentar o imposto sobre os lucros da empresa.
“Muitas petroleiras mundo afora reduziram o preço, baixaram a margem de lucro de suas empresas”, disse Bolsonaro, ainda em maio, durante uma live.
“Não pode a Petrobras ter uma margem de lucro que beire 31%, totalmente ao contrário das maiores petrolíferas do mundo que estão fazendo a sua parte”, afirmou Lira no início de junho.
Em recente audiência pública na Câmara dos Deputados, o ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, comparou o resultado da Petrobras com o de outras petroleiras. Dias antes, a própria Petrobras – que é subordinada à pasta de Sachsida – havia afirmado que algumas das relações que o ministro acabaria fazendo na reunião são "insuficientes" para comparar seus negócios com os de outras petroleiras (leia mais abaixo).
“O patrimônio dela [Petrobras] é o sexto, e a produção é a sexta. Mas é o maior lucro líquido: 8,5 bilhões de dólares de lucro no primeiro trimestre deste ano, contra uma média, tirando a Petrobras, das demais petroleiras, de 2,1 bilhões de dólares”, explicou, citando números da Bloomberg. “Então, o lucro da Petrobras está bem acima do das demais petroleiras”, disse.
Para se ter uma ideia, o valor supera os resultados, no mesmo período, de Bradesco, Itaú, Vale, Ambev, B3 e JBS somados.
Na relação entre lucro e patrimônio, a Petrobras também se destacou. Na média, as empresas petrolíferas deram um retorno de 12,2% sobre o patrimônio no primeiro trimestre de 2022, enquanto a estatal brasileira apresentou índice de 40,1%, ainda segundo dados da Bloomberg.
Confira a seguir um comparativo entre alguns indicadores da Petrobras e de outras petroleiras no primeiro trimestre de 2022:
Produção, patrimônio líquido e lucro da Petrobras e outras petroleiras
Fonte: MME/Bloomberg
Retorno sobre o patrimônio líquido da Petrobras e outras petroleiras
- Petrobras – 40,1%
- Equinor – 28,9%
- Conocophillips – 27,8%
- Eni SpA – 20,3%
- Repsol – 16,3%
- Exxon – 15,8%
- Total – 15,6%
- Chevron – 14,7%
- Shell – 12,7%
- BP – -25,1%
- Média excluindo Petrobras: 12,2%
Fonte: MME/Bloomberg
Para Sachsida, além do lucro acima da média, a estatal também paga “bem mais” dividendos do que outras petroleiras e gasta acima da média com empregados.
“A Petrobras pagou 19,9% nesse termo chamado dividend yield [retorno de dividendos em relação ao preço da ação]. A média, fora a Petrobras, foi de 4,7%”, disse. “A Petrobras gasta 7,1% das vendas com empregados. A média, tirando a Petrobras, é de 4,8%.”
Retorno de dividendos da Petrobras e outras petroleiras em 2021
- Petrobras – 19,9%
- Total – 5,9%
- Exxon – 5,7%
- Repsol – 5,6%
- Eni SpA – 5,5%
- BP – 4,7%
- Chevron – 4,5%
- Shell – 3,6%
- Conocophillips – 2,7%
- Equinor – 2%
- Média excluindo Petrobras: 4,7%
Fonte: MME/Bloomberg
Gastos com empregados da Petrobras e outras petroleiras, em % das vendas
- Petrobras – 7,1%
- BP – 5,6%
- Total – 5%
- Shell – 4,6%
- Equinor – 4,6%
- Eni SpA – 3,9%
- Repsol – 3,6%
- *Média excluindo Petrobras: 4,8%
Fonte: MME/Bloomberg
Alguns fatores impulsionaram o resultado da Petrobras, como a alta na cotação internacional do barril do tipo Brent, utilizado como referência no mercado de petróleo, e a valorização do real frente ao dólar no período em questão. Mas também contribuiu para o bom desempenho uma série de ações que a empresa adota desde 2016, que inclui uma mudança na estratégia, voltando o negócio para exploração e produção de petróleo e também para a exportação.
Houve ainda um aprimoramento da governança corporativa da empresa, tanto por forças externas, como a Lei das Estatais, de 2016, quanto internas, como a implantação do estatuto social, após as revelações feitas pela Operação Lava Jato.
Para o economista Murillo Torelli, professor de contabilidade financeira e tributária do Centro de Ciências Sociais e Apliacadas (CCSA) da Universidade Presbiteriana Mackenzie, os números mostram que a gestão Petrobras tem uma boa eficiência. Ele avalia, no entanto, que a empresa é, ao mesmo tempo, lucrativa e problemática para o governo.
“Hoje a estatal é um problema para o governo federal, que é pressionado pelos constantes aumentos dos combustíveis devido à decisão administrativa da Petrobras adotada em 2016 no chamado PPI [preço de paridade de importação], com o estatuto afirmando que, se a União decidir intervir e usar a empresa como um instrumento de política pública de acordo com o interesse segundo o qual foi criada, ela deve ser ressarcida por eventual prejuízo causado”, diz.
A insatisfação de Bolsonaro com a diretoria da Petrobras já fez com que três presidentes da empresa fossem demitidos em pouco mais de um ano. Na última troca, José Mauro Coelho foi substituído por Caio Paes de Andrade.
Na audiência na Câmara, ao responder uma pergunta do deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), Sachsida disse que indicou Andrade para mudar a estratégia da companhia.
“A pergunta de sua excelência falava sobre lucro excessivo, que pune a população, e se eu tenho orgulho disso. Não, eu não tenho orgulho disso. Claro que não. Todos nós aqui temos responsabilidade social. Mas, vejam, eu falo como alguém que não está na companhia. A Petrobras é uma companhia listada em bolsa”, justificou.
“O que o governo faz é escolher um presidente, indicar alguns membros do Conselho de Administração, para que se dê determinado norte à companhia”, disse. “Achei que era o momento de preparar a Petrobras para um cenário de mais competição. E, em um cenário de mais competição, achei adequada a troca do presidente. É por isso que eu indiquei o dr. Caio Paes de Andrade, que é uma pessoa com experiência em setores muito competitivos.”
Petrobras diz que lucro líquido é “insuficiente” para comparar negócios
Em nota à imprensa divulgada há algumas semanas, a Petrobras afirma que lucro líquido e margem líquida “são informações insuficientes para comparar negócios diferentes”.
A empresa lembra que tem concentrado sua estratégia de atuação nas atividades de exploração e produção (E&P), responsáveis por cerca de 80% dos ganhos da companhia nos últimos anos. “Não são, portanto, resultados da comercialização de combustíveis no mercado interno”, diz a nota.
Outras petroleiras utilizadas como referência para comparação têm portfólios de negócio distintos, com participação relevante, por exemplo, em distribuição e trading de combustíveis.
A Petrobras explica que o negócio de E&P do pré-sal tem margens de lucro muito maiores do que a atividade de distribuição e trading, o que justificaria a diferença para as demais empresas.
“Mas isso tem uma contrapartida: o E&P demanda investimentos bilionários e de alto risco, que são realizados anos antes do início da produção de petróleo e geração de receita do projeto. Esses investimentos realizados não aparecem nos números de lucro líquido e margem líquida da companhia”, diz a estatal.
“A análise comparativa de lucratividade é, portanto, insuficiente quando se compara diferentes portfólios de negócio. É preciso comparar o lucro gerado com o capital investido, indicando a rentabilidade real do negócio. Isso fornece uma visão mais completa e permite comparar empresas de diferentes indústrias ou aquelas com atuação distinta dentro de um mesmo setor”, prossegue a nota.
Em 2021, a rentabilidade da Petrobras, medida pelo retorno sobre o capital empregado (Roce), foi de 7,8%, enquanto a média obtida pelas maiores petrolíferas no mesmo período foi de 13,1%. No primeiro trimestre de 2022, o Roce da estatal brasileira foi de 9,9%, segundo a companhia.
“Além disso, deve-se ter cautela com a observação da lucratividade reportada pelas empresas, uma vez que pode estar sujeita a efeitos de receitas e despesas não recorrentes”, afirma a empresa. Segundo a Petrobras, diversas petroleiras “reconheceram perdas substanciais não recorrentes em seus demonstrativos financeiros do primeiro trimestre de 2022, em função sobretudo da retirada de seus negócios da Rússia, impactando negativamente a lucratividade”.
A empresa finaliza a nota afirmando que “a maior beneficiária dos resultados da Petrobras é a sociedade brasileira, especialmente por meio dos recursos destinados à União, estados e municípios, que podem ser utilizados em políticas públicas para os mais diversos fins”.
No primeiro trimestre de 2022, a estatal pagou R$ 70 bilhões aos cofres públicos entre tributos e participações governamentais, praticamente o dobro do valor recolhido no mesmo período de 2021.
No ano passado, a empresa recolheu R$ 203 bilhões em tributos próprios e retidos, maior valor anual já pago pela companhia, um aumento de 70% em relação a 2020. O montante destinado pela Petrobras neste ano em dividendos para a União soma cerca de R$ 32 bilhões até julho.