Um empresário alemão encontrou uma boa forma de ganhar dinheiro. Ele vende correntinhas e gargantilhas que levam pingentes com imagens religiosas inspiradas na moda brasileira e que no mundo da língua portuguesa são chamadas de escapulários. Para se proteger da concorrência, o dono do negócio, Frank Papendieck, registrou a marca Escapulário e comprou o domínio na internet com esse nome. Ele também passou a processar quem vende o produto usando o termo em português.
Para autoridades brasileiras, o espírito empreendedor de Papendieck foi longe demais. Ao registrar o termo "escapulário" ele se apropriou de uma palavra usada há mais de cinco séculos para designar as correntinhas religiosas que passaram a ganhar versões mais sofisticadas há poucos anos. "Os escapulários são muito populares e suas vendas vêm crescendo nos últimos três anos no Brasil", afirma João Matos, proprietário da rede especializada em acessórios Prata Fina. Se quisesse vender um de seus modelos na Alemanha, Matos teria de pagar royalties a Papendieck.
Foi o que ocorreu com uma brasileira que mora na Alemanha e no fim do ano passado vendeu um escapulário em um site de leilões por 11 euros (R$ 30). Algumas semanas depois, ela recebeu uma correspondência avisando que havia sido multada por infringir o direito de propriedade da marca de Papendieck. Ela pagou 1 mil euros. Avisado, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil encaminhou ao Instituto de Propriedade Intelectual da Alemanha documentos declarando que o termo registrado pelo empresário é de uso corrente e, por isso, não pode ser exclusivo de uma única companhia. Enquanto o caso não é julgado, Papendieck continua com seu site ativo, vendendo dezenas de modelos por até 60 euros (R$ 180). Entre eles, alguns com fitinhas do Senhor do Bonfim.
O caso do escapulário lembra outras polêmicas em torno de termos enraizados na cultura brasileira e que são registrados por empresas. É o que ocorreu com o cupuaçu e o açaí. As duas frutas são abundantes na região amazônica. Nos últimos anos, quando passaram a ser vendidas em outras regiões, viraram moda. O açaí tem seguidores fiéis entre freqüentadores de academias e surfistas porque é energético. Seu potencial não passou em branco no exterior e já há pedidos de registros de marca do nome "açaí" nos Estados Unidos, Japão e União Européia.
O cupuaçu, fruta usada na produção de um tipo de chocolate, foi registrado pela empresa japonesa Asahi Foods. Outro ícone da cultura alimentar brasileira, a rapadura, teve o nome registrado por uma empresa alemã, a Rapunzel o que virou uma dor-de-cabeça para produtores brasileiros interessados em exportar o doce para a Europa.
Os registros de termos comuns contrariam tratados internacionais e, por isso, têm chances de ser revertidos com negociações e com ações na Justiça. Foi o que ocorreu no caso do cupuaçu no Japão. Um escritório de advocacia brasileiro foi contratado pela organização não-governamental (ONG) Amazon Link e conseguiu cancelar o registro do termo. Mas a exclusividade sobre o nome ainda existe em outros países, onde o governo brasileiro tenta uma saída judicial.
"Há dois tratados que protegem palavras de uso corrente. O mais recente está anexo a uma convenção da Organização Mundial do Comércio", explica a advogada Juliana Viegas, ex-presidente e hoje conselheira da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI). Segundo ela, a regra geral é que não podem ser registrados termos que designam uma matéria-prima usada no produto. Uma empresa especializada em softwares, por exemplo, poderia se chamar "Açaí Corporation". Mas não teria direito ao nome se vendesse geléia preparada com a fruta.
"O registro de marca também exige que seja mostrado um novo uso para o termo", diz o professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Newton Silveira. Algo nem sempre observado pelos órgãos de depósito de patentes. Uma pesquisa feita em 2005 pela ABPI levantou mais de 80 registros no exterior em que há problemas no uso de nomes da flora brasileira. Os casos foram passados ao MRE, que tem conversado com autoridades de outros países para tentar reverter as autorizações.