O crescimento da procura por produtos que não têm determinados componentes em sua formulação, ou contêm em quantidades mínimas – seja glúten, açúcar, sal, gordura trans ou derivados de carne – é a tendência atual predominante nos hábitos do consumidor brasileiro à qual a indústria tenta se adaptar e que deverá criar cada vez mais oportunidades de negócios.
“Diziam que o pessoal vegano é uma meia dúzia, que não formava opinião. Sabemos que sim, eles formam opinião e estão mudando toda uma forma de consumir”, aponta Giovani Mendonça, diretor da Associação Brasileira da Indústria da Panificação (Abip). Para ele, as padarias não podem ignorar o comportamento do novo consumidor, sob pena de colocar o próprio negócio em risco.
“Há todo um espaço novo para a linha de produtos fitnesss, como pão sem glúten, com castanhas, sementes e frutas secas. As padarias que não tem esse viés, que permanecem apenas com os pães mais antigos, estão perdendo mercado”, destaca.
As tendências do mercado consumidor e a mudança dos hábitos alimentares foram debatidas nesta terça-feira, no 26º Congresso Internacional do Trigo, em Campinas.
Sem glúten em alta
Dentre todas as categorias de alimentos funcionais, naturais ou com apelo de saúde, os sem glúten têm a maior previsão de crescimento no Brasil até 2022. A projeção é de aumento nas vendas de 35% a 40% por ano, segundo a estudo da Associação Brasileira da Indústria de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados (Abimapi). Mas não há comprovação de que o glúten seja nocivo à saúde ou associado à obesidade.
“Os produtos glúten-free existem unicamente para atender as pessoas que têm a doença celíaca, que passaram a ter vários alimentos industrializados disponíveis no mercado. Nosso dever como entidade representativa de um setor que tem a farinha de trigo como matéria-prima principal, é fornecer informações de qualidade, embasadas em estudos científicos e por nutrólogos e nutricionistas, para orientar e direcionar o consumo consciente”, diz Cláudio Zanão, presidente da Abimapi.
O que preocupa a indústria é a “vilanização” de alguns alimentos. “Uma pessoa que fique dois anos sem comer nada com glúten e que, depois, volte a ingerir, daí sim ela poderá desenvolver a intolerância à proteína”, alerta Mendonça, da panificação.
O francês Laurent Clair, gerente da Chopin Technologies, que produz equipamentos para controle de qualidade do trigo, lembra que a onda glúten-free transbordou os limites da doença celíaca (intolerância à proteína) após a publicação do livro “Barriga de Trigo”, em 2011. “Mas hoje uma boa parte das pessoas na Europa está percebendo que alimento sem glúten não significa alimento saudável”.
Outro francês presente ao congresso, Serge Momus, da Eurogerm, corrobora: “a lista dos ingredientes dos produtos livres de glúten não é saudável”. “As pessoas querem mais saúde, mas essa não é uma opção. O movimento glúten-free já ficou para trás, por exemplo, nos Estados Unidos. Não acredito que seja uma ameaça aos moinhos no Brasil. É preciso lembrar que o pão tem uma imagem sagrada. Nunca alguém foi envenenado por comer pão”, assegura Momus.
Pressão governamental
Polêmicas com o glúten à parte, o fato é que a indústria tem sido pressionada pelo próprio governo brasileiro a diminuir a quantidade de ingredientes reconhecidamente nocivos à saúde, quando em excesso, como gordura trans, aditivos químicos, açúcar e sal. Simplesmente por que internações e tratamentos de doenças decorrentes da obesidade, como cardiopatias e diabetes, custam caro aos cofres públicos.
João Dornellas, da Associação da Indústria Brasileira de Alimentos (Abia), reconhece que há uma responsabilidade da indústria em fornecer alimentos mais saudáveis. Nos últimos sete anos, ele lembra, foram retiradas 310 mil toneladas de gordura trans nos produtos oferecidos aos brasileiros. Até 2022, pelo Plano de Redução de Açúcares, assinado em 2018 com o Ministério da Saúde, serão retiradas 144 mil toneladas de açúcares de 23 categorias de alimentos. Uma pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro mostrou que entre 2008 e 2016, o teor de sódio no biscoito recheado teve queda de 34%. “Com a palavra-chave equilíbrio, nós podemos ganhar essa batalha”, sublinha.
O que não é possível aceitar, segundo o executivo, é a ideologização do debate. Ele critica, por exemplo, o fato de a expressão “alimentos ultraprocessados” ter sido colocada no Guia Alimentar da População Brasileira em governos passados, criando dificuldades para a propaganda desses produtos e sua venda em escolas. “Esse conceito não para em pé. Por esse critério, a broa de fubá que minha mãe fazia, e que tinha mais de cinco ingredientes – farinha, açúcar, ovos, manteiga, fermento em pó, erva-doce e sal – seria considerado um alimento superprocessado”, diz Dornellas.
O aumento dos índices de pessoas com obesidade não deve ser atribuído meramente aos produtos industrializados, segundo Dornellas. “Dos anos 70 para cá, a Organização Mundial de Saúde reduziu a recomendação diária de consumo de calorias de 2.800 para 2000. E continuamos lutando com a obesidade. A questão é que estamos nos movimentando cada vez menos, utilizamos muito o carro e o controle remoto. E está mais do que comprovado que o sedentarismo causa obesidade, o estresse causa obesidade, uma noite de sono mal dormida pode agregar 600 calorias ao seu dia”. Seja como for, pesquisa recente do Euromonitor mostrou que as duas tendências alimentares predominantes, hoje, no Brasil, são os orgânicos e os alimentos livres de lactose, glúten e açúcares. “As pessoas buscam alimento gostoso e bom para a saúde. O fato é que não podemos subestimar essa tendência”, conclui o dirigente da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos.
*O jornalista viajou a convite da Abitrigo