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Aplicativos de transporte

Projeto do governo para aplicativos fixa valor de hora trabalhada e cria sindicato da categoria

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou projeto de lei para regulamentar trabalho de aplicativos que propõe sindicalização (Foto: Juan Ignacio Roncoroni / EFE)

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enviou nesta segunda-feira (4) ao Congresso Nacional um projeto de lei complementar que regulamenta o trabalho de transporte por aplicativos. As diretrizes propostas, que valem apenas para o transporte em veículos de quatro rodas, tramitarão em regime de urgência constitucional.

Câmara e Senado terão 45 dias, cada um, para analisar o texto, que prevê, além de pagamento mínimo por hora trabalhada, uma contribuição previdenciária obrigatória - deduzida na fonte e recolhida pelas empresas - e a criação de sindicatos da categoria, de trabalhadores e patronal.

Participaram da cerimônia de assinatura da mensagem de envio os ministros do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho e da Previdência Social, Carlos Lupi, representantes dos motoristas e empresas de transporte de pessoas por aplicativos, como Uber e 99, que contribuíram para a elaboração das propostas. Desde maio de 2023, o grupo se reuniu para tratar da regulamentação, promessa de campanha de Lula nas eleições de 2022.

Lula destacou que quando as negociações começaram ninguém acreditava na sucesso da empreitada, mas que o grupo de trabalho tinha dado um "banho de inteligência". "Há um tempo, ninguém neste país acreditava que seria possível estabelecer uma mesa de negociação entre trabalhadores e empresários, e fosse sair um projeto como este, que garante direitos aos trabalhadores por aplicativo de transporte de passageiros. […] Vocês acabaram de criar uma nova modalidade no mundo do trabalho, em que as pessoas querem ter autonomia mas também precisam do mínimo de garantia", afirmou, lembrando que o projeto atende também ao desejo de autonomia dos trabalhadores.

Marinho destacou a dificuldade da negociação e desmentiu o que ele chamou de "controvérsias na imprensa" de que o governo estava defendendo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). "É preciso construir um momento. Observar o que está acontecendo no mercado internacional. E ouvir empresas. Foi isso que fizemos. Aprendemos muito neste ano," disse o ministro.

Durante as tratativas, Marinho chegou a equiparar o serviço prestado por motoristas por aplicativo a “trabalho escravo”. O governo cogitou, de fato, o enquadramento dos profissionais por aplicativo na CLT, mas não teve respaldo das empresas nem do Judiciário, que tem se dividido sobre o tema.

Lula pede negociação com o Congresso; oposição critica projeto

Lula alertou os ministros e assessores presentes que o projeto deverá enfrentar dificuldades no Congresso. "Vocês sabem que têm que procurar os deputados. Cada bancada tem um líder, então vocês vão começar chamando os líderes para conversar. É preciso que a gente não fique com raiva dos contras, é abrir um sorriso e falar 'companheiro, vamos lá, pelo amor de Deus, nós somos trabalhadores'", disse o petista.

O projeto do governo é já alvo de críticas. O presidente do Novo, Eduardo Ribeiro, afirmou que "a regulamentação proposta pelo Lula vai matar os aplicativos de transporte no Brasil e tirar o sustento de 778 mil famílias". De acordo com Ribeiro, a medida proposta pela gestão petista "é simplesmente péssimo para motoristas, plataformas e usuários, e parece ter sido feito para inviabilizar o setor".

O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) também se manifestou contra o projeto pelas redes sociais. Para ele, o governo Lula "quer destruir o ganha-pão de milhões de trabalhadores". O parlamentar disse ainda que jamais irá votar a favor de "um projeto que sufoque a liberdade do mercado".

Para o deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), o decreto do governo significa duas "pancadas" no setor e no consumidor. A primeira é o estabelecimento do salário mínimo. "A medida elimina aqueles motoristas que podem fazer pequeno volume de corridas, os que fazem bicos, trabalho temporário, apenas para ajudar nas contas mensais. Quando você estabelece o mínimo, só aqueles motoristas que de fato estão trabalhando na rede de maneira intensa e praticamente todo o dia, toda semana, é que vão poder atender essa demanda. Ou seja, vai diminuir a oferta do conjunto de motoristas de aplicativo", diz o deputado.

Outra "pancada" é a questão da Previdência que, para o parlamentar, visa atender à "sanha arrecadatória" do governo. "Quando se estabelece a Previdência, estão pensando no processo arrecadatório. É exatamente isso que o governo quer. Arrecadar por que tem um rombo da previdência gigantesco", diz. "O problema é a sanha arrecadatória desse governo, porque eles têm rombos e não sabem mais o que fazer. Vão incrementar essas tentativas de arrecadar cada vez mais para a Previdência", afirma Orleans e Bragança.

O parlamentar acredita que o governo vai tentar regulamentar todas as situações trabalhistas para aumentar a arrecadação. "Esse governo está piorando a situação porque está criando roubo fiscal em outros setores, está gastando além para se manter no poder. Para mim, é cada vez mais óbvio. Eles querem arrecadar cada vez mais em situações trabalhistas que estão desregulamentadas nesse momento. E quando começar a regulamentar, essa oferta de empregos e possibilidades nesses setores vão diminuir, ou seja, esses setores vão implodir", ressalta.

Veja as principais regras apresentadas pelo Planalto para a regulamentação da profissão

  • Jornada: de 8 horas, com possibilidade máximo de 12 horas, se houver acordo coletivo;
  • Remuneração mínima – R$ 32,09 por hora de trabalho, sendo R$ 8,02 relativos ao trabalho e R$ 24,07 referentes aos custos do motorista; a remuneração mensal será, ao menos, um salário mínimo (R$ 1.412);
  • Reajuste anual: Igual ou superior ao do reajuste do salário mínimo;
  • Auxílio-maternidade: As mulheres trabalhadoras terão acesso aos direitos previdenciários previstos para os trabalhadores segurados do INSS;
  • Sindicatos: o trabalhador em aplicativo será representado por entidade sindical da categoria profissional “motorista de aplicativo de veículo de quatro rodas”. Também está previsto o sindicato patronal da categoria. Serão responsáveis pelos acordos coletivos e sindicatos também vão representar os trabalhadores nas demandas judiciais e extrajudiciais.
  • Regras de suspensão: plataformas terão de seguir diretrizes para excluir trabalhadores de seus apps;
  • Previdência: trabalhador pagará 7,5% sobre “salário de contribuição” (25% da renda bruta) e empresa pagará 20%;
  • benefícios: vale-refeição a partir da 6ª hora trabalhada e serviços médicos e odontológicos.

Empresas de entregas ficaram de fora

Empresas e de entregas como iFood e Rappi, e representantes de trabalhadores também participaram do grupo tripartite criado pelo Ministério do Trabalho, mas não chegaram a consenso sobre os valores e contribuições.

O principal impasse é com relação à hora logada no aplicativo. Os entregadores querem receber pelo tempo que ficam disponíveis na plataforma. As empresas só aceitam remunerar por produtividade, ou seja, pelo número e tempo de entregas efetivamente realizadas.

Tanto Lula quanto Marinho criticaram as empresas de entregas pela falta de negociação. "É preciso lembrar, [senador] Jaques Wagner, que o dono do iFood é da Bahia e, portanto, como todo bom baiano, a gente tem que convencê-lo a entender que é prudente ele sentar na mesa de negociação para a gente fazer um bom e grande acordo", afirmou o presidente. E completou: "Vamos encher tanto o saco que o iFood será obrigado a negociar".

O ministro foi mais duro nas críticas e classificou o trabalho da empresa como "altamente explorador". "O iFood e as demais empresas diziam que o padrão dessa negociação não cabia no modelo de negócios delas", disse. Não cabe, acrescentou ele, "porque o modelo é altamente explorador".

As falas do ministro também foram criticadas por parlamentares da oposição. A deputada federal Rosângela Moro (União-SP) classificou as declarações como "um verdadeiro show de horrores" em uma postagem nas redes sociais. Ela salientou que "enquanto os trabalhadores já declararam, inúmeras vezes, serem contra a regulamentação, o ministro usa tom de deboche para descer o projeto goela abaixo. Nunca foi pelo ou para o trabalhador".

Governo conseguiu alternativa intermediária, diz especialista

Para o professor de Direito do Trabalho do Insper, Antônio Galvão Peres, o governo criou um modelo intermediário entre o empregado e o autônomo, semelhante ao adotado na Inglaterra. "Foi uma maneira de garantir direitos previdenciários ao trabalhador", afirma.

Para ele, a sindicalização foi colocada porque se trata de uma premissa básica para haver acordo coletiva. "É preciso estabelecer partes legítimas de representação de empregados e patrões para uma negociação e isso só se obtém com representação sindical", explica.

No entendimento do professor, a proposta deve auxiliar na resolução de grande parte dos conflitos que tem sido encaminhados à Justiça do Trabalho. Atualmente, cerca de 10 mil processos tramitam na Justiça do Trabalho sobre as plataformas de transporte por aplicativo.

STF vai julgar existência do vínculo empregatício

O projeto de lei do governo Lula vem na dianteira do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema, que é mais abrangente e vai valer para todas as plataformas. Os magistrados aprovaram, por unanimidade, na sexta-feira (1º), a repercussão geral na discussão sobre a existência ou não de um vínculo trabalhista entre motoristas de aplicativo e as plataformas de serviço. Assim, após a decisão sobre o mérito do caso, todos os tribunais do país devem seguir o entendimento do STF em julgamento de uma causa semelhante.

O relator da ação, ministro Edson Fachin, disse que “cabe a este Supremo Tribunal Federal conceder uma resposta uniformizadora e efetiva à sociedade brasileira acerca da compatibilidade do vínculo empregatício entre motoristas de aplicativo e a empresa criadora e administradora da plataforma digital, em face dos princípios da livre iniciativa e direitos sociais laborais encartados na Constituição da República”.

Até então, as decisões na Justiça do Trabalho têm sido conflitantes. A maioria tem votado contra a existência de vínculo empregatício, mas há entendimentos em direção oposta no próprio Tribunal Superior do Trabalho (TST). Em dezembro do ano passado, a Primeira Turma da Corte decidiu que não há vínculo com as plataformas. O mesmo entendimento foi adotado pelo plenário em decisões específicas.

Os processos em andamento podem ser paralisados até o julgamento do mérito pelo STF.

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