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O que diz a proposta

O projeto de lei 7866/2010 se encontra na Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados, e ainda precisa passar pelas comissões de Finanças e Justiça antes de ir a plenário e, eventualmente, ser aprovado. Veja os principais pontos:

- Será permitido o uso de até 40% do saldo da conta vinculada do FGTS para o pagamento de financiamentos e empréstimos

- O trabalhador tem de ter pelo menos 30% do seu rendimento bruto comprometido com dívidas

- O interessado tem de estar inscrito no cadastro negativo de crédito há pelo menos seis meses

- O dinheiro será transferido diretamente para os credores

- O texto não informa quantas vezes o endividado poderá usar essa alternativa

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Análise

Resultado "zero a zero"

Para o especialista em finanças pessoais Raphael Cordeiro, usar o FGTS para pagar dívida deve provocar, no fim das contas, um resultado "zero a zero". Na sua opinião, utilizar o FGTS pode ajudar em alguns casos, mas não é garantia de que o endividado não vai voltar a se complicar outra vez, principalmente porque, em geral, quem tem esse perfil volta a se endividar.

Segundo Cordeiro, o problema de alguns endividados é maior do que parece. Ele faz um alerta: quem compromete mais do que 30% do seu rendimento com dívidas está bem próximo de "quebrar" e precisará reorganizar toda a sua vida financeira. Mais do que elaborar alternativas para ajudar o consumidor a sair do vermelho, é preciso investir na educação financeira para que menos gente se endivide além das suas possibilidades. (CR)

Já pensou em usar o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para pagar aquela dívida que está fazendo você fechar no vermelho todo mês? Pois essa alternativa já está sendo discutida na Câmara dos Deputados, em meio ao crescimento da inadimplência e do endividamento do brasileiro.

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Dados da Serasa Experian divulgados na semana passada mostram que a inadimplência dos consumidores brasileiros cresceu 24,8% em um ano, o maior avanço desde julho de 2002. Uma outra pesquisa, realizada pela Confederação Naci­­onal do Comércio (CNC) em janeiro, mostra que 59% das famílias brasileiras estão endividadas.

A proposta em discussão, do deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC), prevê que até 40% do saldo do FGTS possa ser direcionado para pagar débitos. Hoje o FGTS pode ser usado em caso de demissão sem justa causa, aposentadoria, compra da casa própria, doenças graves ou desastres naturais. O patrimônio total do Fundo gira em torno de R$ 240 bilhões.

O texto, apresentado no fim do ano passado, ainda poderá sofrer emendas antes de ir a plenário, mas já provoca polêmica. De um lado, entidades de defesa do consumidor entendem que ele poderá estimular o endividamento e subverter a função do fundo, que é dar garantias para o trabalhador. Por outro, representantes do comércio e dos trabalhadores acreditam que a medida pode ser eficaz na redução do calote.

A juíza Sandra Bauermann, coordenadora do projeto-piloto de tratamento de superendividados do Tribunal de Justiça do Paraná, acredita que o uso do FGTS para pagar dívidas embute o risco de o trabalhador ficar sem uma reserva financeira futura.

Segundo ela, o endividamento é preocupante. "É o lado negativo da democratização do crédito e um fenômeno de exclusão social que necessita de tratamento e prevenção, mas desde que respeitada a necessidade de preservação do mínimo capaz de assegurar a vida digna do indivíduo", diz. "Permitir o uso do FGTS poderá ameaçar a preservação desse mínimo, muitas vezes assegurado com o resgate do FGTS em momentos de necessidade, como doença grave ou desemprego", continua.

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O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) engrossa a lista dos contrários à proposta. "O FGTS é um fundo para possibilitar um direito social básico, como a compra da casa própria. No entanto, empréstimo de banco não é direito social básico. Seria uma inversão de valores na solução do endividamento dos consumidores", afirma Maria Elisa Novais, gerente jurídica do Idec.

Para o economista Cid Cordeiro, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) no Paraná, o projeto, desde que tomados alguns cuidados, pode ser uma boa alternativa. "O FGTS é um patrimônio do trabalhador, mas muito mal remunerado, não raro abaixo da correção da poupança. A proposta é interessante porque permite que o trabalhador use os recursos para pagar dívidas mais caras, como são as do mercado, em que os juros são extremamente elevados". Para ele, deixar o FGTS parado seria equivalente a deixar o dinheiro na poupança e pagar os juros do cheque especial todo mês.

Com uma dívida de R$ 50 mil e um salário de cerca de R$ 2 mil, a operadora de telemarketing de banco Jussara (nome fictício) bem que gostaria de poder usar o seu FGTS para ajudar a quitar seus débitos e "limpar o nome" na praça. Ela deve para dez credores, a maioria bancos e financeiras. "Com 40% do saldo (que totaliza R$ 9 mil), eu quitava a dívida com pelo menos dois deles, e assim reduziria os juros que eu pago hoje. O FGTS, apesar de ser uma reserva para o futuro, ajudaria a resolver meu problema agora", afirma.

Juro maior e inflação exigem cautela

O brasileiro se endividou mais no último ano e o cenário de juros maiores e prazos menores de financiamento em 2011 exige cautela. A maioria dos analistas aposta que a inadimplência deve aumentar neste ano.

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A principal preocupação é com a inflação mais alta, que deve comprometer mais a renda do brasileiro. Além disso, as medidas adotadas pelo governo no fim do ano passado para esfriar o consumo – como o aumento do depósito compulsório pelos bancos e a diminuição dos prazos de financiamento – já começam ser sentidas no dia a dia do consumidor.

O Banco Central também aumentou em janeiro a taxa básica de juros (Selic), de 10,75% para 11,25% ao ano. Mesmo com os cortes no orçamento anunciados na semana passada, a maioria dos economistas projeta que o ciclo de alta vai continuar. Ou seja, contratar um financiamento está mais difícil e caro.

Segundo dados divulgados pelo Banco Central em janeiro, a taxa média do juro ao consumidor disparou de 39% ao ano, em dezembro, para 45% no início deste ano, acima do apurado na crise de 2008/2009.

Para o economista Bruno Fernandes, da Confederação Nacional do Comércio (CNC), o que vai garantir que a inadimplência fique comportada é o emprego e a renda, mas o recrudescimento da inflação é um componente de risco que não pode ser desconsiderado. Para ele, o crédito vai continuar a crescer, mas em condições não tão favoráveis, como as que o levaram a atingir 46,6% do PIB em 2010.

No ano passado, o consumidor se sentiu mais confiante para contrair dívidas, sobretudo em razão do desemprego historicamente baixo, dos juros menores, da formalização dos empregos, do crescimento real da renda e da melhor expectativa em relação à sua condição financeira.

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