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O grupo de trabalho formado por deputados para analisar a proposta do governo de regulamentação da reforma tributária decidiu manter a carne fora da lista de produtos que terão isenção dos novos impostos. A decisão contraria apelo de entidades como a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e até do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Conforme relatório apresentado pelos parlamentares na manhã desta quinta-feira (3), proteínas bovina, suína, ovina, caprina e de aves, além de peixes, crustáceos e moluscos permanecem entre os itens que terão apenas um desconto de 60% em relação à alíquota padrão, como constava na versão original do projeto de lei complementar (PLP) 68, apresentada em abril pelo governo federal.
O projeto detalha dispositivos instituídos pela Emenda Constitucional (EC) 132, aprovada e promulgada pelo Congresso Nacional no fim do ano passado. Antes de vir a público, o substitutivo do grupo de trabalho foi apresentado, na quarta-feira (3), a líderes de bancadas da Câmara e ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), que sinalizou ser contrário à alíquota zero para carnes.
“O impacto da questão da carne é é muito substancial na taxa base já cobrada”, disse o deputado Augusto Coutinho (Republicanos-PE), que integra o grupo de trabalho, em entrevista coletiva. O grupo cogitava inicialmente incluir proteínas animais na cesta básica, que terá alíquota zero de impostos. Segundo Coutinho, optou-se por utilizar o sistema de cashback para compensar a tributação de forma direcionada para a população de menor renda.
De forma geral, a reforma tributária instituída pela EC 132 está centrada no sistema de impostos sobre consumo, substituindo, a partir de 2027, os atuais PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS por dois tributos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), cuja responsabilidade será compartilhada entre estados e municípios.
Juntos, CBS e IBS formarão um sistema de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), modelo já adotado em 174 países. Isso significa que o recolhimento de tributos sobre bens e serviços passará a ser calculado apenas sobre o valor acrescido a uma mercadoria a cada elo da cadeia de produção, e não mais sobre o valor total do produto em cada etapa, como ocorre hoje.
A quantidade de setores ou atividades beneficiados com isenção ou desconto em relação à tributação padrão tende a aumentar a alíquota padrão, uma vez que um dos princípios da reforma é a manutenção da carga tributária total.
A EC 132 já estabeleceu uma série de bens e serviços que terão descontos de 30%, 60% ou 100% na alíquota padrão, entre elas itens da cesta básica, que serão isentos dos impostos.
A quantidade limitada de produtos na lista (15, ao todo), no entanto, gerou insatisfação por parte de entidades como a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) e a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), entre outras.
Na terça-feira (2), em entrevista à rádio Princesa FM, de Feira de Santana (BA), o próprio presidente Lula defendeu a inclusão de proteína animal na lista de produtos com alíquota zerada. Para ele, no entanto, seria necessário fazer uma distinção entre o que ele chamou de carnes “chiques”, que continuariam tributadas.
“Você tem vários tipos de carne: tem carne chique, de primeiríssima qualidade, que quem consome ela pode pagar um impostozinho. Agora você tem um outro tipo de carne que é a carne que o povo consome. Eu não entro em detalhe, porque tem muita gente importante trabalhando nisso. Mas eu acho que a gente precisa colocar a carne na cesta básica, sim”, afirmou.
Segundo Cláudio Cajado (PP-BA), no entanto, a inclusão da carne na cesta básica teria um impacto de 0,57 pontos porcentuais na alíquota de referência. Ao apresentar a versão original do PLP 68, o Ministério da Fazenda estimou que IBS e CBS juntas devem resultar em uma tributação padrão em torno de 26,5% sobre o consumo.
Caso se confirme a projeção do governo, a alíquota padrão dos novos impostos será uma das maiores do mundo entre os países que adotam o modelo de IVA. “A expectativa, a partir do momento em que esse novo modelo tributário for implementado, é que essa tarifa total padrão, de 26,5%, vai baixar”, disse Cajado.
Deputados incluem carros elétricos, jogos de azar e fantasy games na lista do “imposto do pecado”
No substitutivo apresentado nesta manhã, houve mudanças ainda na lista de produtos que serão sobretaxados com o Imposto Seletivo (IS), conhecido como “imposto do pecado” e que também será criado com a reforma.
O tributo, de natureza extrafiscal e caráter regulatório, substituirá o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), sobretaxando produtos considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, de modo a desestimular seu consumo.
O relatório agora prevê a taxação, com o IS, também de jogos de azar (citados no texto como “concursos de prognósticos”), fantasy games, além de carros elétricos. Entre as modalidades de jogos de azar, estão incluídas loterias, apostas esportivas online e físicas, como cassinos, bingos, jogo do bicho e apostas em cavalos, caso venham a ser legalizados, conforme prevê projeto de lei em tramitação no Congresso.
Na proposta do governo, a lista do “imposto do pecado” já trazia cigarros, bebidas alcoólicas, automóveis à combustão, aeronaves, embarcações, bebidas açucaradas, petróleo, gás natural e minério de ferro.
Caminhões, por outro lado, foram retirados da relação e não terão mais a incidência do tributo. Segundo Reginaldo Lopes (PT-MG), a intenção foi não onerar a atividade produtiva. “O Brasil é um país rodoviário”, resumiu.
A expectativa de inclusão de armas de fogo nos alvos do IS acabou não se concretizando, mas Lopes disse o item ainda poderá ser incluído no texto por meio de emendas de plenário.
Ao longo das audiências públicas realizadas para elaboração do relatório, houve pressão por parte de representantes de todos os setores atingidos para a uma menor taxação ou para a retirada de seus produtos do rol de sobretaxados, mas os deputados responsáveis pelo relatório optaram por manter as categorias propostas pelo governo.
O grupo ainda manteve no texto dispositivo que leva em consideração o teor de álcool das bebidas no cálculo da alíquota específica do IS sobre produtos alcoólicos, rejeitando demanda do setor de destilados, que queria uma tributação única para itens da categoria.
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“Nanoempreendedor” terá isenção de imposto
Em outra inovação do relatório, os deputados incluíram na lista de isenção de IBS e CBS o que chamaram de “nanoempreendedores”, profissionais que trabalham com venda ou revenda direta de produtos “de porta em porta” e que tem até R$ 40,5 mil de faturamento. Segundo Lopes, a categoria abrange 5,1 milhões de brasileiros, a maioria mulheres.
“Chegamos à conclusão que deveríamos criar entre os modelos favorecidos que já temos, a Zona Franca, o Simples e o MEI [microempreendedor individual], o nanoempreendedor”, disse.
“Esse nanoempreendedor é aquele que tem a metade [do faturamento] do MEI, que é até R$ 81 mil anual e paga R$ 70 - eu acho alto. Então nós vamos criar e fazer, via lei ordinária, a regulamentação desse nanoempreendedor, que é até R$ 40,5 mil. Ele não paga imposto.”
Relatório deve ser votado na semana que vem
A ideia é que o relatório vá ao plenário na próxima semana, para que a aprovação ocorra antes do recesso parlamentar, que começa no dia 18. Segundo Lira, o texto deve ser colocado em votação entre os dias 10 e 11.
Na terça-feira (2), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que os PLPs que regulamentam a reforma tributária têm condições de serem aprovados nas próximas semanas.
Além do PLP 68/2024, há um segundo projeto que trata da regulamentação da reforma tributária, também em tramitação na Câmara: o PLP 108/2024, que dispõe sobre o Comitê Gestor do IBS e sobre a distribuição das receitas do imposto entre estados e municípios, além de mudanças em regras do ITCMD e do ITBI.
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