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Problemas fiscais

Promessas de Lula devem deixar contas no vermelho e aumentar a dívida pública

O ex-presidente Lula participa de encontro global
O ex-presidente Lula participa de encontro global (Foto: Fernando Bizerra/EFE)

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O grande desafio de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na presidência da República será o de equacionar a questão fiscal, apontam especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo. “Não seria diferente se Jair Bolsonaro tivesse sido eleito”, diz o diretor de risco da Allianz Trade, Felipe Tanus.

Não será tarefa fácil, porém. Uma série de promessas foi “contratada” na campanha pelo então candidato petista e seu cumprimento deve levar as contas públicas de volta ao vermelho e elevar a dívida do governo. Essas promessas dizem respeito a aumento de gastos e benefícios sociais e de redução na arrecadação. As principais:

  • manutenção de R$ 600 por mês para o Auxílio Brasil e concessão de R$ 150 por criança de até seis anos às famílias beneficiadas;
  • aumento real (acima da inflação) do salário mínimo; e
  • continuidade da isenção de impostos federais sobre combustíveis.

Promessas semelhantes foram feitas pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), que não conseguiu a reeleição. Além de manter o Auxílio Brasil em R$ 600, ele falou em 13.º para as mulheres inscritas no programa e na reta final da campanha também prometeu aumento real para o salário mínimo e as aposentadorias. O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou retomada dos reajustes para os servidores. Outra promessa comum de Lula e Bolsonaro foi a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda.

O cumprimento das promessas de Lula pode levar o setor público a um déficit primário – ou seja, gastos maiores que a arrecadação – de 1,9% do PIB em 2023, projeta a Allianz Trade. Um número bem pior que o atual consenso de mercado, que já espera uma deterioração das contas públicas: no momento, a mediana das projeções aponta para um déficit de 0,5% do PIB no ano que vem, com estabilização em 2024 e retomada dos superávits de 2025 em diante.

Se confirmado, o déficit de 1,9% será o maior desde 2016 (-2,48% do PIB), excluindo-se o dado de 2020, influenciado pelo combate à pandemia (-9,41% do PIB).

Para 2022, a projeção de mercado é de um resultado positivo – isto é, um superávit primário, com gastos menores que a arrecadação – próximo de 1% do PIB, segundo o boletim Focus, do Banco Central. Será o segundo ano seguido do setor público no azul – em 2021, o saldo positivo foi de 0,75% do PIB – após uma sequência de sete anos no vermelho.

Nos 12 meses encerrados em setembro, de acordo com o Banco Central, o superávit primário do setor público consolidado atingiu R$ 181,4 bilhões, o equivalente a 1,93% do PIB. Parte desse desempenho se deve ao aumento da arrecadação de impostos, com a retomada da economia, e à forte alta dos dividendos pagos por estatais, em especial a Petrobras, e outras receitas extraordinárias.

Outro impacto do não equacionamento da questão fiscal seria o aumento do endividamento público brasileiro, que teve forte redução a partir de 2021 e agora pode tomar rumo oposto. Essa virada aumentaria o risco de rebaixamento da nota de crédito brasileira, o encarecendo a captação de recursos no exterior.

Em setembro, a dívida bruta do governo geral equivalia a 77,1% do PIB, 5 pontos porcentuais abaixo da registrada um ano antes e quase 12 pontos porcentuais abaixo do pico de 89% do PIB alcançado em outubro de 2020, por causa dos gastos com a pandemia.

Antes mesmo da eleição o mercado já trabalhava com a possibilidade de aumento da dívida pública a partir de 2023. No momento, a mediana das projeções indica relação dívida/PIB de 77,8% no fim de 2022 e aumento em todos os anos seguintes, até pelo menos 2031. Para o ano que vem, por exemplo, o ponto médio das estimativas é de dívida de 81,4% do PIB e, para 2024, de 83,1%.

PEC tende a ser o caminho para furar o teto

Para fazer frente aos compromissos assumidos na campanha, o governo eleito tende a apresentar uma proposta de emenda constitucional (PEC) que permita furar o teto de gastos, excluindo dessa regra o Auxílio Brasil – que será rebatizado de Bolsa Família. A PEC pode ser apresentada ainda nesta quinta-feira (10).

A proposta foi mal recebida pelo mercado financeiro. "Tirar os programas sociais do teto é a pior das possibilidades. À medida que você tira uma classe de gastos do teto, ele não passa a ter referência para a frente. É uma alternativa que fragiliza muito a gestão da política fiscal", disse o economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale, ao jornal "O Estado de S. Paulo".

Integrantes da equipe de transição de Lula consideram que a medida é a mais viável entre as propostas cotadas, pois teria a vantagem da previsibilidade, apesar de influenciar juros e câmbio em um primeiro momento.

O temor dos economistas do mercado e especialistas em contas públicas é de que a ausência de um limite explícito sirva de brecha para ampliações futuras da transferência de renda.

Além disso, eles defendem que o governo eleito vá além dessa solução provisória. “É necessária a definição de um novo arcabouço fiscal, que substitua o teto”, aponta o CIO da Portofino Multifamily Office, Eduardo Castro.

Economistas do Itaú apontam em relatório que, internamente, a sustentabilidade fiscal segue sendo a principal dificuldade na área econômica. “Não se trata de uma preocupação com os números fiscais de 2022, e sim com a trajetória que parece estar contratada”, escrevem em relatório.

Segundo o banco, o próximo governo precisará decidir sobre a continuidade dos auxílios e cortes de impostos recém-implementados, além da definição do arcabouço fiscal que será valido à frente, em uma economia emergente com dívida pública alta e juros elevados.

“Ainda não se faz ideia de como será endereçada a questão fiscal, bem como vão ser acomodadas as promessas de campanha”, diz a economista-chefe da Reag Investimentos, Simone Pasionotto.

Resolver questão fiscal é crucial para o país

Wagner Varejão, economista da Valor Investimentos, lembra que o Brasil fez um esforço tremendo durante a pandemia e agora passa por um momento crucial. Com a taxa Selic a 13,75% ao ano, há mais encargos sobre a dívida pública. O país também não deve contar, a partir do próximo ano, com receitas não recorrentes, como é o caso da privatização da Eletrobras.

Ele aponta que a solução para a credibilidade de longo prazo não precisa passar, necessariamente, pelo teto de gastos. Mas destaca que alguma solução precisa ser tomada. “O mercado olha melhor para países que são solventes”, afirma.

O estabelecimento de algum tipo de controle de gastos é o caminho mais eficiente para o país, especialmente se continuar as reformas que objetivam assegurar mais eficiência à economia, aponta o economista.

Outras soluções para equilibrar as contas públicas são mais custosas ou mesmo temerárias. Uma delas é elevar a carga tributária, e outra é promover o ajuste da dívida pública por meio da inflação. “Esta é uma solução muito arriscada, pois impacta na parcela mais vulnerável da população”, diz Varejão.

Definições sobre os gastos do governo e a política fiscal serão fundamentais para ancorar as expectativas em relação à inflação. A convergência para a meta deve ficar só para 2024. “A inflação está se mostrando mais sensível em relação à questão fiscal”, enfatiza Pasionotto, da Reag.

Formação da equipe econômica desperta atenção

Outra questão fundamental é a formação da equipe econômica. “Temos assegurado o presidente do Banco Central [Roberto Campos Neto], mas é importante saber quem vai pilotar a Fazenda e quem vai ser sua equipe. O nome traz uma história e vai indicar um maior ou menor comprometimento com o ajuste fiscal”, diz o CIO da Portofino.

Encontram forte respaldo no mercado nomes como os de Bernard Appy, secretário de Política Econômica entre 2003 e 2008; Persio Arida e André Lara Resende, dois dos pais do Plano Real e que estão na equipe de transição de governo; e o ex-presidente do Banco Central (no governo Lula) e ex-ministro da Fazenda (no governo Temer), Henrique Meirelles.

Por outro lado, encontram resistência nomes como os dos petistas Nelson Barbosa, ex-ministro da Fazenda do governo Dilma e integrante da atual equipe de transição, e Fernando Haddad, candidato derrotado ao governo de São Paulo.

Apesar da desaceleração, economia fecha bem em 2022

Apesar dos sinais de desaceleração nos últimos meses, Tanus, da Allianz Trade, aponta que a economia termina bem o mandato de Jair Bolsonaro com um crescimento do PIB em torno de 2,8% e inflação caindo. O desemprego também está em baixa: a taxa do trimestre móvel encerrado em setembro foi de 8,7%, a menor desde julho de 2015.

“A economia mostra uma foto boa, a dúvida é em relação ao filme. Dependemos muito das circunstâncias a seguir”, diz Castro, da Portofino.

Ele destaca que o Brasil já está colhendo os frutos de um longo processo de restruturação iniciado do governo FHC (1995-2002), com o processo de privatizações, e que ganhou força nas gestões Temer e Bolsonaro. “As melhorias vão se somando.”

Para Castro, um passo importante foi dado com a indicação do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, para coordenar o processo de transição.  Entre as reformas, a que está mais encaminhada é a tributária, com dois projetos tramitando no Congresso: as PECs 45 e 110.

Situação externa é delicada

Fora do Brasil, preocupa a situação da economia mundial. “É um panorama bem mais desafiador do que Lula encontrou ao assumir seu primeiro mandato, em 2003. Há fortes riscos de recessão lá fora, os preços estão pressionados e há os desdobramentos da guerra entre a Rússia e a Ucrânia”, ressalta a economista-chefe da Reag Investimentos.

A XP Investimentos aponta que a economia global deve se enfraquecer bastante no próximo ano, motivada por pressões inflacionárias persistentes, riscos geopolíticos mais elevados e condições financeiras mais apertadas.

O cenário é bastante complicado, com inflação elevada. Nos Estados Unidos, ela está em 8,2% ao ano, puxada pelos preços da comida e da energia. No Reino Unido, em 10,1% ao ano. Na União Europeia, a prévia da inflação nos 12 meses encerrados em outubro sinaliza para uma alta de 10,7% nos preços ao consumidor.

“Os bancos centrais não conseguem dar suporte no atual momento. Eles estão sendo obrigados a apertar os cintos e aumentar os juros. O mundo passa por um processo inflacionário. É um cenário mais restritivo”, destaca Varejão.

Castro, da Portofino, diz que a Europa deve enfrentar uma recessão severa, motivada também pela crise energética, e os Estados Unidos estão em uma fase de ajuste na política monetária, com alta nos Fed Funds, a taxa referencial de juros. Atualmente, ela está entre 3,75% e 4%. As expectativas sinalizam que ela pode chegar a 5% no ano que vem.

A China também está lidando com os problemas causados pela Covid-19. O gigante asiático está com uma política de tolerância zero, determinando lockdowns nas áreas afetadas, o que reduziu o crescimento econômico. As projeções de expansão do PIB chinês feitas pelo FMI caíram de 4,4% em abril para 3,2% em outubro.

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