Ouça este conteúdo
Criado em 2020 e tornado permanente em 2021, o Pronampe, um dos programas mais importantes para garantir a sobrevivência de micro e pequenas empresas na pandemia de Covid-19, acabou aumentando o risco de quebra para muitos pequenos negócios.
A iniciativa foi de socorro a complicador para o segmento especialmente em função da forte alta na taxa básica de juros (Selic), que voltou a ter dois dígitos após quatro anos e meio.
À época dos primeiros empréstimos, em junho de 2020, o Pronampe tinha uma das menores taxas de juros do mercado: Selic (que então era de 2,25% ao ano) mais 1,25% ao ano, resultado numa taxa total de aproximadamente 3,5%.
Quando o programa foi reeditado em caráter permanente, no início de junho de 2021, o custo do financiamento subiu para Selic (então em 3,5% ao ano) mais 6% ao ano, resultando em juros totais de 9,7% ao ano, aproximadamente.
O problema é que, com o avanço da inflação, o Banco Central vem promovendo sucessivos reajustes na Selic. No dia 2, ela chegou a 10,75% ao ano. Com isso, o custo do Pronampe vai a 17,4%.
E o próprio BC sinalizou para novos aumentos na Selic. Algumas instituições financeiras, como o Itaú, já preveem que a taxa pode chegar a 12,5%, o que levaria o custo total do Pronampe para mais de 19% ao ano.
O BC eleva a Selic na tentativa de conter a inflação. Mas para alguns setores, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), por exemplo, a alta pode acabar inibindo a atividade econômica nos próximos meses.
Um dos efeitos do avanço do custo do crédito é o aumento da inadimplência no Pronampe. Segundo o Banco do Brasil, administrador do Fundo de Garantia de Operações (FGO) do programa, a inadimplência geral das operações contratadas está em 4,5%, se considerados as três categorias atendidas pela medida (microempresas, pequenas empresas e profissionais liberais).
O índice atrasos nos pagamentos do Pronampe é superior à inadimplência média dos empréstimos concedidos a pessoas jurídicas, que era de 1,33% em dezembro, segundo o Banco Central. O crédito total a micro, pequenas e médias empresas tinha inadimplência de 2,55% e, para grandes empresas, o índice era de 0,39%.
Segundo pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) com empresários do setor entre os dias 15 e 27 de janeiro, dentre os que contraíram empréstimo por meio do programa (51% dos entrevistados), ao menos 20% já têm parcela em atraso – destes, 22% disseram que há possibilidade de seus negócios quebrarem por causa do aumento dos juros.
"O custo do empréstimo subiu bastante, e isso nos preocupa, porque as empresas estão endividadas", afirma José Eduardo Camargo, líder de conteúdo e inteligência da Abrasel. "Isso nos faz pensar que pode ser um grande problema para um momento de retomada. As empresas tiveram uma queda de faturamento, e tiveram que fazer empréstimo para se manter. Agora, momento em que poderiam se reerguer, é um dificultador muito grave trabalhar com dívida quando ainda não se recuperou totalmente o faturamento".
Segundo ele, quem tomou o empréstimo acreditando numa taxa baixa agora começa a se aproximar de taxas normais de bancos. "A Selic aumenta e muda as condições de jogo, e olhamos pra isso com preocupação. Além disso, essas empresas podem ter feito outros tipos de empréstimos", avalia Camargo. Ainda assim, em termos de juros, o Pronampe continua proporcionando uma das condições mais favoráveis do mercado, onde as taxas podem chegar a 30% ao ano.
"É urgente um olhar para o Pronampe, programa muito importante, mas que teve seu custo bastante aumentado com os frequentes reajustes nos juros. Isso arrebenta com a estratégia financeira das micro e pequenas empresas, que são a grande maioria do nosso setor", afirma Paulo Solmucci, presidente-executivo da Abrasel.
Uma das alternativas para aliviar a alta da Selic seria a ampliação dos prazos de pagamento. No Pronampe, o empresário pode solicitar o prolongamento de mais 12 meses para parcelas vencidas e vincendas.
Em agosto do último ano, o Sebrae já vinha alertando donos de pequenos negócios que recorreram ao crédito ou que pretendiam fazê-lo para ficar atentos às movimentações macroeconômicas, especialmente o aumento da Selic.
O Sebrae sugere que os empresários acompanhem sua gestão financeira e, mesmo que inadimplentes, solicitem aos bancos o saldo devedor das operações de crédito para colocar no fluxo de caixa e avaliar o pagamento das parcelas.
Por outro lado, a boa notícia revelada pela pesquisa da Abrasel é que, apesar da dificuldade em relação ao pagamento do empréstimo, pela primeira vez desde o início da pandemia de Covid-19 o percentual de empresas com lucro (34%) é superior ao das que tiveram prejuízo (31%).
Com Sistema Nacional de Garantias, governo quer zerar recurso público para o Pronampe
Desde seu início, o programa emprestou um total de R$ 62 bilhões a cerca de 845 mil MPEs. Em 2020, foram R$ 37,4 bilhões, em cerca de 520 mil operações. No ano seguinte, o valor emprestado caiu aproximadamente 33%, para R$ 25 bilhões, em 325 mil contratos.
Em 2021, o governo foi responsável por aportar 85% dos recursos no Fundo de Garantia de Operações (FGO) do Pronampe, cujo efeito multiplicador gerou mais recursos, somados aos dos bancos. Agora, a ideia é zerar os recursos injetados pela União.
Em caso de inadimplência, parte dos atrasos do Pronampe acabam sendo custeados pelo governo federal. Mas o Executivo pretende deixar de oferecer garantias para empréstimos às empresas por meio do Pronampe. Em 2021, a iniciativa disputou recursos no Orçamento com outros programas e, em dezembro, a Comissão Mista de Orçamento da Câmara alertou para a queda na execução de créditos do programa.
Com o Orçamento cada vez mais apertado e o cobertor curto para demandas mais urgentes, a ideia do Executivo é descentralizar o financiamento e deixá-lo na mão de outros atores, através do Sistema Nacional de Garantias (SNG), instituído em outubro de 2021. A expectativa da equipe econômica é de que ele esteja completamente estruturado até abril.
O governo também promete lançar uma Política Nacional de Apoio e Desenvolvimento das Micro e Pequenas Empresas (Pnadempe), cujo principal objetivo será propor estratégias para aumentar a produtividade e a competitividade desses negócios. A política nacional está prevista em lei complementar desde 2006 mas até hoje não foi implantada.
O objetivo do governo era ter formalizado a Pnadempe meses atrás, mas até agora o decreto de instituição não foi publicado. As micro e pequenas empresas (MPEs) são responsáveis por 55% dos empregos, 99% dos negócios e 30% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
Conteúdo editado por: Fernando Jasper