Repetidamente tem sido submetida à apreciação dos tribunais a questão: impenhorabilidade do bem de família. Meses atrás havíamos comentado sobre a possibilidade de penhora de parte do bem de família, quando o imóvel não é totalmente utilizado para a moradia da família, ou seja, parte do imóvel é utilizado para fins comerciais, demonstrando assim que a Justiça está cada vez mais rígida com os devedores.

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Contudo, em recente julgamento a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça considerou possível que a impenhorabilidade do bem de família atinja simultaneamente dois imóveis do devedor, quais sejam, aquele onde o devedor mora com sua esposa, e outro no qual vivem as filhas (no caso, nascidas de relação extraconjugal).

O recurso foi interposto pelo Ministério Público de Minas Gerais contra decisão do Tribunal daquele estado que, por maioria, decidiu que a garantia legal da impenhorabilidade só poderia recair sobre um único imóvel, onde o devedor residisse com sua família. Isto porque, constatou-se que, o devedor, ao ser intimado da penhora, alegou que o imóvel em que vivia era bem de família e, ao ser indicado novo bem, também alegou que era impenhorável por tratar-se igualmente de bem de família, pois suas filhas residiam no imóvel.

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A Justiça não reconheceu o segundo imóvel como bem de familia, pois segundo entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais a relação extraconjugal do devedor não poderia ser considerada entidade familiar, nos termos da legislação vigente.

Sob intervenção do Ministério Público novo recurso foi levado à Corte Superior, e a Terceira Turma considerou que a impenhorabilidade do bem de familia visa resguardar não somente o casal, mas o sentido amplo da entidade familiar. Assim, no caso de separação de membros da família, como no caso julgado, a entidade familiar, para efeitos de impenhorabilidade de bem, não se extingue, ao revés surge em duplicidade.

O ministro relator Villas Bôas Cueva, afirmou que o reconhecimento da união estável como entidade familiar pela Constituição trouxe "importante distinção entre relações livres e relações adulterinas", mas essa distinção não interfere na solução do caso analisado, pois o que está em questão é a impenhorabilidade do imóvel onde as filhas residem. Recordou o ministro, que a Constituição estabelece que os filhos, nascidos dentro ou fora do casamento, assim como os adotados, têm os mesmos direitos.

O Ministro Cueva observou ainda que a jurisprudência da Corte vem sendo solidificada no sentido de que a impenhorabilidade prevista na Lei 8.009 não se destina unicamente proteger a instituição "família", mas sim resguardar o direito fundamental à moradia, com base no princípio da dignidade da pessoa humana.

Em seu voto declarou: "Firme em tal pensamento, esta Corte passou a abrigar também o imóvel de viúva sem filhos, de irmãos solteiros e até de pessoas separadas judicialmente, permitindo, neste caso, a pluralidade de bens protegidos pela Lei 8.009". Asseverou que: "o conceito de entidade familiar deve ser entendido à luz das alterações sociais que atingiram o direito de família. Somente assim é que poderá haver sentido real na aplicação da Lei 8.009".

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Esclareceu finalmente Villas Bôas Cueva, que o intuito da norma não é proteger o devedor contra suas dívidas, tornando seus bens impenhoráveis, mas garantir a proteção da entidade familiar no seu conceito mais amplo.

(Colaboração: Carolina Chaves Hauer, G. A. Hauer Advogados Associados - geroldo@gahauer.com.br)