O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL).| Foto: Carolina Antunes/PR
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Prestes a se encerrar, o governo de Jair Bolsonaro (PL) trouxe avanços na economia, como a melhoria do ambiente de negócios, uma série de concessões de ativos de infraestrutura, uma agenda de privatizações, além da aprovação da reforma da Previdência, da autonomia formal do Banco Central e de importantes marcos regulatórios, como do saneamento e das ferrovias.

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Por outro lado, os conflitos com o Judiciário, o Congresso, governadores e prefeitos, ministros e até mesmo dentro do próprio Planalto limitaram o legado positivo do atual mandatário. E a gestão fiscal ao longo dos últimos quatro anos divide opiniões de analistas. Há quem veja melhoras nessa área, evidenciadas pelos números das contas públicas. De outro lado, há quem relembre a série de burlas na principal âncora fiscal do país.

Tendo Paulo Guedes como “Posto Ipiranga” desde a campanha de 2018 e como superministro da Economia a partir do início do mandato, Bolsonaro foi eleito com um plano de governo que se vendia “conservador nos costumes e liberal na economia”. A expectativa do setor produtivo e do mercado financeiro era de uma continuidade da pauta econômica de seu antecessor, Michel Temer (MDB).

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O governo deu indícios de que seguiria nesse sentido, principalmente nos dois primeiros anos. Mas já na tramitação da reforma da Previdência, única grande reforma estrutural que conseguiu aprovar, Bolsonaro cedeu pontos importantes para o Congresso, como o regime de capitalização, que acabou descartado na versão final da emenda constitucional. Na mesma reforma, o capitão reformado articulou para beneficiar as Forças Armadas, que, em troca de regras previdenciárias um pouco mais rígidas, ganharam uma "contrarreforma" que ampliou outros benefícios.

“Uma parte do mérito da reforma da Previdência, que é um ganho dos últimos quatro anos, me parece mais associado às lideranças legislativas do que ao núcleo político e ao diagnóstico da equipe econômica”, diz Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria.

Gestão fiscal do governo Bolsonaro divide opiniões

A gestão fiscal do governo Bolsonaro está longe de ser uma unanimidade entre os observadores da área.

Quem vê legado positivo recorre aos números. Após a explosão de gastos durante a pandemia, a dívida bruta do governo passou a cair praticamente sem trégua, e caminha para fechar o ano no menor nível desde 2017, segundo projeção da equipe econômica. Em paralelo, a União deve fechar o ano no azul pela primeira vez desde 2013, com um superávit primário estimado em pouco mais de R$ 34 bilhões pelo Ministério da Economia.

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Parte desses resultados, porém, tem a ver com fatores não recorrentes. Um dos motivos para a queda da dívida foi a devolução antecipada, pelo BNDES, de recursos que haviam sido repassados pelo Tesouro. E o resultado primário positivo de 2022, além de conquistado com três anos de atraso (Guedes o prometia para 2019), contou com a ajuda de receitas extraordinárias – tanto que o próprio Ministério da Economia preparou para 2023 um Orçamento prevendo a retomada do déficit primário, estimado em quase R$ 66 bilhões.

Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV) e sócio da Julius Baer Family Office (JBFO), argumenta que o resultado primário estrutural – que exclui fatores cíclicos – melhorou muito nos últimos anos, chegando próximo de zero em 2021 e, possivelmente, 2022.

"Para termos uma ideia da melhora que tem ocorrido na área fiscal, basta lembrar que a União apresentou em 2014 um déficit primário estrutural de 2,4% do PIB, e, em 2018, déficit de 1,6% do PIB. Aos trancos e barrancos, com muitas idas e vindas, desde 2015 temos arrumado a política fiscal. Muito há ainda por fazer", escreveu Pessôa em artigo recente.

Ele também considera que o Orçamento de 2023 preparado pela atual gestão – muito criticado por especialistas e pelo governo eleito por não prever recursos suficientes para o Auxílio Brasil e outros benefícios sociais – era exequível com pequenas adições.

Em contraste com a melhora dos números, existe a avaliação de que a gestão de Paulo Guedes foi dribladora contumaz do teto de gastos.

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Em quatro anos, o governo abriu cinco exceções ao teto, que permitiram despesas de quase R$ 840 bilhões acima do limite constitucional. Mesmo excluindo os gastos com a pandemia, ainda assim foram R$ 300 bilhões acima do teto. Parte desse valor foi gasto neste segundo semestre de 2022, quando o governo contou com a ajuda do Congresso para mudar a Constituição, criando alguns benefícios sociais e turbinando outros em plena época eleitoral.

“Foi o governo que será lembrado como o que desmontou a regra do teto de uma forma irreversível. E isso aconteceu todos os anos, não foi só uma consequência da pandemia”, diz o economista Sérgio Vale, da MB Associados. “O legado infelizmente não é positivo. Entrega uma herança bastante complicada para o próximo governo, que já teria suas dificuldades inerentes ao tipo de governo do PT”, diz.

Ambiente de negócios melhorou com agenda microeconômica do governo Bolsonaro

Para Cortez, os acertos do governo Bolsonaro estão ligados principalmente a uma agenda microeconômica, com a modernização de instituições que ajudaram a melhorar o ambiente de negócios no país.

Ainda em 2019, foi aprovada a Lei de Liberdade Econômica, que reduziu a burocracia nas atividades empresariais. O marco legal do saneamento atraiu mais investimentos da iniciativa privada em infraestrutura, enquanto a lei da independência formal do Banco Central ajudou a atrair investimentos estrangeiros ao gerar mais segurança ao investidor. “A ideia de que flutuações políticas e eventuais decisões populistas não afetam a condução da política monetária é sempre um ponto favorável”, diz Cortez.

O programa de concessões de ativos de infraestrutura de transporte também é visto como um avanço. Com o governador eleito de São Paulo Tarcísio Gomes de Freitas à frente da pasta de Infraestrutura, o governo garantiu nos últimos quatro anos R$ 116,4 bilhões em investimentos privados para o setor.

Além disso, com o novo marco legal das ferrovias, que criou o modelo de autorização para construção de novos trilhos pela iniciativa privada, 32 projetos já foram viabilizados, com potencial de R$ 149,6 bilhões em investimentos nas próximas décadas.

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“A gente viu avanços em portos, aeroportos e rodovias, começamos a ter um processo maior de concessões”, diz Sergio Vale, da MB Associados. “Agora, tinha que ter. Em um governo que se vendeu liberal de início, pelo menos as concessões tinham que andar”, avalia.

Agenda de privatizações avançou, mas ficou muito abaixo do prometido

A agenda de privatizações, que teve como ponto alto a capitalização da Eletrobras, deixou a desejar, em especial se comparada à promessa de Paulo Guedes de levantar R$ 1 trilhão com essas operações (e mais R$ 1 trilhão com a venda de imóveis do governo).

Ficaram no papel desestatizações de grandes empresas, como Correios e Petrobras, enquanto a maior parte das vendas foi de subsidiárias, como a BR Distribuidora e a TAG, ambas da Petrobras.

“A privatização da Eletrobras foi bastante ruim, porque foi mal feita, houve uma tentativa de acelerar o processo e, dado que o governo estava muito fraco no Congresso, acabou aprovada uma medida que, no fim, vai implicar em custos mais altos para a população”, explica o economista-chefe da MB Associados.

“A empresa vai arcar com custos de distribuição de energia que vão acabar aumentando as despesas, que vão acabar sendo repassadas para o consumidor final. Não tem muito jeito. Eu diria que nas concessões houve um grande avanço, mas nas privatizações foi bastante aquém do que se desejaria”, diz Vale.

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Relação com Congresso dificultou implantação de agenda econômica

Uma das grandes dificuldades de Bolsonaro para levar adiante suas propostas na área econômica teve a ver com a relação que estabeleceu com o Congresso Nacional. “A tentativa de implementação de uma agenda de política econômica sem o tratamento adequado do ponto de vista político, seja na relação com a base aliada, seja na relação com a sociedade e com os grupos de interesse, deixou muito a desejar no governo Bolsonaro”, diz Cortez.

Bastante enfraquecido na relação com o Congresso, Bolsonaro assistiu a parlamentares avançarem sobre o Orçamento, especialmente a partir da criação das emendas de relator, o que passou a dificultar ainda mais a execução de políticas públicas. “Isso é reforçado quando o presidente constrói uma base aliada para sobreviver ao mandato, e não tanto para organizar uma agenda positiva”, afirma o sócio da Tendências.

Os conflitos do presidente não se restringiram à relação com outros Poderes. “Foram várias as oportunidades em que o presidente publicamente foi no sentido contrário ao diagnóstico e às agendas levantadas pela própria equipe econômica, gerando uma superexposição do ministro Paulo Guedes”, lembra Cortez.

Para ele, a agenda tributária foi a que mais sofreu com essas inconsistências dentro do governo, uma vez que enfrentava resistências do próprio presidente. A reforma tributária acabou então sendo dominada pela Câmara e pelo Senado por meio das propostas de emenda à Constituição (PECs) 45 e 110, que, por sua vez, não foram encampadas pela equipe econômica.

O governo optou por uma "reforma fatiada". Primeiro, mandou um projeto para fundir PIS e Cofins em uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), mas pouco fez para que ela avançasse no Congresso. Depois, mandou ao Legislativo um projeto de lei de mudanças no Imposto de Renda, com tributação de lucros e dividendos, que a própria equipe econômica acabou abandonando. O texto foi aprovado na Câmara, mais por esforço do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), e ficou parado no Senado desde então.

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Outro exemplo de reforma estrutural que não avançou, e nesse caso por desinteresse do próprio governo, é a mudança nas regras do serviço público. A reforma administrativa foi enviada à Câmara dos Deputados em setembro de 2020 e chegou a ser aprovada um ano depois pela comissão especial da Casa, mas não se moveu desde então. Arthur Lira disse que faltou esforço do governo, e Paulo Guedes afirmou que o "entorno do presidente bloqueou" o andamento da reforma.

O que o governo fez nesse campo foi o que Guedes chamou de "reforma administrativa invisível", com iniciativas que não dependiam do aval do Legislativo para conter os gastos com pessoal. Entre elas, a redução na taxa de reposição de servidores aposentados, o avanço da digitalização de serviços públicos e o congelamento de salários da maioria do funcionalismo durante toda a gestão. O resultado foi que a despesa com pessoal, em comparação ao PIB, caiu ao menor nível em pelo menos 25 anos.

Os acertos e erros de Bolsonaro na economia em reação à pandemia

Alguns indicadores econômicos negativos, como a recessão em 2020 e os índices recordes de inflação em 2021 e 2022 – em alguns meses os maiores desde a criação do real –, estão diretamente associados ao impacto da pandemia de Covid-19. “Mas o grande problema da pandemia foi o modo como o governo, especialmente o presidente, reagiu”, diz Vale. “De uma forma extremamente negativa, inadequada. Demorou a dar as respostas e com incompetência em relação à política econômica”, avalia.

Segundo ele, a discussão com o Congresso em relação ao Auxílio Emergencial foi uma amostra da dificuldade do governo em lidar com os efeitos econômicos da crise sanitária. A proposta original da equipe econômica era de um benefício de R$ 200 mensais, valor que foi modificado para R$ 500 na Câmara dos Deputados. No fim, para ter a última palavra, Bolsonaro disse que aceitava pagar R$ 600.

“Foi um governo que, do ponto de vista da pandemia, não foi o mais eficaz no começo, porque não soube administrar os conflitos que existiam com o Congresso e fazer a análise correta do que seriam os recursos necessários naquele momento. E teve o efeito no final de, também por causa de conflito político com governadores e com o Congresso, atrasar as medidas em relação às vacinas, o que acabou atrasando o processo da própria recuperação da economia do país”, diz o economista.

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Para Rafael Cortez, da Tendências Consultoria, o destaque positivo do governo durante a pandemia foram os programas de proteção ao emprego, com flexibilização da jornada de trabalho com subsídio do governo, e políticas de crédito, como o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe).

“Do ponto de vista das transferências de renda, essas respostas vieram com a contribuição dos legisladores. Um volume maior do benefício médio do Auxílio Emergencial veio, na verdade, como uma pressão política dos legisladores, mas, independentemente dessa origem, do ponto de vista do Estado brasileiro, foram políticas exitosas. Trouxeram uma resposta bastante generosa de proteção social nesse momento da pandemia”, considera.

Números positivos de Bolsonaro na economia também têm a ver com fatores externos, dizem analistas

Durante a campanha eleitoral de 2022, Bolsonaro destacou números positivos, afirmando que o Brasil se saiu melhor do que a maior parte dos outros países no campo econômico. Após crescer 1,1%, 1,2% e 0,4% nos três primeiros trimestres deste ano, o país deve ver seu Produto Interno Bruto (PIB) subir acima de 3% este ano, segundo projeção de economistas captada pelo Boletim Focus, do BC.

Após as estatais apresentarem lucro líquido de R$ 187,7 bilhões em 2021, mais que o triplo do ano anterior e maior resultado desde 2008, o Ministério da Economia trabalha com a possibilidade de encerrar 2022 com superávit primário, o primeiro em oito anos. Contam para o resultado os montantes históricos de dividendos pagos pelas estatais e a venda do controle acionário da Eletrobras, que rendeu ao Tesouro R$ 26,6 bilhões.

Mas parte desses números é resultado de fatores externos ao governo, como a retomada da economia pós-pandemia e a valorização das commodities, que beneficiaram países produtores como o Brasil. “Tem o efeito da saída da pandemia, tem um efeito do gasto fiscal que foi dado no período e tem o efeito ainda mais forte das commodities”, diz Vale.

“Lógico que a gente tem que comemorar números positivos agora, mas a questão da responsabilidade fica um pouco dúbia: foi o governo de fato, ou foram elementos externos ao governo que ajudaram isso a acontecer? Acho tem mais elementos externos”, diz o economista.

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Apesar do crescimento econômico mais robusto em 2021 (quando o PIB nacional avançou 5%) e 2022, o país manteve nos últimos quatro anos a rotina – quem vem desde a década de 1980 – de crescer abaixo da média mundial.

Para Vale, o saldo final do governo Bolsonaro na área econômica é negativo. “Um governo que, mesmo que tivesse sido responsável pelo crescimento de 5% no ano passado e de 3% este ano, ainda perdeu a reeleição, é um sinal de que, de fato, agiu de forma equivocada em várias frentes”, diz.

Samuel Pessôa, do Ibre/FGV e da JBFO, faz avaliação mais favorável. "O legado de crescimento do quadriênio de Bolsonaro parece melhor do que imaginávamos há pouco tempo", escreveu em artigo.

"A taxa de desemprego fechou outubro em 8,3%, o menor valor desde maio de 2015. Os salários crescem acima da inflação desde julho e encontravam-se, em outubro de 2022, 5% acima do valor do mesmo mês de 2021. A massa salarial real em outubro de 2022 foi 11,6% superior à do mesmo mês de 2021", enumerou o economista. "A inflação está em queda e, mesmo com a reversão das desonerações em 2023, se houver, nada impede que o Banco Central atinja a meta em 2024, antes, provavelmente, das demais economias emergentes."